Economistas de esquerda e de
direita com reservas sobre a “década para Portugal”
Baixa da taxa social única,
sustentabilidade da Segurança Social e atracção do investimento privado são
algumas das questões levantadas pelos economistas ouvidos pelo i
MARGARIDA BON DE
SOUSA
22/04/2015 in
(JORNAL) i online
O relatório “Uma
década para Portugal” do PS suscita muitas dúvidas entre os economistas: à
esquerda, porque duvidam que a Comissão Europeia deixe passar as medidas
propostas e sobre a descida da taxa social única (TSU); à direita, porque o
cenário macroeconómico é demasiado optimista e volta a apostar no consumo
interno, que levou à intervenção da troika em 2011.
Ferreira do
Amaral
O economista diz que o documento tem uma
estratégia alternativa, mas duvida que a Europa permita este tipo de políticas.
“É duvidoso que não haja oposição de Bruxelas”, diz, acrescentando que “do
ponto de vista das medidas, em geral, fazem-me sentido.” “Uma em que tenho mais
dúvidas é a redução das contribuições por parte dos trabalhadores para a
Segurança Social. Já as empresas, acho bem que as que têm mais precariedade
sejam penalizadas”, disse.
Ferreira do
Amaral manifesta ter muito pouca esperança numa mudança de políticas na Europa,
continuando a defender a saída do euro. “No cenário macroeconómico avançado, a
questão é saber se haverá crescimento europeu que permita o de Portugal. Mas é
claramente uma estratégia diferente da do governo, o que é bom porque permite
ao eleitorado ter duas alternativas substancialmente diferentes.”
Nuno Teles
O investigador da Universidade de Coimbra acha
inacreditável a existência de uma contradição entre a proposta de
sustentabilidade da segurança social e a redução da taxa social única das
empresas e dos trabalhadores em 8 pontos percentuais. “A questão da legislação
laboral, depois de todas as reformas que foram feitas no tempo do memorando”,
acrescenta, “cai agora por terra e o PS propõe um contrato que facilita o
despedimento individual. Finalmente, uma terceira crítica ligada às
privatizações: “O PS critica as privatizações deste governo, mas apresenta uma
proposta para mais agências que regulem as vendas de empresas aos privados – ou
seja, assume que vai continuar a privatizar, o que me parece uma contradição
nos termos, mas sem concretizar o quê.” Pelo lado positivo está a reintrodução
do imposto sucessório para grandes fortunas. Nuno Teles critica ainda o imposto
negativo de complemento salarial. “Os que não conseguem ganhar 411 euros passam
a ser subsidiados, ou seja, estamos a financiar salários baixos, na linha das
propostas iniciais de Milton Friedman, mas que, na prática, acabam por ser
subsídios às empresas para trancarem os baixos salários”, diz.
João Duque
O ex-presidente do ISEG defende que o modelo
apresentado é coerente. “Pode é depois afastar-se da economia real. O Vítor
Gaspar também tinha um modelo coerente e que se foi afastando da economia e não
se comportou como estava previsto”, diz. O problema, para Duque, está no
ajustamento dos modelos à realidade. “Uma coisa que acho gravíssima é a falta
de investimento privado em Portugal ligado aos bens transaccionáveis. Quanto às
propostas de investimento público, devemos avaliá-las com muito detalhe porque,
se não servirem para fertilizar o investimento privado, é o mesmo que dívida
contraída sem sustentabilidade para o seu pagamento”, refere.
Pedro Braz Teixeira
O economista, que
foi adjunto de Manuela Ferreira Leite quando esta foi ministra das Finanças,
considera que o cenário macroeconómico do PS é em tudo mais favorável que o da
Comissão Europeia, do qual partem. “E o facto de ser tudo mais favorável faz
com que seja o mesmo que escolhermos entre ser rico e com saúde e pobre e
doente, porque a maneira como o fazem é em tudo melhor do que a alternativa, o
que é, em si mesmo, uma coisa suspeita”, diz. “Conseguem ter um crescimento
maior do que o previsto e uma inflação menor, o que é muito estranho. É um
cenário cor-de-rosa que não me parece razoável e, em particular, estimula a
procura, como aconteceu nos 15 anos anteriores à troika sem resultados nenhuns”.
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