Prender a liberdade de informar
JOSÉ MANUEL
PAQUETE DE OLIVEIRA 26/04/2015 – PÚBLICO
O que transparece deste projecto
é a sensação de que, na Assembleia da República, há quem queira perverter a
lógica democrática pela lógica partidária.
Alguns leitores
têm-me, muitas vezes, criticado por aproveitar o espaço destas crónicas para me
imiscuir em assuntos ou acontecimentos da actualidade política ou social. Tenho
contrariado esta posição, pois entendo que não é a condição de ser provedor do
Leitor do PÚBLICO que pode ou deve coarctar a meu direito à livre opinião e a
responsabilidades cívicas. Mas, hoje, eu próprio interrogo os leitores: face à
conjugação de projectadas ameaças ou condicionamentos formais à liberdade de imprensa,
pode o provedor ficar calado e não alinhar na resistência a esses velados e
disfarçados ataques?
Diz o Estatuto do
Provedor do Leitor do PÚBLICO que, "ao instituir este cargo, a Direcção
(...) oferece aos leitores um interlocutor permanente, independente e
responsável pela defesa dos seus direitos". E estabelece que o provedor
"deve manter uma coluna semanal sobre matérias da sua competência e, em
geral, da ética e deontologia jornalística". Aliás, uma das razões
justificativas da criação desta instância nos primeiros países que a fundaram,
foi a de promover a discussão de problemáticas ligadas à deontologia dos meios
de comunicação social. Combater o surgimento de decretos-leis que venham
condicionar práticas deontológicas inerentes ao exercício livre da profissão
não será defender os leitores?
A liberdade de
informar e de ser informado, nos tempos que vão correndo, já está muito
condicionada por vários processos e procedimentos. Por factores económicos e
financeiros, por jogos de poder insondáveis, por desiguais e desequilibrados
acessos à recepção da informação. É verdade que a censura formal foi abolida no
25 de Abril, mas não é menos verdade que formas de "censura oculta"
subsistem.
Os directores de
informação de 20 meios de comunicação social, em comunicado conjunto, como
profissionais e cidadãos, já vieram repudiar a tentativa de "uma
ingerência inaceitável e perigosa do poder político na liberdade
editorial", na preparação de um decreto-lei que pretendia estabelecer o
"regime jurídico da cobertura jornalística em período eleitoral". Os
diferentes órgãos de informação têm justificado como diversas disposições
contidas nesse projecto de lei interferem na liberdade de informar. Para não
repetir esses argumentos, vou dizer o que mais me choca e me perturba, neste
possível acto falhado:
1. Como é
possível, em sede da Assembleia da República, em vésperas do 25 de Abril, ser
congeminada por alguns deputados esta dissimulada intentona contra a liberdade
dos critérios editoriais dos media portugueses?
2. Como é
possível, haver por ali alguém, representante de um povo, que não tenha a
percepção clara de que o que estava a prever correspondia exactamente à
implementação de um regime de "censura prévia"?
3. Por outro
lado, conjectura-se que tal regime jurídico era para o período pré-eleitoral.
Mas já não estamos nesse período?
Obviamente, é
confrangedor que, agora, face ao repúdio geral dos meios de comunicação, alguns
com indisfarçável incoerência, tais como crianças apanhadas em falhadas
situações comportamentais, venham rapidamente dizer que a intenção era outra.
Não havia o propósito de ofender a Constituição, a liberdade de informar e de
ser informado devido aos cidadãos. Apenas havia o desejo de regular.
É certo que,
neste período de clima eleitoral em que, prematuramente, estamos envolvidos,
nem todos as forças partidárias vão gozar de igual acesso à veiculação de
informação através dos diferentes media para a difusão das suas mensagens, dos
seus programas e propostas. Não é um período eleitoral que inverte a ordem
habitual e estabelecida no espaço mediático, hierarquizado por processos
organizacionais e confluência de pressões configuradas por procedimentos que
derivam do modo como a sociedade funciona. Evidentemente que as estratégias de
corresponder aos segmentos preferenciais dos públicos que dão audiências, com a
prática de critérios de notoriedade ou popularidade garantidos, não deixarão de
determinar as lógicas comunicacionais dos diferentes media. E, provavelmente,
num período eleitoral, onde, por descrédito dos partidos convencionados no arco
do poder, vão emergir no espaço eleitoral outros partidos e movimentos, são
estes, tal como já acontece com o PCP ou o BE, que vão sentir maiores
dificuldades em ter espaço mediático. Impõe-se serem capazes de o conseguir por
práticas inteligentes e actores competentes e com conhecimento adequado dos
procedimentos. Nunca me pareceu que a garantia do pluralismo seja conseguida
através da medição dos caracteres computacionais ou de minutos em antena.
Despertar a atenção e adesão do(s) público(s) passa por outras capciosas
técnicas. Porém, nunca será com o estabelecimento da obrigatoriedade da
apresentação antecipada de "planos dos procedimentos eleitorais" a
serem seguidos pelos editores dos conteúdos dos diferentes media, e na sua
inexistência ou não cumprimento com a aplicação de coimas, que se resolverá uma
ordem mediática mais consentânea com os interesses da democracia.
De facto, o que
transparece deste projecto é a sensação de que, na Assembleia da República, há
quem queira perverter a lógica democrática pela lógica partidária. Condicionar
o exercício da liberdade nunca será defendê-la. Cabe aos media demonstrar que,
pelos seus livres critérios editoriais, vão procurar defender esta nossa
democracia, já bastante enfraquecida. Como provedor, e em nome dos leitores,
deixo ao PÚBLICO este apelo. Não obstante algumas incongruências dos critérios
editoriais, vou preferi-los sempre às acções legislativas de prender ou
condicionar a liberdade de informar.
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