Administrador do Banco de
Portugal detém acções e dívida de bancos
Instituição criou grupo de
trabalho para propor soluções que “neutralizem conflitos de interesse” perante
os investimentos de António Varela, nomeado pelo actual Governo e visto como
potencial sucessor de Carlos Costa
O banco central português já tem
actualmente um código de conduta que faz referência a este tipo de situações,
embora não proíba claramente estas práticas
Raquel Almeida
Correia / 21-4-2015 / PÚBLICO
A declaração de
rendimentos que António Varela, administrador do Banco de Portugal (BdP) desde
Setembro de 2014, entregou ao Tribunal Constitucional revela uma extensa lista
de investimentos, incluindo acções, obrigações e fundos ligados a bancos. Como
supervisor do sector financeiro, o banco central rege-se por regras rígidas a
este nível para garantir a imparcialidade dos seus administradores. Perante
este caso, a instituição liderada por Carlos Costa criou um grupo de trabalho
para estudar soluções que “neutralizem potenciais conflitos de interesse”.
Na declaração,
que foi consultada pelo PÚBLICO, o gestor descreve os rendimentos que obteve em
2013, bem como o património imobiliário e as viaturas de que é proprietário. E,
num anexo com a data de Setembro de 2014, elenca uma vasta carteira de
investimentos, que não encontra paralelo nos rendimentos declarados pelos
restantes membros do conselho de administração do BdP.
Mas o que
sobressai são as aplicações financeiras que António Varela, que tem uma larga
carreira no sector financeiro e foi indicado pela ministra das Finanças para o
cargo que actualmente exerce, possui em diferentes bancos. De acordo com o
documento, que, como manda a lei, chegou ao Palácio Ratton após a nomeação, o
gestor detém 1357 acções do Santander e uma acção do BCP, além de títulos de
outras cotadas portuguesas, como a MotaEngil e a Portugal Telecom. E é ainda
dono “de metade”, como o próprio refere, de outras 506.261 acções do BCP, de
37.824 do suíço UBS, de 1253 do Santander Central Hispano, de 110 do Deutsche
Bank e de 25 acções preferenciais do Banif (com o valor nominal de 1000 euros).
O portefólio de
investimentos do administrador do Banco de Portugal abrange ainda obrigações
(dívida) de diferentes entidades, incluindo uma do Santander US, com um valor
de 100 mil euros, duas do BCP (avaliadas em 50 mil euros cada), uma do BBVA no
mesmo montante e ainda 50 do Banif (a 1000 euros cada). António Varela também é
detentor de obrigações de outras empresas, como a EDP ou a Telefónica, tendo
investido igualmente em dívida grega.
A carteira
declarada ao Tribunal Constitucional estende-se ainda a participações em
diversos fundos de investimento, alguns dos quais relacionados com a evolução
de títulos da banca, de divisas ou de dívidas soberanas. O gestor declarou
ainda duas contas discricionárias: uma junto do BCP, com um saldo de quase 422
mil euros, e outra junto do UBS, com um saldo de 171 mil euros. E ainda duas
apólices da Açoreana, que atingem perto de 110 mil euros, bem como depósitos a
prazo e à ordem.
Recomendação do BdP
Contactada pelo
PÚBLICO, fonte oficial do BdP confirmou que “a carteira de investimentos que o
dr. António Varela tem neste momento é igual à que tinha quando entrou, com a
excepção de uma carteira de obrigações que entretanto venceu” e que a
instituição não especificou. Já sobre uma eventual incompatibilidade, por causa
das funções de regulação do sector financeiro, diz ter criado um grupo de
trabalho para propor soluções. A decisão foi tomada tendo em conta “a natureza
da carteira de investimentos, o facto de ter sido constituída antes da assunção
de funções, o parecer do consultor de ética do Banco de Portugal, o trabalho em
curso no quadro do Sistema Europeu de Bancos Centrais em matéria de ética e
conduta e a revisão em curso do código de conduta do BdP, onde, nomeadamente,
ficará definido o modus faciendi aplicável em tais situações”.
De acordo com a
mesma fonte do supervisor bancário, “o conselho de administração decidiu
mandatar um grupo de trabalho específico para estudar e propor soluções que
neutralizem potenciais conflitos de interesse emergentes da detenção, por
colaboradores ou por membros do conselho de administração, de carteiras
constituídas antes da assunção de funções”. E, em simultâneo, tomou a decisão
de, “até à adopção de soluções resultantes do trabalho deste grupo, solicitar
de todos os visados a adopção de uma postura de gestão passiva da carteira de
investimento, demonstrativa da observância do princípio da neutralização de
qualquer conflito de interesse que pudesse resultar de carteiras que ainda
subsistam”.
O que dizem as regras
O banco central
já tem actualmente um código de conduta que faz referência a este tipo de
situações, embora não proíba claramente estas práticas, nem aborde directamente
os casos de carteiras constituídas antes da nomeação. Nesse documento,
disponível no site da instituição, lê-se que a actuação dos membros do conselho
de administração deve “ser honesta, independente, transparente, isenta,
discreta e não atender a interesses privados ou pessoais”, cabendo-lhes
respeitar “os mais elevados padrões de ética” e evitar “situações susceptíveis
de originar conflitos de interesses, não devendo, designadamente, participar em
quaisquer operações económicas ou financeiras que possam prejudicar a sua
independência ou imparcialidade”.
