sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Temperaturas em Portugal vão subir mais do que média mundial no futuro


Em três décadas – de 1975 a 2005 - a temperatura na Península Ibérica aumentou a uma velocidade três vezes superior ao resto do planeta. O estudo refere um aumento de 0,5 graus por década.

Temperaturas em Portugal vão subir mais do que média mundial no futuro


Relatório do IPCC apresenta resultados que indicam subidas de até 9,0 graus Celsius na Península Ibérica até 2100. O Sul da Europa vai ter também menos chuva e tempestades mais intensas
Portugal enfrentará alterações mais intensas no clima do que a média mundial, segundo os últimos dados do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) e especialistas ouvidos pelo PÚBLICO.
De acordo com o pior cenário do mais recente relatório do IPCC, a temperatura média global pode aumentar entre 2,6 e 4,8 graus Celsius até ao final do século, em relação à média de 1986-2005. Para Portugal, porém, os valores são maiores. Para o mesmo cenário, e considerando os resultados centrais de uma série de modelos de simulação do clima, os termómetros poderão subir entre 3,0 e 7,0 graus. Nos meses de Verão, a Península Ibérica pode chegar a aquecer 9,0 graus Celsius.
Em determinados pontos do país, as subidas podem-se revelar ainda mais acentuadas, quando forem concluídos os cálculos que levam em conta detalhes locais, como o relevo ou a brisa marítima. "Isto é garantido", afirma o meterologista Pedro Viterbo, do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) e revisor do relatório do IPCC divulgado no final de Setembro.
Segundo mapas produzidos pelo IPCC, Portugal deverá testemunhar uma redução da precipitação que, também no pior cenário, pode chegar a valores entre 10% no Norte do país e 40%, no Sul.
Os relatórios do IPCC dão uma visão grosseira do que pode acontecer no futuro. Baseiam-se em modelos climáticos globais, que dividem o mundo em quadrículas grandes, com mais de 100 quilómetros de lado, para os cálculos.
Modelos regionais descrevem o clima de forma mais detalhada, levando em conta mais factores, numa quadrícula mais apertada. Este exercício está a ser feito pelo IPMA e pelo Instituto Dom Luiz, da Universidade de Lisboa, e deverá estar concluído no próximo ano. As células para as quais são feitas as simulações têm nove quilómetros de lado.
Há sete anos, foi feito um exercício semelhante, no âmbito do projecto SIAM, uma avaliação interdisciplinar dos efeitos das alterações climáticas em Portugal. As temperaturas máximas de Verão subiam 10 graus Celsius até 2100, segundo um dos resultados.
O climatologista Pedro Miranda, do Instituto Dom Luiz e um dos autores do projecto SIAM, explica que o relevo e a brisa marítima à escala local e regional, por exemplo, são factores que os modelos globais não contabilizam bem. "As montanhas têm imenso impacto no clima", afirma. "E temos uma topografia muito complexa", completa.
Já a influência brisa marítima tem uma penetração pequena no país, da ordem dos dez quilómetros, algo que também não é reflectido em modelos climáticos em que cada unidade de análise tem 100 quilómetros de lado. Daí que, ao fazer-se a "regionalização" das simulações climáticas, os impactos na temperatura surjam maiores no interior. "O aumentar é próprio dos modelos regionais", refere Pedro Miranda.
Não são cálculos que se façam de um dia para o outro. "Passar de um modelo global para um modelo regional com uma escala de dez quilómetros demora mais de seis meses, num computador potente", diz o climatologista.
O próprio volume de dados é difícil de manusear. "Geramos tantos dados que temos dificuldade de fazer o download", explica Pedro Viterbo.
Seja com um quadro global ou regional, é impossível dizer, preto no branco, quanto vai subir o termómetro em Portugal neste século. A avaliação do IPCC leva em conta quatro cenários de emissões de gases com efeito de estufa no futuro. Utiliza mais de 30 modelos diferentes de simulação do clima em cada cenário. E apresentam os resultados em mapas diferentes, com valores que se situam a meio tabela entre os modelos, ou entre os primeiros 25% ou 75%.
Os números mais dramáticos para Portugal emergem do pior cenário para o futuro, em que pouco ou nada é feito para controlar as emissões de dióxido de carbono (CO2), que continuam a subir ao longo do século. A sua concentração na atmosfera atinge mais de 900 partes por milhão em 2100, mais de duas vezes a actual.
Um cenário optimista mas possível é aquele em que as emissões sobem até à metade deste século e depois caem para um nível inferior ao de agora. A concentração de CO2 fica próxima das 500 partes por milhão. Neste caso, os mapas do IPCC mostram Portugal com as temperaturas a subir entre 1,0 e 3,0 graus Celsius.
Europa está a aquecer mais
O relatório do IPCC chama a atenção para o facto de a Europa já estar a aquecer mais do que a média global. A temperatura média entre 1979 e 2010 aumentou 0,48 graus Celsius por década no Norte europeu, 0,44 graus no Centro e 0,34 graus no Mediterrâneo, contra uma média global de 0,27 graus. Há evidências de maior secura dos solos e de frequência de eventos extremos no sul.
O clima na Europa é em grande parte influenciado por um fenómeno atmosférico, a Oscilação do Atlântico Norte (NAO, na sigla em inglês), que tem a tendência de vir a deslocar-se para cima em latitude. "Se a NAO muda, o clima aqui muda", assevera Ricardo Trigo, investigador do Instituto Dom Luiz, que tem oito artigos científicos citados no relatório do IPCC.
Segundo o relatório, o Sul da Europa enfrentará outros impactos, como tempestades mais intensas, embora menos frequentes, mais temperaturas extremas no Verão e menos humidade superficial, aumentando o risco de secas. Haverá tendencialmente menos chuva, embora haja muito mais incerteza nas projecções futuras da precipitação do que da temperatura.
"Este relatório vem demonstrar que as alterações climáticas já estão a afectar a Europa e que vão piorar sem uma forte alteração climática", alerta a associação ambientalista Quercus, num comunicado, defendendo medidas mais fortes para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. "É fundamental o corte nos subsídios aos combustíveis fósseis, para que sejam adoptadas medidas para um novo desenvolvimento baseado numa economia de baixo carbono, dentro e fora da União Europeia", completa a Quercus.

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