quarta-feira, 1 de abril de 2015

Madeira, o príncipe de Salina, Costa e os azares dos Távoras / Ana Sá Lopes

“Teria dado jeito ao PS um melhor resultado na Madeira porque a política também vive de “onda psicológica”, aquela que Costa conseguiu surfar durante o processo das primárias e foi perdendo devagarinho, essencialmente por culpa própria. Costa acreditou sinceramente na existência de uma passadeira vermelha que o levaria sem esforço às eleições. Se a decisão de sair da câmara é um passo no rumo certo, ainda não chega para inverter o gigantesco capital de esperança que desperdiçou sem que ninguém saiba como nem porquê.”
Ana Sá Lopes

Madeira, o príncipe de Salina, Costa e os azares dos Távoras
Por Ana Sá Lopes
publicado em 1 Abr 2015 in (jornal) i online

Um resultado decente do PS nas eleições da Madeira estaria hoje a ser propalado aos quatro ventos como uma prova de “um novo ciclo” e “um novo rumo”
Numa campanha eleitoral dizem-se coisas inúteis, muitas desastradas, outras inclusivamente parvas. Mas António Costa podia ter evitado acentuar, quando foi cumprir o doloroso dever de participar nas regionais da Madeira, que “é natural que as pessoas compreendam que a necessidade de mudança que se sente na Madeira é uma necessidade de mudança que se sente em todo o país”.

Não, esta frase desastrada, à luz dos resultados de domingo, não veio de nenhum dos inimigos políticos de António Costa – mesmo daqueles que, como dizia Churchill, se sentam na bancadas do seu partido. Foi o próprio Costa a extrapolar uma “necessidade de mudança” na Madeira para o país inteiro. Se a Madeira quisesse dizer alguma coisa ou os resultados fossem extrapoláveis, era dia de luto no Largo do Rato.

O problema da derrota mortal que o PS teve nas regionais é intrinsecamente madeirense: 40 anos de PSD não originaram uma alternativa política fora do PSD. Alberto João Jardim não é o príncipe de Salina, de “O Leopardo”, mas circunstâncias variadas, incluindo a incapacidade, que se perde no fim dos tempos, dos socialistas madeirenses, permitiram que na Madeira se cumprisse a frase de Lampedusa. No fim do jardinismo foi preciso que algo mudasse – Albuquerque, um candidato que há algum tempo se tinha consolidado como opositor interno de Jardim – para que tudo ficasse na mesma, nas mãos do PSD que sempre governou a ilha.

Claro que o discurso do PS, hoje, é correcto: sabemos perfeitamente que não é possível transpor os resultados de uma realidade específica, o arquipélago da Madeira, para as legislativas nacionais. Não foi porque a desastrada coligação Mudança conseguiu que o PS ainda tivesse menos votos do que nas eleições anteriores – e menos deputados eleitos – que Costa vai ter menos hipóteses de vencer as legislativas de Setembro/Outubro. Tudo isto é certo e muito bonito, se não soubéssemos que Costa começou por tentar fazer um discurso de campanha em que colava um desejo de mudança na Madeira ao desejo de mudança a nível nacional. Se não soubéssemos também que um resultado decente do PS nas eleições da Madeira estaria hoje a ser propalado aos quatro ventos como uma prova do “novo ciclo”, do “novo rumo” e da nova liderança de António Costa. Se não soubéssemos que, em vez de se esconder na noite de domingo, Costa estaria a fazer um comício onde calhasse.

Teria dado jeito ao PS um melhor resultado na Madeira porque a política também vive de “onda psicológica”, aquela que Costa conseguiu surfar durante o processo das primárias e foi perdendo devagarinho, essencialmente por culpa própria. Costa acreditou sinceramente na existência de uma passadeira vermelha que o levaria sem esforço às eleições. Se a decisão de sair da câmara é um passo no rumo certo, ainda não chega para inverter o gigantesco capital de esperança que desperdiçou sem que ninguém saiba como nem porquê.

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