O código diz
claramente que os administradores “devem evitar qualquer situação susceptível
de originar conflitos de interesses, considerando-se, para este efeito, que
existe conflito de interesses sempre que os membros do conselho tenham
interesses privados ou pessoais que possam influenciar, ou aparentem
influenciar, o desempenho imparcial e objectivo das respectivas funções”. É
entendido como interesse privado “qualquer potencial vantagem para o próprio,
para os seus familiares e afins ou para o seu círculo de amigos e conhecidos”.
Outro ponto do
documento assinala que, “tendo em consideração o impacto das suas decisões na
evolução dos mercados e na estabilidade do sistema financeiro, os membros do
conselho devem estar sempre em posição de poderem actuar com plena
independência e imparcialidade”.
Há também uma
norma que estabelece que “as atribuições e actividades do BdP implicam
operações com instituições financeiras, bem como um conjunto variado de outras
relações negociais, que supõem igualmente a análise e preparação de decisões
que poderão influenciar a evolução dos mercados”. E, por outro lado, “no âmbito
da supervisão das instituições financeiras, os membros do conselho [de
administração] podem aceder a informação privilegiada sobre essas instituições
e sobre outras entidades com quem estas se relacionam e intervir em processos
de decisão que afectam as mesmas”.
É por isso que o
código prevê que, “tanto neste tipo de relacionamentos, como na realização de
quaisquer operações financeiras, os membros do conselho devem actuar sempre em
condições de plena independência e isenção, devendo, em particular, abster-se
da realização de operações financeiras de natureza
especulativa
relacionadas com esse âmbito de intervenção”.
No ponto
seguinte, o documento vai mais longe, ao determinar que os administradores
“devem abster-se de efectuar operações de investimento financeiro” em “acções e
instrumentos derivados conexos relacionados com instituições financeiras
monetárias da União Europeia”, em “instrumentos de outros organismos de
investimento colectivo e instrumentos derivados relativamente aos quais possam
exercer influência na política de investimento”, bem como em “instrumentos
financeiros derivados baseados em índices sobre os quais possam ter
influência”.
O código de
conduta do organismos supervisor prevê ainda que, nestas situações, o membro do
conselho comunique “de imediato” ao consultor de ética do BdP “os investimentos
financeiros (...) de que seja titular”. E a este último cabe pronunciar-se
sobre “a compatibilidade da manutenção dos referidos investimentos com as
funções exercidas”. Na resposta ao PÚBLICO, o banco central indicava a
existência deste parecer, mas, apesar do pedido, não forneceu o documento.
Quanto à “revisão
em curso” deste código de conduta, que fonte oficial da instituição também
referiu, não foram dados mais detalhes sobre as alterações previstas. O BdP tem
também estatutos próprios, que definem o modo de funcionamento do conselho de
administração, por exemplo. No entanto, não abordam questões relacionadas com
este tipo de conflitos de interesse.
Investimentos sem paralelo
A carteira
declarada por António Varela sobressai face aos investimentos detidos pelos
restantes membros do conselho de administração do BdP. O governador, Carlos
Costa, que iniciou funções em 2010, elenca apenas um conjunto de planos
poupança reforma (PPR) na declaração entregue ao Tribunal Constitucional há
quase cinco anos e que não foi alvo de actualizações (obrigatórias quando há
alterações substanciais nos rendimentos).
Pedro Duarte
Neves, vice-governador desde Setembro 2011, entregou recentemente uma nova
declaração em que refere possuir Certificados de Aforro. José Ramalho, também
vice- governador desde a mesma data, faz referência a depósitos a prazo, um
fundo de investimento, Certificados de Aforro, dois PPR, mas também obrigações
de dois bancos: Caixa Geral de Depósitos e Montepio. João Amaral Tomaz, nomeado
administrador igualmente em Setembro de 2011, declarou acções do Sporting Clube
de Portugal, dois PPR e Certificados de Aforro e do Tesouro. E, por fim, Hélder
Rosalino, que se tornou administrador na mesma altura do que António Varela,
detém igualmente dois PPR e participações num fundo de investimento.
António Varela
tem vindo a ser apontado como um dos potenciais sucessores de Carlos Costa. Além
do seu nome, também o do presidente da Caixa Geral de Depósitos, José de Matos,
tem vindo a ser apontado pela imprensa como um forte candidato ao lugar. O
próximo governador será nomeado através de uma resolução do Conselho de
Ministros por indicação do Ministério das Finanças.
Foi, aliás, a
própria ministra que escolheu os dois mais recentes administradores do BdP em
Setembro. Maria Luís Albuquerque não escondeu a satisfação com a nomeação de
António Varela, que, pouco mais de um mês após a resolução do BES, ficou com a
sensível e importante pasta da supervisão prudencial. “A supervisão não poderia
ter melhor titular”, fez questão de afirmar a governante, na cerimónia de
tomada de posse.
O actual
administrador do Banco de Portugal, de 58 anos, tem uma longa carreira
profissional no sector financeiro, tendo chegado a directorgeral adjunto do BCP
e trabalhado na área da banca de investimento, no suíço UBS. Foi vogal do
primeiro conselho directivo da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários,
administrador financeiro da Cimpor e, antes de chegar ao banco central, era o
administrador nomeado em representação do Estado no Banif.
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