Isto não é o partido da Joana. Ou
é?
03 Abril
Miguel Santos OBSERVADOR
O Agir tem um acordo de coligação
com o PTP. E na lista de candidatos deste partido já houve de tudo: um
"Bill Clinton", um "homem da luta" e até um "ninja
cantor".
O Partido Trabalhista
Português (PTP) tornou-se notícia recentemente depois de anunciar a coligação
com o Agir de Joana Amaral Dias. Logo choveram críticas e acusações de que o
PTP estaria a servir de “barriga de aluguer” do movimento fundado pela
ex-deputada do Bloco de Esquerda, mas, na verdade, o partido que conta já com
seis anos de existência tem um histórico de apoio a candidatos independentes.
Alguns mais controversos do que outros: quem não se lembra, por exemplo, do
incontornável “ninja” Manuel Almeida, candidato a sucessor de Luís Filipe
Menezes na Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia?
Esse foi, precisamente, o
ponto de partida para a conversa com Amândio Madaleno. Ora, para o fundador do
PTP a questão da “barriga de aluguer” nem se coloca. “Quando o Passos e Paulo
Portas se juntam quem é a barriga de aluguer de quem? Ou quando o Rui Tavares
se coligar com o Partido Socialista alguém vai falar nisso? O Livre jurou
subserviência ao dr. António Costa, nós não“, começou por dizer Amândio
Madaleno.
O líder do PTP acredita
que termos como “barriga de aluguer” ou “casamento” “não fazem sentido” e que
foram adotados para destabilizar a coligação, naquilo que descreveu como um
ataque de “baixo nível”. Madaleno prefere falar em “conjugação de esforços” e
“total comunhão” entre duas “partes iguais” que decidiram “juntar as coisas
boas de uma e de outra”. “A junção de duas forças de intervenção resulta numa
terceira muito mais forte”, defendeu Madaleno.
Caso para dizer que são
altas as expectativas da coligação PTP/AG!R na corrida a São Bento, certo? O
líder dos trabalhistas portugueses preferiu jogar à defesa e prometeu apenas
muito trabalho. “Na política não podemos ter muitas expectativas, porque tudo
pode mudar a qualquer momento. O que temos de fazer é arregaçar as mangas e ir
para o terreno e ouvir as pessoas”.
Da defesa, Amândio
Madaleno passou imediatamente para o ataque: “Os partidos instalados no poder
dominam isto tudo. Quem quer ser diferente tem de passar o cabo dos trabalhos.
Na vida não temos de ser todos monocórdicos. Não basta pôr uma gravatinha e
depois não dizer nada de jeito“.
Para contrariar aquilo que
acredita ser uma cultura política de “servidismo”, onde pululam “mentecaptos
sem autonomia”, que “só estão na Assembleia para se levantarem e dizerem
‘sim'”, o PTP decidiu fazer do “humor político” e da “caricatura” as suas
principais armas de intervenção no espaço público. E sempre através de
candidatos que se apresentam “como verdadeiros porta-vozes das pessoas que
votam neles”.
“O nosso objetivo é
trazer pessoas que habitualmente estão em casa – e que até utilizam alguma
jocosidade para comentar as notícias – para a política. É possível dizer a
verdade em vários tons e a caricatura é uma maneira de intervir”. Esse foi o
critério que levou à escolha do “ninja” Manuel Almeida para candidato a
presidente da Câmara de Gaia. O gaiense saltou para a ribalta com o vídeo de
apresentação da candidatura, onde se queixava que nem os membros da lista
tinham aparecido. As redes sociais fizeram o resto e transformaram o homem que
disse “não especulo com mentes malignas” numa verdadeira celebridade.
A alcunha, essa, recebeu-a
por dar aulas de artes marciais, mas não era a única pela qual respondia o
homem que prometeu formar ninjas “para ajudar a polícia municipal a tomar
conta”, caso ganhasse as eleições autárquicas de 2013. Manuel Almeida era
também conhecido por Noray, nome artístico que usava em espetáculos musicais
onde interpretava temas da banda dos anos 80, os alemães Modern Talking.
