O espelho de Machete
07/10/13 00:12 | Bruno Faria Lopes / Económico online
O país não gosta de ser forçado a ver ao espelho aquilo que,
por conveniência, prefere ignorar.
Vendemos fatias de bancos e de grupos de telecomunicações.
Aceitamos entregar blocos da quase totalidade dos jornais e televisões.
Enviamos milhares de emigrantes e aproveitamos o potencial daquele mercado.
Acolhemos sem perguntas o dinheiro investido a título pessoal em quintas no
Douro, em empresas e em apartamentos de luxo no Estoril. Ignoramos
olimpicamente os "atropelos" que ali se praticam pelas
"elites". Aceitamos beneficiar de tudo isto porque não temos
dinheiro.
Beneficiamos porque temos que nos safar como pudermos.
Beneficiamos porque dizemos a nós próprios que não há virgens em parte alguma -
muito menos aqui, não é? - e que não vale a pena ter grandes pruridos.
"Eles", uma ferida do passado que ainda não teve tempo de sarar (nem
cá e muito menos lá), que tratem da vida deles que nós tratamos da nossa.
E depois? Depois, aceitamos a permanência no cargo de um
ministro que ocultou no Parlamento ter sido accionista de um grupo que sorveu
milhares de milhões de euros de dinheiro dos contribuintes. Aceitamos a
permanência no cargo de uma pessoa que justifica tamanha omissão - a que se
soma outra, também sobre a SLN, no currículo oficial à entrada para os Negócios
Estrangeiros - com um "obviamente foi um lapso, quem me conhecer sabe que
não foi por mal". Achamos relativamente normal que quem acumulou a
presidência do Conselho Superior da SLN ao longo de nove anos seja agora
ministro da República em "estado de emergência" e em
"transformação estrutural".
Ignoramos as críticas duras e cristalinas da diplomacia
norte-americana à gestão deste homem, ao longo de 25 anos na FLAD. E, por fim,
não piscamos um olho quando sabemos que esta pessoa está tão desligada das
redes de interesses que acumulava mais de três dezenas de cargos - da banca aos
seguros, passando pela fundação do Dr. Mário Soares - antes de lhe entregarem a
pasta para as mãos.
De repente, eis que ficamos surpreendidos quando este homem,
o ministro Rui Machete, desvaloriza naquele país, Angola, as investigações que
o Ministério Público português conduz a cidadãos angolanos por suspeita de
crime económico. Sentimo-nos humilhados quando vemos quem nos representa
prestar-se a tal figura, pisando de caminho a instituição judicial do seu
próprio país. "Rui Manchete" - como lhe chamava ontem, num delicioso
lapso repetido, uma repórter da SIC - até podia continuar a ser ministro desta
República depois das tropelias da SLN.
Mas, ao levantar um espelho à nossa frente, cometeu um erro
fatal. É natural que não gostemos daquilo que nos obriga a ver. Nós somos como
a mulher de outros tempos, que fecha os olhos ao que faz a parte de que
depende, desde que isso não lhe seja esfregado na cara publicamente - a vida
assim era mais fácil, não era?
Jornal de Angola defende Rui Machete e diz que PGR actuou
"fora da lei"
Por Ana Henriques
07/10/2013 in Público
Marcelo Rebelo de Sousa diz que ministro dos Negócios
Estrangeiros devia sair do Governo pelo seu próprio pé. Marques Mendes e
Pacheco Pereira também se juntam ao coro de críticas ao governante
O Jornal de Angola saiu em defesa da actuação do ministro
português dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, e acusou a procuradora-geral
da República, Joana Marques Vidal, de se ter posto "fora da lei".
