terça-feira, 28 de abril de 2015

A fixação de António Costa no Presidente

“O mistério não parece muito difícil de esclarecer. O líder do PS deve ter sabido (ou, quando muito, percebido), há já bastante tempo, que o PS não tem um candidato presidencial provindo das suas fileiras. Vai ter de pedir um emprestado, que virá com todos os tiques e pergaminhos de independente, reivindicando-se seguramente de um “neo-eanismo” ou de um “neo-pintasilguismo”, mais do que propriamente de uma mundividência genuinamente PS como era a de Soares e era a de Sampaio. Porque vai ter de jogar com um joker emprestado, a batalha das presidenciais será bem mais exigente para Costa e para o PS do que inicialmente se supunha (e do que realmente seria, se Guterres fosse candidato ou até se nomes como os de Jaime Gama ou António Vitorino estivessem na corrida). Estando ciente das dificuldades dessa batalha, definiu a estratégia de tentar passar a ideia no eleitorado de que, para mudar a situação política, não bastava mudar de partido no governo. Para mudar a situação política, será também necessário mudar o campo político na presidência da República. No fundo, Costa está a perspectivar o ciclo eleitoral “legislativas-presidenciais” como um ticket. Quem vota num partido para as eleições gerais, deve votar no seu candidato para as presidenciais. Esta é quiçá a forma que encontrou de poder “incorporar” o candidato independente na cultura e na tradição do PS.
A única maneira — ou, no mínimo, a melhor — de passar esta mensagem é fazer crer, desde já, à opinião pública e ao eleitorado que o presidente e a maioria parlamentar constituem uma unidade, correspondem a um continuum político. Ao insistir recorrentemente no ponto de que o Presidente e o Governo são as duas faces de uma mesma moeda, Costa vai inculcando a ideia de que a dita mudança política passa por um duplo voto, por um voto no Inverno que esteja alinhado com o voto do Outono. A verdadeira intenção de pôr Cavaco no olho do furacão crítico do PS — de fazer dele um inspirador, um conivente ou um cúmplice — é justamente a de dar coerência e sentido à narrativa do duplo voto.”
    PAULO RANGEL



 A fixação de António Costa no Presidente
PAULO RANGEL 28/04/2015 - PÚBLICO

Costa vai inculcando a ideia de que a dita mudança política passa por um duplo voto, por um voto no Inverno que esteja alinhado com o voto do Outono.

1. Um dos aspectos mais marcantes, mas menos sublinhados, da estratégia discursiva de António Costa é o ataque constante e contundente ao Presidente da República. Nas mais variadas ocasiões, lança farpas e críticas acerbas ao Presidente, geralmente procurando associá-lo intimamente à coligação da maioria e aos seus líderes.

A última tirada foi a da nova troika, que seria agora composta pelo triângulo Cavaco-Passos-Portas. Mas, ao lado desta e antes dela, podíamos recensear um sem-número de afirmações que têm o chefe de Estado como alvo preferencial e que procuram sempre associá-lo ao Governo e à política do Governo. Não deixa de ser estranho e surpreendente que António Costa embarque numa ofensiva tão pronunciada, tão evidente e tão repetida que, aqui e ali, parece traduzir uma espécie de fixação. Especialmente se se pensar que Costa gostaria de passar uma imagem moderada, capaz de cativar o centro político e que necessita de cultivar um perfil institucional, pouco compatível com o apoucamento do chefe de Estado. Se achava útil e conveniente atingir o Presidente, não seria difícil preservar-se a si próprio do desgaste do confronto directo e entregar essa missão a uma segunda linha de fogo, na qual poderiam pontificar ainda assim nomes fortes da actual direcção do PS como Carlos César, Ferro Rodrigues ou João Galamba. O que moverá então a perseguição — para não dizer, a fixação — presidencial de António Costa?