Ao sucesso nas redes
sociais, porém, não se seguiu o sucesso nas urnas: o “ninja cantor” conseguiu
apenas 1.079 votos (0,86 %). Ainda assim, Amândio Madaleno não se arrepende da
escolha e, mesmo admitindo que Manuel Almeida “tinha as suas características”,
o líder do PTP elogiou a forma como o gaiense “marcou a diferença” e
“galvanizou” os eleitores, sempre com um discurso com “grande clareza” e
“objetividade”.
Se de alguma forma Manuel
Almeida foi ridicularizado, a culpa, disse o presidente do partido trabalhista,
foi dos “jornalistas”. “Quando o candidato disse que faltavam ninjas, não
deveria ter sido interpretado no sentido literal. Ele queria dizer que eram
precisos ninjas para defender o Estado de direito que estava ser atacado”,
justificou.
Também a norte, houve
outro candidato apoiado pelo PTP a tornar-se imagem de marca dessas
autárquicas: o “empresário falido” de 62 anos, Orlando Cruz. Começou por ser
candidato à Câmara do Porto, mas desistiu alegando “razões de natureza
particular” para se candidatar à vizinha autarquia de Matosinhos – isto mesmo
depois de ter dito que iria “ganhar facilmente as eleições se a comunicação
social resolver que eu expresso filosoficamente os problemas desta cidade”.
Mais experimentado do que
o seu homólogo de Gaia – contava já com duas candidaturas a Belém, algumas a
deputado, uma à Câmara de Gondomar e outra à presidência de uma junta de
freguesia – Orlando Cruz pode não ser
tão lembrado como Manuel Almeida, mas a forma como formalizou a candidatura à
liderança de Matosinhos foi, no mínimo, original: é que Orlando Cruz chegou
montado num burro chamado “troika”.
“Tive que vir de burro
porque é o único que não paga portagens”, explicou na altura, para depois
acrescentar que o animal teve de ser rebatizado por conselho do advogado. O
motivo? Originalmente o burro chamava-se “Passos Coelho”. Orlando Cruz, que
antes de ser “empresário falido” fora “taxista, camionista, ator de novelas,
dono de restaurantes e de supermercados”, prometia, então, “transformar a cidade
na mais ecológica e bonita”, para que houvesse mais “alegria, divertimento e
diversão para os turistas”. Ou, por outras palavras, “transformar Matosinhos
[numa cidade] tipo Paris ou Lyon, onde se veem flores e jardins em todo o
lado”.
O “Che Guevara”, como se
descreveu, que queria fazer da luta “contra todos os políticos, da esquerda à
direita” a sua bandeira, estava confiante que iria ganhar as autárquicas, mas o
resultado acabou por ser dececionante: teve apenas 505 votos (0,7%). Mas não
desistiu da vida política, bem pelo contrário: tornou-se secretário-geral do
Partido da Esperança Popular (PEP), um partido ainda não formalizado, mas que
se compromete “a dar voz aos reformados, lutar pela igualdade de direitos, e
acabar com os roubos nas reformas”. O animal que o acompanhou em Matosinhos,
esse, não o abandonou.
A lista de candidatos
apoiados pelo PTP nas eleições autárquicas no norte do país não ficaria completa
sem dois nomes: Floriano Silva, candidato à Câmara de Paços Ferreira, e José
Manuel Costa Pereira, que prometia transformar o Porto “numa cidade
independente” e na “capital do país”.
O pacense era, ainda
assim, menos ambicioso na altura de eleger prioridades. “Apresentamos uma lista
sem figuras, sem figurinhas, nem figurões e, apenas composta por gente de
trabalho que nunca participou em política, mas com provas dadas na participação
cívica. É uma candidatura contra o desânimo, contra a descrença e contra a
abstenção, porque a participação de todos é essencial para defender a
democracia e a liberdade”, pode ler-se, ainda, na página oficial da
candidatura.
