Comunicação social ameaça não
fazer qualquer cobertura das legislativas
MARIA LOPES e
LEONETE BOTELHO 23/04/2015 – PÚBLICO
Em causa está o projecto de lei
do PSD, PS e CDS que quer obrigar os media a apresentar planos prévios de
cobertura de campanhas eleitorais a uma comissão mista, antes mesmo de terminar
o prazo para entrega das candidaturas. Há sanções pesadas para quem não cumprir.
A posição radical reúne já o
consenso da maioria das grandes empresas de comunicação privadas: os jornais,
rádios, televisões e sites de informação da Cofina, Global Media, Impresa,
Media Capital e PÚBLICO não farão qualquer cobertura eleitoral das legislativas
do final do Verão.
O PÚBLICO apurou
que, seja com a lei em vigor ou com as novas regras de cobertura jornalística
das eleições e referendos que está a ser negociada na Assembleia da República
pelo PSD, PS e CDS, boa parte dos associados da Plataforma de Media Privados
(PMP) já decidiu não fazer a cobertura durante a pré-campanha e a campanha
eleitoral. Falta apenas a Rádio Renascença dar a conhecer sua decisão à
direcção da Plataforma.
Tendo em conta
que o acordo entre os três partidos é mais do que suficiente para fazer aprovar
a lei, é de esperar que nos ecrãs da SIC, TVI e CMTV, em rádios como a TSF, em
jornais como o PÚBLICO, Diário de Notícias, Jornal de Notícias, Correio da Manhã,
Expresso, ou revistas como a Visão e a Sábado, possam não existir notícias
sobre a campanha eleitoral durante todo o Verão deste ano.
Esta decisão e as
justificações do sector serão comunicadas ao Presidente da República na próxima
terça-feira, numa audiência da Plataforma com Cavaco Silva, em Belém. Luís
Nazaré, director executivo da Plataforma, recusou fazer qualquer declaração
sobre o assunto ou sequer comentar o projecto de lei, adiantando apenas que
aquela associação “veiculará a sua posição durante a próxima semana”.
Em causa está a
proposta do PSD, PS e CDS de alterar, de alto a baixo, a lei da cobertura
jornalística das eleições e referendos, que se preparam para aprovar nas
próximas semanas, de forma a ser aplicável já nas legislativas.
Planos de
cobertura informativa com visto prévio
A principal
novidade é a obrigação, que passa a existir sobre todos os órgãos de
comunicação social, de apresentar “planos de cobertura dos procedimentos
eleitorais” a uma comissão mista que junta Comissão Nacional de Eleições (CNE)
e Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC), que tem de os validar, numa
espécie de visto prévio.
Estes planos, que
têm de ser apresentados antes de terminar o prazo para apresentação de
candidaturas, devem incluir o “modelo de cobertura das acções de campanha das
diversas candidaturas”, assim como a previsão de entrevistas, debates,
reportagens alargadas, emissões especiais ou “outros formatos informativos” de
forma a assegurar a igualdade das candidaturas.
De acordo com a
lei, estes planos têm que ser entregues “antes do início do período de
pré-campanha”. Ora, pelas novas regras propostas, o período de pré-campanha
começa do dia a seguir a terminar o prazo da entrega das candidaturas. O que
significa que os media terão que fazer os planos de cobertura sem saberem
sequer quantos e quais os candidatos.
Tendo em conta os
diferentes prazos para a apresentação de candidaturas às legislativas,
presidenciais, autárquicas e europeias, os media teriam que planificar ao
detalhe a sua programação com uma antecedência de pelo menos 30 a 55 dias. Hoje em dia, as
TV são obrigadas a entregar à ERC a programação com apenas 48 horas de
antecedência.
Quem não cumprir
esta obrigação ou o plano apresentado incorre em coimas entre 5 mil e 50 mil euros,
além de mil euros por dia no atraso do cumprimento, depois de notificado pela
comissão mista para o fazer.
É no âmbito desta
lei que se prevê também que pode haver debates apenas entre os candidatos dos
partidos com assento parlamentar (ou já com assento no órgão de soberania a que
se destinam as eleições) durante a pré-campanha, como o PÚBLICO noticiou na
semana passada.