Num artigo de opinião assinado por Álvaro Domingos,
pseudónimo de um jornalista que presta assessoria ao director do jornal do
regime, a publicação sustenta que Machete mais não fez do que "pedir
diplomaticamente desculpa (e não desculpas diplomáticas) pelas patifarias
cometidas pelo Ministério Público e órgãos de comunicação social contra o
vice-presidente angolano, Manuel Vicente, e o procurador-geral da República,
João Maria de Sousa" - que, segundo noticiário publicado em Portugal, foram
investigados no âmbito de um inquérito-crime aberto pela Procuradoria-Geral da
República por fraude fiscal e branqueamento de capitais.
A polémica em torno do ministro dos Negócios Estrangeiros
surgiu depois de o governante ter, em entrevista a uma rádio angolana, pedido
desculpa pelas investigações das autoridades judiciais portuguesas. "Ao
alimentar manchetes e notícias falsas que têm no centro figuras públicas
angolanas, o Ministério Público e a procuradora-geral da República, Joana
Vidal, puseram-se fora da lei", opina Álvaro Domingos. "E deram esse
salto arriscado, para atentarem contra a honra e o bom nome de dois cidadãos
que desempenham altas funções no Estado angolano." Perante tal situação,
prossegue o artigo, "é natural que o ministro Rui Machete tivesse vontade
de deitar água na fervura". O problema é que "a procuradora-geral,
Joana Vidal, toda abespinhada, atirou-se ao ministro", enquanto "os
sindicatos dos juízes e do Ministério Público o crucificaram". Álvaro Domingos
lamenta que Rui Machete tenha sido "trucidado" pelos "mais
assanhados membros das elites corruptas e caloteiras portuguesas", que
terão aproveitado a ocasião para "lançar a habitual chuva de calúnias
contra os dirigentes angolanos, eleitos democraticamente".
O artigo termina exigindo à procuradora-geral da República
que revele a angolanos e portugueses quem foram os membros do Ministério
Público que violaram o segredo de justiça. "Esta publicação já nos
habituou a estas tiradas muito violentas. Mas como o Jornal de Angola não é o
Governo angolano, não vale a pena criar um problema diplomático",
desvaloriza Marcelo Rebelo de Sousa.
O comentador entende, porém, que o ministro deve pedir para
sair do Governo, uma vez que o primeiro-ministro não tem, nesta altura, margem
de manobra para o demitir, como reivindicam cada vez mais vozes, e que o
Presidente da República tem uma "visão minimalista" dos seus poderes:
"Como comentador e como seu amigo aconselho Rui Machete a deixar passar
este período crítico e a sair daqui a algum tempo pelo seu pé, quando já
ninguém esperar que o faça."
O Diário de Notícias publicou ontem que o ministro trabalhou
no escritório de advogados que representa alguns dos angolanos sob
investigação, o PJLM, de José Miguel Júdice, que tem Angola como uma das suas
áreas de especialização e está representado em Luanda. Contactada pelo PÚBLICO,
a empresa referiu que "não comenta assuntos profissionais".
Entre os analistas políticos avolumam-se as críticas.
Comparando a sua actuação à entrada de "um elefante numa loja de
porcelanas", Marques Mendes considera que Machete não pode cometer mais
nenhuma gaffe. O social-democrata considerou as suas declarações subservientes,
"absolutamente desastradas" e especialmente graves por o ministro ser
jurista e advogado. "Não é suposto um ministro saber de processos
judiciais, seja de que maneira for", observou. Outro social-democrata,
Pacheco Pereira, vai mais longe, e fala num "acto de diplomacia à revelia
da lei e da ordem democrática, praticado pelo responsável máximo das relações
externas" portuguesas. "As suas declarações afectam a dignidade do
Estado português", disse por seu turno o ex-primeiro-ministro José
Sócrates. Uma opinião que é partilhada pelo bastonário dos advogados, Marinho
Pinto: "Não tem condições para continuar a exercer o cargo."
Outro socialista que, tal como o líder do PS, pede a cabeça
de Machete é António Costa, que pensa que o ministro não devia ter sequer
entrado para o Governo. "É um alvo fácil para os partidos da oposição,
porque tem um caso novo todos os meses", resume Marcelo.
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