2. O mistério não parece muito difícil de esclarecer. O líder do PS deve ter sabido (ou, quando muito, percebido), há já bastante tempo, que o PS não tem um candidato presidencial provindo das suas fileiras. Vai ter de pedir um emprestado, que virá com todos os tiques e pergaminhos de independente, reivindicando-se seguramente de um “neo-eanismo” ou de um “neo-pintasilguismo”, mais do que propriamente de uma mundividência genuinamente PS como era a de Soares e era a de Sampaio. Porque vai ter de jogar com um joker emprestado, a batalha das presidenciais será bem mais exigente para Costa e para o PS do que inicialmente se supunha (e do que realmente seria, se Guterres fosse candidato ou até se nomes como os de Jaime Gama ou António Vitorino estivessem na corrida). Estando ciente das dificuldades dessa batalha, definiu a estratégia de tentar passar a ideia no eleitorado de que, para mudar a situação política, não bastava mudar de partido no governo. Para mudar a situação política, será também necessário mudar o campo político na presidência da República. No fundo, Costa está a perspectivar o ciclo eleitoral “legislativas-presidenciais” como um ticket. Quem vota num partido para as eleições gerais, deve votar no seu candidato para as presidenciais. Esta é quiçá a forma que encontrou de poder “incorporar” o candidato independente na cultura e na tradição do PS.

A única maneira — ou, no mínimo, a melhor — de passar esta mensagem é fazer crer, desde já, à opinião pública e ao eleitorado que o presidente e a maioria parlamentar constituem uma unidade, correspondem a um continuum político. Ao insistir recorrentemente no ponto de que o Presidente e o Governo são as duas faces de uma mesma moeda, Costa vai inculcando a ideia de que a dita mudança política passa por um duplo voto, por um voto no Inverno que esteja alinhado com o voto do Outono. A verdadeira intenção de pôr Cavaco no olho do furacão crítico do PS — de fazer dele um inspirador, um conivente ou um cúmplice — é justamente a de dar coerência e sentido à narrativa do duplo voto.   

3. De algum modo, esta estratégia não é nova na política portuguesa. Com efeito, e embora agora numa versão suave, ainda não totalmente assumida, ela faz lembrar a campanha de Sá Carneiro e da AD contra Eanes no ano de 1980. Costa nunca chega — pelo menos, não chegou ainda — a dizer que Cavaco é o chefe da maioria, ao contrário do que fez Sá Carneiro, que tratou sempre Eanes como o verdadeiro chefe da oposição. Foi de tal modo assim que se recusou a debater na televisão com Mário Soares, pois só debatia com o líder da oposição (e o debate que então ocorreu foi realmente feito entre Soares e Freitas do Amaral, que era o número dois da então AD). Costa não vai tão longe, mas trata Cavaco Silva como uma peça do xadrez da coligação, como um directo responsável, por acção e omissão, pelas políticas do Governo. Não há dúvidas de que esta assimilação de Cavaco à maioria parlamentar tem uma mensagem subliminar: não basta ganhar as legislativas, é preciso também ganhar as presidenciais. O jogo eleitoral faz-se nos dois tabuleiros e não apenas num só. Costa, mesmo que não o enuncie, ao pôr em destaque o mote — de resto, largamente romanceado e fantasiado — de que vivemos finalmente debaixo da divisa de 1980: “uma maioria, um governo, um presidente”, não pretende outra coisa senão tomá-la para si próprio. E qual o melhor modo de o fazer? Criar a ideia de que o câmbio político tem de assentar nos dois pólos do regime, não se basta apenas com um deles. Olhando para aquela conjuntura de 1980 e para o resultado da estratégia então seguida, é bem caso para instar António Costa a meditar de novo — como já aqui instei a propósito do nome de Sampaio da Nóvoa.

4. Para lá disto, a obsessão anti-Cavaco tem ainda vantagens colaterais não despiciendas. Por um lado, tolhe os movimentos ao Presidente na conjuntura política da formação do Governo depois das eleições legislativas. O PS já tratou de o desdizer e de o descredibilizar muito antes das eleições; já o identificou como parcial e suspeito; não admira que não se deixe influenciar ou encantar pela sua magistratura nesse momento pós-eleitoral. Por outro lado, é bem conhecida a acrimónia da ala socratista relativamente a Cavaco Silva. Essa ala não pode estar muito contente, porque Costa tem de se distanciar programática e politicamente de Sócrates. Fazer tiro ao alvo ao Presidente é sempre um modo de ter essa ala das tropas mais confortada…

SIM e NÃO

SIM. Gonçalo Lobo Xavier. O representante da CIP no Comité Económico e Social Europeu foi eleito vice-presidente do Comité. Um posto inédito para Portugal que premeia o seu mais que reconhecido trabalho.


NÃO. Presidente da CM Lisboa. A posição da Comissão Europeia que considera ilegal a taxa de aterragem em Lisboa desmente por completo os edis de Lisboa e mostra a irrazoabilidade e iniquidade da sua política tributária.

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