Ainda assim, Floriano
Silva surpreendeu na hora de escolher os colaboradores. Enquanto candidato
independente apoiado pelo PTP, rodeou-se de pessoas de confiança como Abílio
Barbosa, o popular campeão do Norte do Jogo da Malha, mais conhecido por Bill
Clinton. Um autêntico ‘papa-torneios'”, o que lhe deu “uma projeção muito para
além das fronteiras” do concelho de Paços de Ferreira e “que desenvolveu
trabalho meritório na Comissão de Festas de Carvalhosa”. Apesar da popularidade
de Abílio Barbosa, o PTP e Floriano Silva acabaram por conseguir apenas 173
votos, cerca de 0,56%.
paços
Descrição de Abílio
Barbosa, colaborador de Floriano Silva na candidatura à Câmara de Paços de
Ferreira
Já o candidato à
liderança do Porto, José Manuel Costa Pereira, foi mais mais longe: “Quero que
um dia o Porto seja a capital de Portugal. Capital da cultura, da arte, do
bem-estar, até chegarmos à capital na verdadeira aceção da palavra. Acho que
não devemos depender das ordens que vêm não se sabe bem de quem”, defendeu na
altura.
À semelhança do que
prometeram vários candidatos do PTP, José Costa Pereira queria afastar-se das
outras máquinas partidárias mais tradicionais e fazia disso a sua principal
mensagem. “Os outros candidatos estão presos aos partidos, a única coisa que me
prende são as pessoas. Estamos fartos de centralismos. Estou farto de ver
pessoas a padecerem na nossa cidade. Não há uma política para as pessoas, só
para o elitismo. Estou aqui para quebrar as linhas que foram impostas durante
décadas a esta cidade”. Os portuenses, no entanto, não terão ficado muito
convencidos com os argumentos do candidato – o PTP conseguiu apenas 279 votos,
cerca de 0,24%.
Se a norte os números não
foram muito famosos, em Cascais, distrito de Lisboa, houve um candidato que
chegou, tal como o “ninja de Gaia”, muito perto dos mil votos. E também ele
era, literalmente, um “Homem da luta”. Nuno Duarte, mais conhecido como Jel,
decidiu avançar para a liderança de Cascais sob o lema “Vamos meter Cascais em
Linha” e com o objetivo de “ouvir as pessoas” e trazer mais transparência à
política, como admitiu então em entrevista ao jornal i.
“A diferença entre mim e
os outros candidatos é que as pessoas sabem o que fiz antes disto, a minha
atividade é pública. Quando falavas do dinheiro, eu vou meter dinheiro que
andei a ganhar, pouco, mas vou meter para dar a conhecer a minha campanha. Mas
foi ganho com trabalho honesto. Agora o futuro não sei, vamos jogo a jogo, como
diz o Jorge Jesus”, explicou na altura.
Ao contrário da
personagem que celebrizou, Nuno Duarte preferiu jogar à defesa e não prometer
coisas que não podia cumprir. “Queremos chamar a atenção das pessoas para as
coisas que podem fazer sem a ajuda de ninguém, sem estar à espera do paizinho.
Portanto as propostas que vou ter se calhar só no dia a seguir às eleições é
que as vou apresentar. Não vamos dar autocolantes, beijinhos no bebé e na
velhota e pirar-nos a seguir“, garantiu. O eleitorado cascalense preferiu
eleger Carlos Carreiras, o candidato social-democrata, mas o PTP conseguiu ser
a sexta força mais votada com 901 dos votos, cerca de 1,37%.
Apesar dos tímidos
resultados alcançados nas urnas pelos candidatos apoiados pelo PTP, há um nome
que figura de forma incontornável na galeria de honra do partido: o madeirense
José Manuel Coelho. Apesar de ter começado a vida política como militante do
partido comunista, em 2008 acabou por substituir o deputado eleito pelo Partido
da Nova Democracia (PND), Baltazar Aguiar, na Assembleia regional madeirense.
Começou aí uma carreira repleta de polémicas, mas também de sucessos.
O homem que acusou
Alberto João Jardim de ser um “tiranete” saltou para a ribalta depois de ter
participado nos trabalhos da Assembleia regional com um relógio de cozinha ao
pescoço para protestar contra os dois minutos de intervenção a que a oposição
tinha direito, naquilo que acusava ser a “a lei da rolha”.
A partir daí, José Manuel
Coelho somou polémicas atrás de polémicas, sempre com um sentido de humor ora
apurado, dirão alguns, ora inconveniente, defenderão outros. Nesse mesmo ano,
Coelho provocou a suspensão do plenário do Parlamento madeirense depois de ter
exibido uma bandeira nazi e chamado fascistas aos deputados do PSD/Madeira.