O bloquista José
Soeiro afirmou desconhecer a última versão em discussão mas o partido, que se
retirou da mesa das negociações logo no início, irá esperar que a proposta
final seja entregue formalmente na Assembleia da República. “Daremos as nossas
propostas no momento da discussão parlamentar, em plenário e em comissão”,
prometeu José Soeiro.
O Bloco é pelo
princípio da “não exclusão dos pequenos partidos” e defende que se os partidos
com representação parlamentar estão a fazer uma lei que abrange os que não
estão no Parlamento, então também deveriam ouvir estes últimos. “Para se saber
que sugestões têm os partidos sem representação parlamentar e sobre como
consideram que se garante o princípio do tratamento de igualdade de
oportunidades”, acrescenta.
Planos prévios
seguem modelos francês e belga
Carlos Abreu
Amorim (PSD) e Inês de Medeiros (PS) admitiram ao PÚBLICO que o texto ainda
pode sofrer algumas alterações, embora os princípios gerais estejam já fixados.
Um deles é a apresentação dos planos de cobertura dos media, que segue os
modelo francês e belga.
“É uma questão de
transparência e aponta para um sistema de autovinculação”, justifica Inês de
Medeiros. “O que se pede é a identificação do que os órgãos de comunicação
pretendem fazer, os planos são os mínimos que têm de ser cumpridos”, explica.
Telmo Correia
corrobora: “São planos de anunciação de mínimos, não pormenorizados nem
detalhados. Não é absolutamente impeditivo dos critérios jornalísticos”,
considera.
“Ou deixávamos
tudo como estava, ou tentamos encontrar formas de equilíbrio no tratamento das
candidaturas”, disse ao PÚBLICO Inês de Medeiros. E acrescenta: “Quem diz que
esta proposta é restritiva, não conhece o decreto de 1975” , hoje em vigor.
A deputada
socialista é sensível a algumas questões colocadas pelo PÚBLICO, como a
obrigação desses planos terem de ser apresentados mesmo antes de terminado o
prazo de apresentação das candidaturas (ou a coincidir com este, uma vez que no
dia seguinte começa a pré-campanha, de acordo com a proposta). “A data definitiva da entrega dos planos está
por fechar, mas a ideia é que todos os órgãos tenham de os apresentar ao mesmo
tempo”, disse.
Tratamento
idêntico, não igual
Sobre a validação
desses planos pela nova comissão mista, a deputada socialista frisa que não é
uma aprovação tout court, mas uma verificação de que não há exclusão de
candidaturas. “Temos de garantir que há mínimos que são cumpridos”.
Telmo Correia vai
mais longe: “A igualdade de oportunidades não significa tratamento idêntico”. E
aponta o artigo relativo aos debates eleitorais como orientador desse
princípio.
No artigo 8º
admite-se que, durante a pré-campanha eleitoral, possa haver debates apenas
entre os partidos “já representados no órgão cuja eleição vai ter lugar”. Para
Telmo Correia, esse é um princípio da lei que pode ser extensível a outros
formatos além dos debates, mas Inês de Medeiros considera que não.
Quanto à comissão
mista, Telmo Correia explicou ao PÚBLICO que o que se pretendeu foi encontrar
uma “solução salomónica” para fixar a quem cabe a fiscalização da cobertura das
campanhas eleitorais. “Uns diziam que devia ser a CNE, outros a ERC, optámos
por integrar as duas com competências que já eram suas, e demos a presidência à
CNE”, explica.
ERC e CNE não
foram consultadas e desconhecem proposta
Para o processo
legislativo, os partidos não consultaram a CNE, a ERC ou as duas confederações
do sector dos media.
João Almeida,
porta-voz da CNE diz não ter qualquer conhecimento da proposta, nem aquele
órgão foi consultado. “Não fazemos ideia do que se passa.” Sendo também certo
que “não há nada na lei que obrigue a CNE a dar parecer neste caso”, avisa João
Almeida, que recorda que noutras ocasiões o Parlamento não consultou aquele
órgão sobre alterações de competências.
