Abandono
de crianças disparou em Sintra, porque pais
emigraram
Casos de
“abandono efectivo” de crianças correspondem a um novo padrão
identificado no ano passado
Ana Dias Cordeiro
/1-5-2015 / PÚBLICO
Dados de crianças e
jovens em perigo só serão conhecidos em Maio. Presidente da
comissão de Sintra diz ser preocupante aquilo a que assistiu no ano
que passou: mais abandonos e maus tratos físicos mais graves
Pais que emigram e
deixam crianças de oito anos em casa com um irmão um pouco mais
velho, ou ao cuidado de um tio ou de uma vizinha que não assumem
essa responsabilidade de forma plena. Estes casos de “abandono
efectivo” correspondem a um novo padrão identificado no ano
passado, quando o número de crianças sinalizadas por abandono, em
Sintra, passou de quatro casos conhecidos em 2013 para 28 em 2014.
“Este tipo de
situação de crianças em autogestão era muito residual. No último
ano aumentou muito”, diz a presidente da Comissão de Protecção
de Crianças e Jovens (CPCJ) de Sintra Oriental, que identificou
também menos casos de maus tratos físicos, mas mais violentos.
Nunca como em 2014 se lhe deparam tantas situações de “maus
tratos graves, alguns com um requinte de malvadez, próximos da
tortura”, disse ao PÚBLICO.
A tendência
nacional de 2014 só será conhecida no final de Maio, quando o
relatório de actividades relativo a esse ano for publicado e se verá
quais as problemáticas mais presentes ou em maior crescimento. Mas
ambas situações são muito preocupantes, diz Sandra Feliciano. A
CPCJ de Sintra Oriental foi uma das cinco que organizaram a
conferência A Criança e o Direito a Uma Comunidade Protectora,
juntamente com a da Amadora, Cascais, Oeiras e Sintra Ocidental.
Nestas cinco
comissões dos quatro municípios, o volume processual aumentou no
último ano, passando de 7294 para 7397 em 2014. “Cada uma destas
crianças tem um rosto, uma história única para nós”, realçou
Joana Garcia da Fonseca, presidente da CPCJ da Amadora.
O encontro decorreu
ontem na Amadora, numa altura em que as comissões de Protecção
enfrentam uma redução do número de representantes da Segurança
Social e ao mesmo tempo estão a ser alvo de críticas depois do caso
da menina de dois anos assassinada em Loures em Abril, que já estava
sinalizada na CPCJ de Loures por maus tratos da mãe e do padrasto,
após várias denúncias anónimas.
As denúncias
anónimas sempre foram em grande número, diz Sandra Feliciano. E
essas permitem detectar situações. Mesmo assim, a responsável
alerta para a possibilidade de existirem muito mais casos de abandono
efectivo do que aqueles que são conhecidos. “Os 28 casos são
situações confirmadas”, disse a responsável. “Mas há outros
que podem escapar-nos.” Os casos nem sempre são fáceis de
identificar, quando as crianças mantêm as rotinas e continuam a
frequentar a escola. Sandra Feliciano conta o caso de um menino de 14
ou 15 anos que vivia sozinho, mas continuou a ir à escola e a fazer
uma vida normal. “O sistema só se apercebeu da sua situação
quando foi hospitalizado. Ninguém apareceu para assinar a alta”,
relata.
Nestes casos, por
vezes, a resposta acaba por ter de ser o acolhimento em instituição.
Mas, quando existe um familiar, tenta-se que essa pessoa fique
formalmente responsável através da assinatura de um acordo de
promoção e protecção. Nas situações de maus tratos físicos, a
intervenção é “articulada com a polícia, para que os processos
[possam] decorrer em paralelo” — o processo de promoção e
protecção dos direitos das crianças e o processo-crime.
Entre as outras
tendências verificadas em Sintra Oriental, a exposição a violência
doméstica aumentou de 156 para 171 casos. Na Amadora, entre 2012 e
2013, esse número tinha quase duplicado. Em 2014, houve uma ligeira
descida (para 247 casos), mas manteve-se muito acima daquele
verificado em anos anteriores.
Também em Oeiras
essa voltou a ser a tendência, disse ao PÚBLICO João Belo,
presidente da CPCJ de Oeiras, que fez face a um maior número de
processos (de 916 em 2013 para 988 em 2014) e a um aumento das
sinalizações por exposição a violência doméstica e de jovens
com comportamentos de risco. “Os elementos que são sinalizados,
pelo peso que têm, estão relacionados com este cenário de crise”,
considerou o psicólogo, evocando o agravamento dos conflitos entre
casais e a falta de perspectivas dos jovens. Também em 2014, em
Oeiras, aumentaram as situações de urgência, quando tem de ser
accionado o mecanismo de urgência, em que a criança é retirada sem
o consentimento dos pais, sem que haja tempo para o caso seguir para
o Tribunal de Família.
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