A fixação de António Costa no
Presidente
PAULO RANGEL
28/04/2015 - PÚBLICO
Costa vai inculcando a ideia de
que a dita mudança política passa por um duplo voto, por um voto no Inverno que
esteja alinhado com o voto do Outono.
1. Um dos
aspectos mais marcantes, mas menos sublinhados, da estratégia discursiva de
António Costa é o ataque constante e contundente ao Presidente da República. Nas
mais variadas ocasiões, lança farpas e críticas acerbas ao Presidente,
geralmente procurando associá-lo intimamente à coligação da maioria e aos seus
líderes.
A última tirada
foi a da nova troika, que seria agora composta pelo triângulo
Cavaco-Passos-Portas. Mas, ao lado desta e antes dela, podíamos recensear um
sem-número de afirmações que têm o chefe de Estado como alvo preferencial e que
procuram sempre associá-lo ao Governo e à política do Governo. Não deixa de ser
estranho e surpreendente que António Costa embarque numa ofensiva tão
pronunciada, tão evidente e tão repetida que, aqui e ali, parece traduzir uma
espécie de fixação. Especialmente se se pensar que Costa gostaria de passar uma
imagem moderada, capaz de cativar o centro político e que necessita de cultivar
um perfil institucional, pouco compatível com o apoucamento do chefe de Estado.
Se achava útil e conveniente atingir o Presidente, não seria difícil
preservar-se a si próprio do desgaste do confronto directo e entregar essa
missão a uma segunda linha de fogo, na qual poderiam pontificar ainda assim
nomes fortes da actual direcção do PS como Carlos César, Ferro Rodrigues ou
João Galamba. O que moverá então a perseguição — para não dizer, a fixação —
presidencial de António Costa?
2. O mistério não
parece muito difícil de esclarecer. O líder do PS deve ter sabido (ou, quando muito,
percebido), há já bastante tempo, que o PS não tem um candidato presidencial
provindo das suas fileiras. Vai ter de pedir um emprestado, que virá com todos
os tiques e pergaminhos de independente, reivindicando-se seguramente de um
“neo-eanismo” ou de um “neo-pintasilguismo”, mais do que propriamente de uma
mundividência genuinamente PS como era a de Soares e era a de Sampaio. Porque
vai ter de jogar com um joker emprestado, a batalha das presidenciais será bem
mais exigente para Costa e para o PS do que inicialmente se supunha (e do que
realmente seria, se Guterres fosse candidato ou até se nomes como os de Jaime
Gama ou António Vitorino estivessem na corrida). Estando ciente das
dificuldades dessa batalha, definiu a estratégia de tentar passar a ideia no
eleitorado de que, para mudar a situação política, não bastava mudar de partido
no governo. Para mudar a situação política, será também necessário mudar o
campo político na presidência da República. No fundo, Costa está a perspectivar
o ciclo eleitoral “legislativas-presidenciais” como um ticket. Quem vota num
partido para as eleições gerais, deve votar no seu candidato para as
presidenciais. Esta é quiçá a forma que encontrou de poder “incorporar” o
candidato independente na cultura e na tradição do PS.
A única maneira —
ou, no mínimo, a melhor — de passar esta mensagem é fazer crer, desde já, à
opinião pública e ao eleitorado que o presidente e a maioria parlamentar
constituem uma unidade, correspondem a um continuum político. Ao insistir
recorrentemente no ponto de que o Presidente e o Governo são as duas faces de
uma mesma moeda, Costa vai inculcando a ideia de que a dita mudança política
passa por um duplo voto, por um voto no Inverno que esteja alinhado com o voto
do Outono. A verdadeira intenção de pôr Cavaco no olho do furacão crítico do PS
— de fazer dele um inspirador, um conivente ou um cúmplice — é justamente a de
dar coerência e sentido à narrativa do duplo voto.
3. De algum modo,
esta estratégia não é nova na política portuguesa. Com efeito, e embora agora
numa versão suave, ainda não totalmente assumida, ela faz lembrar a campanha de
Sá Carneiro e da AD contra Eanes no ano de 1980. Costa nunca chega — pelo
menos, não chegou ainda — a dizer que Cavaco é o chefe da maioria, ao contrário
do que fez Sá Carneiro, que tratou sempre Eanes como o verdadeiro chefe da
oposição. Foi de tal modo assim que se recusou a debater na televisão com Mário
Soares, pois só debatia com o líder da oposição (e o debate que então ocorreu
foi realmente feito entre Soares e Freitas do Amaral, que era o número dois da
então AD). Costa não vai tão longe, mas trata Cavaco Silva como uma peça do
xadrez da coligação, como um directo responsável, por acção e omissão, pelas
políticas do Governo. Não há dúvidas de que esta assimilação de Cavaco à
maioria parlamentar tem uma mensagem subliminar: não basta ganhar as
legislativas, é preciso também ganhar as presidenciais. O jogo eleitoral faz-se
nos dois tabuleiros e não apenas num só. Costa, mesmo que não o enuncie, ao pôr
em destaque o mote — de resto, largamente romanceado e fantasiado — de que
vivemos finalmente debaixo da divisa de 1980: “uma maioria, um governo, um
presidente”, não pretende outra coisa senão tomá-la para si próprio. E qual o
melhor modo de o fazer? Criar a ideia de que o câmbio político tem de assentar
nos dois pólos do regime, não se basta apenas com um deles. Olhando para aquela
conjuntura de 1980 e para o resultado da estratégia então seguida, é bem caso
para instar António Costa a meditar de novo — como já aqui instei a propósito
do nome de Sampaio da Nóvoa.
4. Para lá disto,
a obsessão anti-Cavaco tem ainda vantagens colaterais não despiciendas. Por um
lado, tolhe os movimentos ao Presidente na conjuntura política da formação do
Governo depois das eleições legislativas. O PS já tratou de o desdizer e de o
descredibilizar muito antes das eleições; já o identificou como parcial e
suspeito; não admira que não se deixe influenciar ou encantar pela sua
magistratura nesse momento pós-eleitoral. Por outro lado, é bem conhecida a
acrimónia da ala socratista relativamente a Cavaco Silva. Essa ala não pode
estar muito contente, porque Costa tem de se distanciar programática e
politicamente de Sócrates. Fazer tiro ao alvo ao Presidente é sempre um modo de
ter essa ala das tropas mais confortada…
SIM e NÃO
SIM. Gonçalo Lobo
Xavier. O representante da CIP no Comité Económico e Social Europeu foi eleito
vice-presidente do Comité. Um posto inédito para Portugal que premeia o seu
mais que reconhecido trabalho.
NÃO. Presidente
da CM Lisboa. A posição da Comissão Europeia que considera ilegal a taxa de
aterragem em Lisboa desmente por completo os edis de Lisboa e mostra a
irrazoabilidade e iniquidade da sua política tributária.
Sem comentários:
Enviar um comentário