PATRÍCIA CARVALHO
22/04/2015 - PÚBLICO
Câmara avança para a reabilitação
do edifício, sem esperar a abertura das candidaturas a fundos comunitários.
O Mercado do
Bolhão de hoje não irá estranhar o novo Mercado do Bolhão, projectado pelos
técnicos da Câmara do Porto e por uma equipa externa, coordenada pelo
arquitecto Nuno Valentim. O edifício reabilitado terá mercado de frescos no
piso térreo, restaurantes e uma área com estruturas polivalentes no piso
superior. Vai ter acesso directo à estação de metro, elevadores e uma cave
técnica com acesso pela Rua de Alexandre Braga. Mas vai manter os vendedores
que lá queiram ficar. E haverá até uma nova versão das cortinas que ajudam a
afastar o sol dos produtos para venda, no piso superior.
O presidente da
Câmara do Porto, Rui Moreira, não anunciou ainda quando e para onde irão os
vendedores do Bolhão durante o período de obras, que se poderá estender entre
18 e 24 meses. A assessoria de imprensa da autarquia não quis sequer confirmar
o segundo local proposto aos comerciantes, para além da Casa Forte - o
Silo-Auto. Mas é essa a hipótese em cima da mesa, conforme confirmaram ao
PÚBLICO outras fontes ligadas ao processo. Na manhã desta quarta-feira, o
presidente da câmara quis, acima de tudo, garantir que o caminho que agora se
inicia, e que pressupõe um investimento total de 20 milhões de euros, é “um
processo sem retorno”, uma mensagem dirigida aos vendedores que já assistiram a
outras promessas de obras e a outros projectos.
Moreira lembrou
que não foi ao Bolhão durante a campanha eleitoral fazer promessas que não
saberia se poderia cumprir, e também não quis, agora, comprometer-se com alguns
aspectos que estão na cabeça de todos – quando começa a obra?, quanto tempo até
o novo espaço ser inaugurado? O autarca garantiu apenas que o concurso público
para a execução do projecto “será lançado depois deste Verão e que a obra será
feita no menor prazo possível para ficar bem feita”.
A maquete
instalada no piso superior do mercado, as imagens divulgadas e os
esclarecimentos prestados ajudam a criar a imagem do que será o futuro mercado.
Sem cobertura superior nem estacionamento, o Bolhão vai ter, contudo, uma
cobertura do piso térreo, onde ficará instalado o mercado de frescos, os talhos
e as peixarias. Será uma cobertura em vidro, com características térmicas, que
permitirá controlar a temperatura e a ventilação para quem ali se dirige. Apesar
da alteração de materiais (as bancas de betão vão passar a ser em vidro e
metal), as novas bancas de venda serão "uma reinterpretação" das que
hoje existem, esclareceu o arquitecto Nuno Valentim, e essa não será a única
memória visual a ser preservada. "Seremos absolutamente cuidados com um
edifício que é singular", disse o arquitecto, realçando que o projecto
apresentado esta quarta-feira assentou em três vertentes: "edifício,
mercado e pessoas".
As lojas do
exterior não terão reclames luminosos, mas toldos, à semelhança do que acontecia
nos primeiros anos do edifício. As cortinas que as vendedoras de fruta e
legumes correm, no piso superior, para proteger os seus produtos do sol, vão
continuar também por ali, apesar de estar previsto que venham a proteger as
pessoas que se instalem nas esplanadas dos restaurantes que devem nascer na ala
Sul deste piso. Na ala Norte, de acordo com Nuno Valentim, ficarão
"estruturas polivalentes que tanto podem receber mercados sazonais como
actividades e outra natureza".
O presidente da
Associação de Comerciantes do Bolhão, Alcino Sousa, não ostentava o mesmo
sorriso largo que rasgava o rosto do vereador do Urbanismo, Correia Fernandes,
ou de Rui Moreira. Alcino, um dos "resistentes" do mercado, como
fizeram questão de chamar aos vendedores os dois governantes, disse estar
“cansado”, depois de tantos anos de espera, mas admitiu estar também
esperançoso. “Acredito neste presidente. Sabemos que o tempo foi bastante para
aquilo que passamos, para aquilo que sofremos. Espero que as coisas agora
decorram da forma mais rápida possível”, disse.
O comerciante,
que possui um talho no mercado, diz que aguarda ainda pela decisão da câmara
sobre se o mercado provisório para os vendedores ficará na Casa Forte ou no
Silo-Auto, mas não esconde a sua
preferência. “Quanto mais perto melhor. Prefiro a Casa Forte, mas o problema é
o tempo para ter aquilo pronto para nos receber. Vamos ver, espero que seja o
que for melhor para nós”. As obras na Casa Forte, para receber os comerciantes,
poderiam estender-se por um ano, e este factor está a prejudicar a opção por
este espaço, já que Rui Moreira não quer que o arranque das obras seja atrasado
por o mercado provisório não estar pronto.
No final da
apresentação, Rui Moreira garantiu aos jornalistas que os cerca de 90 comerciantes
que ainda estão no interior do Bolhão poderão regressar ao novo mercado, com
“condições especiais” e necessariamente diferentes das dos que chegarem de
novo. O autarca confirmou também que a câmara tem condições económicas para
avançar com a obra, mas que irá candidatá-la a fundos comunitários, e
acrescentou que o mercado poderá “vir a ter um ou mais mecenas”. Moreira
garantiu que, por enquanto, não há contactos com qualquer potencial investidor,
mas questionado sobre se aceitaria o apoio de um empresário que quisesse
instalar ali um supermercado, respondeu que um equipamento desse género “não
cabe” ali.
