Votar ou não votar — eis a
questão
MARIA EUGÉNIA
RETORTA 28/04/2015 - PÚBLICO
Como é possível inverter a
espiral depressiva, e de descrença, que tomou conta de tanta gente?
Os debates e as
opiniões avulsas que actualmente podem ser escutados ou lidos sobre as próximas
eleições legislativas, em vários órgãos de comunicação social, centram-se sobre
a perplexidade que os resultados das sondagens que têm vindo a ser publicadas
levantam, face à possibilidade de nessas eleições existir o risco de não haver
uma maioria clara de um partido, em coligação ou não, que possibilite a
existência de um Governo de maioria absoluta.
Não quero fazer a
apologia desta situação, até porque não tenho a certeza de que um tal Governo
possa, isentamente, resolver os problemas que hoje se colocam à sociedade
portuguesa, tanto numa perspectiva social como numa perspectiva económica. E
para mim é claro que, se o partido vencedor for o PS, ele poderá apenas
conquistar uma maioria relativa e terá, como muito bem tem sido assinalado por
alguns especialistas mais avisados na matéria, fortes dificuldades em conseguir
acordos minimamente seguros à sua esquerda. À direita julgo que a questão nem
se coloca para já, em termos práticos.
Quero tão-somente
colocar em cima da mesa alguns factos, mais objectivos uns, mais subjectivos
outros, que deveriam neste momento preocupar os partidos do chamado arco da
governação e, em especial, o Partido Socialista, e que têm a ver com o risco de
que falo atrás e com as verdadeiras razões por que esse risco existe.
Antes de mais
nada porque será a abstenção, bem como o aumento dos votos brancos ou nulos,
que darão origem a que ele se possa concretizar — e as sondagens não conseguem,
nunca conseguiram, avaliar com segurança a dimensão que a abstenção poderá
assumir e quais as suas consequências mais negativas.
E porque se
existir uma alternativa com propostas que respondam a expectativas do
eleitorado ela poderá roubar votos aos partidos tradicionais. As sondagens
também aqui se deparam com um terreno difícil de estabelecer com segurança.
E se houvesse
dúvidas sobre como os resultados destas realidades — abstenção, aumento de
votos “perdidos”, alternativas motivadoras — podem afectar resultados obtidos
por partidos ou individualidades tradicionais, aí estão os exemplos reais de
dois actos eleitorais que tiveram lugar recentemente.
O PSD voltou,
efectivamente, a ganhar as últimas eleições na Madeira, mas neste acto
eleitoral:
a) Entre
abstenções e votos brancos e nulos perdeu-se cerca de 8% do eleitorado. O PSD
ganhou as eleições entre menos de metade do universo potencial ao seu alcance;
b) O PSD perdeu
cerca de 15 mil eleitores, o CDS mais de 8 mil e o PS mais de 2 mil;
c) O Juntos Pelo
Povo conseguiu arrebatar 10% dos votos, tendo elegido quase tantos deputados como
o movimento que integrava o PS, porém tendo sido a única das quatro novas
alternativas a conseguir gerar votos.
Cavaco Silva
ganhou a Manuel Alegre nas últimas eleições para a Presidência, mas nesse acto
eleitoral:
a) A abstenção
cifrou-se em mais 15% do que em 2006. Cavaco Silva foi eleito em 2011 por 23%
do seu eleitorado potencial; no acto anterior, 2006 (com menor número de
inscritos, note-se), havia sido eleito por 31%;
b) Entre 2006 e
2011 Cavaco Silva perdeu mais de 500 mil votantes;
c) Manuel Alegre
perdeu mais de 300 mil dos seus votantes em 2006, enquanto Fernando Nobre
conquistou quase 600 mil.
Este é, pois, o
cerne da questão: para onde foram os que decidiram não votar ou votar e
resistir ao chamamento das alternativas tradicionais? E o que encontraram nas
novas alternativas surgidas?
E o que se
perfila para as próximas eleições é, quanto a mim, um agravamento destas
situações. Uma simples observação qualitativa a partir de conversas informais,
não estruturadas — a base de qualquer investigação desta natureza —, revela que
grande parte da população portuguesa estará sem expectativas face à vida, ao
trabalho, às condições materiais da sua existência. Está cansada de ouvir
políticos a dizer que tudo está melhor, mas a encontrar no seu dia-a-dia
desmentidos permanentes mesmo ao pé de si. Por outro lado, está também quase
acomodada ao destino que lhe calhou, porque não descortina, nas alternativas
que conhece, coisas substantivas que a motivem a escolhê-las.
E resumindo, está
mais do que acomodada à ideia de que não vale a pena ir votar.
Mas há alguns que
ainda podem ou querem acreditar. E poderão acreditar se…
Seria para estes
aspectos que deveriam estar orientadas as grandes preocupações dos partidos que
se preparam para disputar as próximas eleições legislativas — como é possível
inverter a espiral depressiva, e de descrença, que tomou conta de tanta gente? Em
última instância: como fazê-las acreditar que votar, ou seja, escolher, valerá
a pena? E é agora que a procura de respostas tem de ser feita, ainda em tempo
útil.
Consultora de
marketing e estudos de opinião
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