Depois do
processo de conciliação entre a ERC e a CNE ter acabado gorado em 2013, o
presidente da ERC não quer agora fazer comentários sobre o tema da cobertura
jornalística das campanhas eleitorais. Carlos Magno admite ter recebido
“contactos informais de deputados de vários grupos parlamentares sobre o que se
estava a passar”. Mas recusa qualquer intervenção ou conhecimento. “A
trapalhada é de tal ordem que não me quero envolver mais. Tudo isto vem fora de
tempo. Fico à espera do Parlamento e depois a ERC cumprirá o que conseguir.”
José Faustino,
que preside actualmente à Confederação Portuguesa dos Meios de Comunicação
Social (CPMCS), que agrega a RTP, a Associação Portuguesa de Imprensa e a
Associação Portuguesa de Radiodifusão, considera que as linhas gerais agora
propostas “não têm pés nem cabeça”. Defendendo o princípio de que “deve existir
sempre liberdade editorial”, a CPMCS “só admite algum condicionalismo da
liberdade editorial durante os 12 dias de campanha eleitoral”.
Perante as novas
regras, José Faustino considera que se pretende “burocratizar a actividade
jornalística e informativa” e falando a título pessoal recusa qualquer espécie
de regras que impliquem um visto prévio da cobertura noticiosa.
A lei actual, que
data de 1975, é contestada pelos meios de comunicação social há anos e o
entendimento restrito que a Comissão Nacional de Eleições (CNE) tem feito da
norma levou a que, em 2013, todas as televisões de sinal aberto se tenham
recusado a fazer debates e a cobertura tradicional da campanha para as
autárquicas, repetindo o gesto nas europeias de 2014. Em 2013, a ERC e a CNE ainda
tentaram um entendimento para uma posição comum mas não conseguiram. Há um mês,
a Plataforma de Media Privados anunciou que pedira ao Provedor de Justiça que
solicitasse ao Tribunal Constitucional a análise da constitucionalidade da lei
de 1975 por limitar os direitos editoriais da comunicação social.
"A proposta
é feita para resolver o problema das últimas eleições", disse ao PÚBLICO
Telmo Correia (CDS).
PCP votará contra alterações à
cobertura jornalística das eleições
LUSA 23/04/2015 -
PÚBLICO
O LIVRE/Tempo de Avançar também já considerou tratar-se de um
"inaceitável ataque à liberdade de imprensa".
O deputado do PCP
António Filipe disse nesta quinta-feira à Lusa que os comunistas estão
"fora da negociação" e votarão contra o acordo entre PSD, PS e CDS-PP
para alterar a legislação sobre a cobertura jornalística das eleições.
"Daquilo que
nos foi dado a conhecer, é um texto que votaremos contra porque contém aspectos
dos quais discordamos, desde logo a comissão mista. Não seremos parte nessa
negociação", afirmou à Lusa.
Em causa está o
diploma acordado entre sociais-democratas, socialistas e democratas-cristãos, a
ser apresentado em breve para votação a tempo das legislativas. Segundo vários
órgãos de comunicação social, este projecto incluirá a aprovação prévia de um
plano de cobertura das campanhas eleitorais por parte dos órgãos de comunicação
social junto de uma comissão mista, formada por membros da Comissão Nacional de
Eleições (CNE) e da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC).
O LIVRE/Tempo de
Avançar, sem assento parlamentar e, por isso, excluído de debates televisivos
no período de pré-campanha, segundo intenção do projecto de PSD, PS e CDS,
também já considerou tratar-se de um "inaceitável ataque à liberdade de
imprensa".
"Não cabe ao
poder político tutelar meios de comunicação social independentes e livres. A
lei também não deve determinar se os jornalistas podem ou não podem fazer
juízos de valor durante a cobertura noticiosa. Quer porque a imprecisão do que
seja um juízo de valor abre portas à censura, quer porque não cabe ao Estado
proibir ou permitir determinadas formas de fazer jornalismo, desde que estas
cumpram as normas já existentes na Constituição da República, no Código Penal,
na Lei de Imprensa e no Código Deontológico dos jornalistas", lê-se em
comunicado da nova força política.
Entretanto, o
PÚBLICO noticiou a intenção de boicote da cobertura noticiosa dos actos
eleitorais por parte da maioria das empresas privadas de comunicação social,
caso o diploma, com coimas de até 50 mil euros em caso de incumprimento face à
comissão mista, seja aprovado na Assembleia da República.
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