terça-feira, 28 de abril de 2015

Votar ou não votar — eis a questão / MARIA EUGÉNIA RETORTA

(...) “Seria para estes aspectos que deveriam estar orientadas as grandes preocupações dos partidos que se preparam para disputar as próximas eleições legislativas — como é possível inverter a espiral depressiva, e de descrença, que tomou conta de tanta gente? Em última instância: como fazê-las acreditar que votar, ou seja, escolher, valerá a pena? E é agora que a procura de respostas tem de ser feita, ainda em tempo útil.”
MARIA EUGÉNIA RETORTA

Votar ou não votar — eis a questão
MARIA EUGÉNIA RETORTA 28/04/2015 - PÚBLICO

Como é possível inverter a espiral depressiva, e de descrença, que tomou conta de tanta gente?

Os debates e as opiniões avulsas que actualmente podem ser escutados ou lidos sobre as próximas eleições legislativas, em vários órgãos de comunicação social, centram-se sobre a perplexidade que os resultados das sondagens que têm vindo a ser publicadas levantam, face à possibilidade de nessas eleições existir o risco de não haver uma maioria clara de um partido, em coligação ou não, que possibilite a existência de um Governo de maioria absoluta.

Não quero fazer a apologia desta situação, até porque não tenho a certeza de que um tal Governo possa, isentamente, resolver os problemas que hoje se colocam à sociedade portuguesa, tanto numa perspectiva social como numa perspectiva económica. E para mim é claro que, se o partido vencedor for o PS, ele poderá apenas conquistar uma maioria relativa e terá, como muito bem tem sido assinalado por alguns especialistas mais avisados na matéria, fortes dificuldades em conseguir acordos minimamente seguros à sua esquerda. À direita julgo que a questão nem se coloca para já, em termos práticos.

Quero tão-somente colocar em cima da mesa alguns factos, mais objectivos uns, mais subjectivos outros, que deveriam neste momento preocupar os partidos do chamado arco da governação e, em especial, o Partido Socialista, e que têm a ver com o risco de que falo atrás e com as verdadeiras razões por que esse risco existe.

Antes de mais nada porque será a abstenção, bem como o aumento dos votos brancos ou nulos, que darão origem a que ele se possa concretizar — e as sondagens não conseguem, nunca conseguiram, avaliar com segurança a dimensão que a abstenção poderá assumir e quais as suas consequências mais negativas.

E porque se existir uma alternativa com propostas que respondam a expectativas do eleitorado ela poderá roubar votos aos partidos tradicionais. As sondagens também aqui se deparam com um terreno difícil de estabelecer com segurança.

E se houvesse dúvidas sobre como os resultados destas realidades — abstenção, aumento de votos “perdidos”, alternativas motivadoras — podem afectar resultados obtidos por partidos ou individualidades tradicionais, aí estão os exemplos reais de dois actos eleitorais que tiveram lugar recentemente.

O PSD voltou, efectivamente, a ganhar as últimas eleições na Madeira, mas neste acto eleitoral:

a) Entre abstenções e votos brancos e nulos perdeu-se cerca de 8% do eleitorado. O PSD ganhou as eleições entre menos de metade do universo potencial ao seu alcance;

b) O PSD perdeu cerca de 15 mil eleitores, o CDS mais de 8 mil e o PS mais de 2 mil;

c) O Juntos Pelo Povo conseguiu arrebatar 10% dos votos, tendo elegido quase tantos deputados como o movimento que integrava o PS, porém tendo sido a única das quatro novas alternativas a conseguir gerar votos.

Cavaco Silva ganhou a Manuel Alegre nas últimas eleições para a Presidência, mas nesse acto eleitoral:

a) A abstenção cifrou-se em mais 15% do que em 2006. Cavaco Silva foi eleito em 2011 por 23% do seu eleitorado potencial; no acto anterior, 2006 (com menor número de inscritos, note-se), havia sido eleito por 31%;

b) Entre 2006 e 2011 Cavaco Silva perdeu mais de 500 mil votantes;

c) Manuel Alegre perdeu mais de 300 mil dos seus votantes em 2006, enquanto Fernando Nobre conquistou quase 600 mil.

Este é, pois, o cerne da questão: para onde foram os que decidiram não votar ou votar e resistir ao chamamento das alternativas tradicionais? E o que encontraram nas novas alternativas surgidas?

E o que se perfila para as próximas eleições é, quanto a mim, um agravamento destas situações. Uma simples observação qualitativa a partir de conversas informais, não estruturadas — a base de qualquer investigação desta natureza —, revela que grande parte da população portuguesa estará sem expectativas face à vida, ao trabalho, às condições materiais da sua existência. Está cansada de ouvir políticos a dizer que tudo está melhor, mas a encontrar no seu dia-a-dia desmentidos permanentes mesmo ao pé de si. Por outro lado, está também quase acomodada ao destino que lhe calhou, porque não descortina, nas alternativas que conhece, coisas substantivas que a motivem a escolhê-las.

E resumindo, está mais do que acomodada à ideia de que não vale a pena ir votar.

Mas há alguns que ainda podem ou querem acreditar. E poderão acreditar se…

Seria para estes aspectos que deveriam estar orientadas as grandes preocupações dos partidos que se preparam para disputar as próximas eleições legislativas — como é possível inverter a espiral depressiva, e de descrença, que tomou conta de tanta gente? Em última instância: como fazê-las acreditar que votar, ou seja, escolher, valerá a pena? E é agora que a procura de respostas tem de ser feita, ainda em tempo útil.


Consultora de marketing e estudos de opinião

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