As críticas ao “regime
ditatorial” na região e, claro, a Alberto João Jardim, eram uma constante e
chegaram-lhe a valer a suspensão – foi, precisamente, na sequência do episódio
da bandeira nazi, que foi impedido de entrar na Assembleia regional pela equipa
de segurança.
Mas Alberto João Jardim
não foi o único alvo de Coelho: quando decidiu concorrer às eleições
presidenciais de 2011, então ainda como candidato apoiado pelo PND, Coelho fez
questão de visitar a casa de Aníbal Cavaco Silva, na aldeia da Coelha. O
motivo? Fazer o paralelismo entre Cavaco Silva, Oliveira e Costa, antigo
presidente do BPN e o Dias Loureiro, ex-ministro de Cavaco Silva.
“[A casa de Cavaco] tem o
seu quê de curioso”, porque “existem mais duas casas semelhantes a esta que são
de dois amigos do senhor dr. Cavaco Silva: a do senhor Oliveira e Costa e a do
senhor Dias Loureiro”, começou por dizer José Manuel Coelho. Mas Coelho não se
ficou por aqui: “O professor Cavaco Silva é muito amigo destes senhores, que
são os maiores burlões que apareceram em Portugal a seguir ao Alves dos Reis”.
A mensagem aos
portugueses era clara: “Este é um motivo para os portugueses refletirem: Ou
continuam a ser masoquistas e a votar nestes políticos falsos, que enganam o
povo português, que protegem os ladrões que roubam o erário público, ou mudam
de política e escolhem outro candidato e votam no José Manuel Coelho“.
E não se pode dizer que
os portugueses tenham ignorado por completo o apelo do madeirense. Nesse
corrida a Belém, José Manuel Coelho conseguiu mais de 189 mil votos. Ainda
assim, as eleições legislativas regionais da Madeira, em 2011, já como
candidato do PTP, vieram a confirmar que o agora vice-presidente do partido é,
de facto, um caso sério de popularidade no arquipélago madeirense: conseguiu
10.112 votos (6,86 %) e elegeu 3 deputados, transformando os trabalhistas na
quarta força política mais importante do arquipélago.
Antes de Jardim ter
abandonado o Governo Regional da Madeira, ainda houve tempo para nova
controvérsia de Coelho. E outra vez com o Parlamento regional como palco: o
agora vice-presidente do PTP, considerado o “Tiririca da política portuguesa”,
epíteto que, de resto, sempre recusou, mascarou-se de irmão metralha e
apresentou-se assim mesmo vestido na Assembleia madeirense. Isto depois de ter
sido condenado a 18 meses de prisão, com pena suspensa, por ter difamado
Alberto João Jardim.
Este ano, José Manuel
Coelho e o PTP-Madeira apresentaram-se novamente nas eleições regionais, desta
vez coligados com o Partido Socialistas e dois outros partidos, mas os
resultados ficaram muito aquém: a coligação liderada pelo socialista Vítor
Freitas conseguiu apenas 14.593 votos. José Manuel Coelho, esse, manteve a
irreverência: ainda antes de ir a votos já tinha ameaçado romper a coligação
com o PS se os socialistas não se portassem bem.
“A partir do momento em
que nos deixarmos de rever [nas políticas] formamos o nosso grupo
parlamentar…se eles não se comportarem bem passamos logo a ser oposição”,
garantiu Coelho.
Os momentos mais
controversos de José Manuel Coelho na Assembleia madeirense. Autoria: Projecto
tretas.org
Voltando a Amândio
Madaleno, o Observador perguntou, em tom de desafio, se o fundador e presidente
do PTP não tinha receio que o partido não fosse levado a sério pela escolha de
candidatos que fazem da caricatura da vida política a principal fonte de angariação
de votos. Para Madaleno essa questão não tem “fundamento”. “O partido é
bastante levado a sério pelos portugueses. A maioria das pessoas acaba por nos
dar razão e há muitos partidos que até copiam as nossas propostas”.
“Já não existe humor
político em Portugal. O que nós fazemos, fazemos dentro do bom senso, mas é
muito fácil aproveitar as falhas destes senhores“. E para estas eleições, agora
coligado com o Agir de Joana Amaral Dias, o PTP vai voltar a fazer da
caricatura a sua principal força? Amândio Madaleno não hesita: “No que estiver
ao meu alcance, a caricatura política vai aumentar ainda mais”, prometeu.
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