O autarca
acrescentou ainda que o projecto de reabilitação da Direcção Regional de
Cultura do Norte, feito a pedido do anterior executivo, não foi aproveitado,
apesar de ser “excelente”, porque “não se enquadrava no programa” que previu
para ali. Em comunicado, a CDU veio, entretanto, saudar a opção de manter o
Bolhão como um mercado público e de frescos, anunciando, contudo, que vai pedir
a criação de uma comissão de acompanhamento do processo, no âmbito da
Assembleia Municipal, por considerar que existem "elementos relevantes que
persistem ainda por determinar", como as condições exactas em que os
comerciantes poderão regressar ao edifício requalificado.
No final da
apresentação, um grupo especial mantinha-se junto a uma das estruturas
metálicas que sustentam a ala Sul do mercado: Correia Fernandes, José Maria
Silva, o deputado do Bloco de Esquerda José de Castro e o presidente da
Beneficiência Familiar, António Reis. Eles eram parte do núcleo da Plataforma
de Intervenção Cívica que, há quase uma década, mobilizou a cidade contra o
projecto de concessão defendido pelo executivo de Rui Rio. António Reis teve
mesmo uma menção especial no discurso do vereador do Urbanismo, como
"símbolo da parte altruísta e combatente da sociedade". Questionado
sobre o novo projecto lhe agradava, António Reis foi incisivo: "Era isto
que a gente queria. Lutámos por isto. Temos agora a recompensa de tudo quanto
fizemos."
Comerciantes do Bolhão confiantes
na solução proposta
RITA NETO
22/04/2015 - PÚBLICO
Vendedores dizem confiar em Rui
Moreira e na reabilitação do edifício
Maria da
Conceição, 66 anos e vendedora no Mercado do Bolhão há 49, ainda não se
conforma com os andaimes que há cerca de uma década sustentam a ala Sul do
edifício e que, reclama, “assustaram o povo”, afastando-o dali. Contudo, o novo
projecto apresentado pela Câmara do Porto restituiu-lhe a esperança: “Confio no
presidente e desta vez isto irá para a frente”, disse.
A opinião da
vendedora de legumes parece traduzir o sentimento geral dos vendedores ouvidos
pelo PÚBLICO – há uma nova esperança, mas ninguém parece disposto a esquecer os
anos de espera. E ainda há quem aponte o dedo ao anterior presidente da câmara,
Rui Rio, e à forma como este geriu o processo do Bolhão durante os seus
mandatos.
No piso inferior
do mercado, escondida pelos toldos que não deixam passar a luz do sol, está
Susana, 31 anos, a vender fruta naquele local há onze. Diz que espera que Rui
Moreira cumpra o que ali foi apresentar, na manhã desta quarta-feira, mas não
esconde o desabafo: “Promessas estamos nós fartos de ouvir”. A vendedora
concorda com a opção da câmara de colocar a venda de todos os produtos
tradicionais num só piso (o inferior) e de usar o piso superior “para outro
tipo de comércio”. Susana até nem se importava que lá em cima se vendesse
“roupa e calçado”, porque acredita que essas lojas “atraem mais clientes”, mas
o essencial é mesmo que as obras avancem. “O mercado merece ser requalificado,
merecem os comerciantes e os clientes”, afirma, convicta.
Ao longe ouve-se
um pregão, tão típico do mercado: “Ó’mor, anda cá, olha que riqueza de peixinho”.
É das “goelas” de dona Albina, de 63 anos, herdeira do negócio dos pais, que
sai o chamamento. “Eu estou aqui desde que nasci”, diz, enquanto escama um
robalo. Foi ouvir o que Rui Moreira tinha para dizer aos comerciantes e diz-se
satisfeita com o que classifica como “um discurso real”. “Falou muito bem.
Acredito nele e sei que é uma pessoa de bem. O presidente sente a cidade, sente
o Bolhão”, disse. Também ela lamenta a presença assustadora dos andaimes, que
afastaram clientes – mas não os habituais, ressalva, “esses continuaram a vir,
nunca deixaram o Bolhão” – e não tem dúvidas em garantir: “Temos sido
resistentes, se não fossemos resistentes já não estávamos aqui”.
Mesmo no centro
do mercado, e também na sombra dos toldos gigantes, estão as “manas”, como são
conhecidas entre os colegas. Laurinda e Arminda Araújo, de 64 e 66 anos,
respectivamente, estão no Bolhão há 56 anos. Também elas se dizem confiantes no
presidente da câmara, em quem dizem ter “muita fé, muita fé mesmo”. A elas, os
andaimes não assustam e garantem que apesar do afastamento inicial de alguns
clientes, “que tinham medo que o edifício ruísse”, isso já não acontece. Mas
não perdoam o impasse em que o processo de reabilitação do mercado caiu,
durante os mandatos de Rui Rio. “A ideia dele era assustar as pessoas, para
elas se irem embora”, diz Laurinda, ainda com a revolta na voz, frisando que
dos cerca de 400 comerciantes de há uns anos, restam menos de 90.
Elas, contudo,
continuam ali e não querem mudar. Animam-se com os turistas que têm ajudado “a
que se faça muito negócio no mercado” e não têm dúvidas quanto ao futuro. “A
vida é aqui, a vida é o Bolhão”, garantem.
Texto editado por
Ana Fernandes
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