segunda-feira, 7 de outubro de 2013

O espelho de Machete. Jornal de Angola defende Rui Machete e diz que PGR actuou "fora da lei"


O espelho de Machete
07/10/13 00:12 | Bruno Faria Lopes / Económico online

O país não gosta de ser forçado a ver ao espelho aquilo que, por conveniência, prefere ignorar.

Vendemos fatias de bancos e de grupos de telecomunicações. Aceitamos entregar blocos da quase totalidade dos jornais e televisões. Enviamos milhares de emigrantes e aproveitamos o potencial daquele mercado. Acolhemos sem perguntas o dinheiro investido a título pessoal em quintas no Douro, em empresas e em apartamentos de luxo no Estoril. Ignoramos olimpicamente os "atropelos" que ali se praticam pelas "elites". Aceitamos beneficiar de tudo isto porque não temos dinheiro.

Beneficiamos porque temos que nos safar como pudermos. Beneficiamos porque dizemos a nós próprios que não há virgens em parte alguma - muito menos aqui, não é? - e que não vale a pena ter grandes pruridos. "Eles", uma ferida do passado que ainda não teve tempo de sarar (nem cá e muito menos lá), que tratem da vida deles que nós tratamos da nossa.

E depois? Depois, aceitamos a permanência no cargo de um ministro que ocultou no Parlamento ter sido accionista de um grupo que sorveu milhares de milhões de euros de dinheiro dos contribuintes. Aceitamos a permanência no cargo de uma pessoa que justifica tamanha omissão - a que se soma outra, também sobre a SLN, no currículo oficial à entrada para os Negócios Estrangeiros - com um "obviamente foi um lapso, quem me conhecer sabe que não foi por mal". Achamos relativamente normal que quem acumulou a presidência do Conselho Superior da SLN ao longo de nove anos seja agora ministro da República em "estado de emergência" e em "transformação estrutural".

Ignoramos as críticas duras e cristalinas da diplomacia norte-americana à gestão deste homem, ao longo de 25 anos na FLAD. E, por fim, não piscamos um olho quando sabemos que esta pessoa está tão desligada das redes de interesses que acumulava mais de três dezenas de cargos - da banca aos seguros, passando pela fundação do Dr. Mário Soares - antes de lhe entregarem a pasta para as mãos.

De repente, eis que ficamos surpreendidos quando este homem, o ministro Rui Machete, desvaloriza naquele país, Angola, as investigações que o Ministério Público português conduz a cidadãos angolanos por suspeita de crime económico. Sentimo-nos humilhados quando vemos quem nos representa prestar-se a tal figura, pisando de caminho a instituição judicial do seu próprio país. "Rui Manchete" - como lhe chamava ontem, num delicioso lapso repetido, uma repórter da SIC - até podia continuar a ser ministro desta República depois das tropelias da SLN.

Mas, ao levantar um espelho à nossa frente, cometeu um erro fatal. É natural que não gostemos daquilo que nos obriga a ver. Nós somos como a mulher de outros tempos, que fecha os olhos ao que faz a parte de que depende, desde que isso não lhe seja esfregado na cara publicamente - a vida assim era mais fácil, não era?

Jornal de Angola defende Rui Machete e diz que PGR actuou "fora da lei"
Por Ana Henriques
07/10/2013 in Público

Marcelo Rebelo de Sousa diz que ministro dos Negócios Estrangeiros devia sair do Governo pelo seu próprio pé. Marques Mendes e Pacheco Pereira também se juntam ao coro de críticas ao governante

O Jornal de Angola saiu em defesa da actuação do ministro português dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, e acusou a procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, de se ter posto "fora da lei".

Num artigo de opinião assinado por Álvaro Domingos, pseudónimo de um jornalista que presta assessoria ao director do jornal do regime, a publicação sustenta que Machete mais não fez do que "pedir diplomaticamente desculpa (e não desculpas diplomáticas) pelas patifarias cometidas pelo Ministério Público e órgãos de comunicação social contra o vice-presidente angolano, Manuel Vicente, e o procurador-geral da República, João Maria de Sousa" - que, segundo noticiário publicado em Portugal, foram investigados no âmbito de um inquérito-crime aberto pela Procuradoria-Geral da República por fraude fiscal e branqueamento de capitais.

A polémica em torno do ministro dos Negócios Estrangeiros surgiu depois de o governante ter, em entrevista a uma rádio angolana, pedido desculpa pelas investigações das autoridades judiciais portuguesas. "Ao alimentar manchetes e notícias falsas que têm no centro figuras públicas angolanas, o Ministério Público e a procuradora-geral da República, Joana Vidal, puseram-se fora da lei", opina Álvaro Domingos. "E deram esse salto arriscado, para atentarem contra a honra e o bom nome de dois cidadãos que desempenham altas funções no Estado angolano." Perante tal situação, prossegue o artigo, "é natural que o ministro Rui Machete tivesse vontade de deitar água na fervura". O problema é que "a procuradora-geral, Joana Vidal, toda abespinhada, atirou-se ao ministro", enquanto "os sindicatos dos juízes e do Ministério Público o crucificaram". Álvaro Domingos lamenta que Rui Machete tenha sido "trucidado" pelos "mais assanhados membros das elites corruptas e caloteiras portuguesas", que terão aproveitado a ocasião para "lançar a habitual chuva de calúnias contra os dirigentes angolanos, eleitos democraticamente".

O artigo termina exigindo à procuradora-geral da República que revele a angolanos e portugueses quem foram os membros do Ministério Público que violaram o segredo de justiça. "Esta publicação já nos habituou a estas tiradas muito violentas. Mas como o Jornal de Angola não é o Governo angolano, não vale a pena criar um problema diplomático", desvaloriza Marcelo Rebelo de Sousa.

O comentador entende, porém, que o ministro deve pedir para sair do Governo, uma vez que o primeiro-ministro não tem, nesta altura, margem de manobra para o demitir, como reivindicam cada vez mais vozes, e que o Presidente da República tem uma "visão minimalista" dos seus poderes: "Como comentador e como seu amigo aconselho Rui Machete a deixar passar este período crítico e a sair daqui a algum tempo pelo seu pé, quando já ninguém esperar que o faça."

O Diário de Notícias publicou ontem que o ministro trabalhou no escritório de advogados que representa alguns dos angolanos sob investigação, o PJLM, de José Miguel Júdice, que tem Angola como uma das suas áreas de especialização e está representado em Luanda. Contactada pelo PÚBLICO, a empresa referiu que "não comenta assuntos profissionais".

Entre os analistas políticos avolumam-se as críticas. Comparando a sua actuação à entrada de "um elefante numa loja de porcelanas", Marques Mendes considera que Machete não pode cometer mais nenhuma gaffe. O social-democrata considerou as suas declarações subservientes, "absolutamente desastradas" e especialmente graves por o ministro ser jurista e advogado. "Não é suposto um ministro saber de processos judiciais, seja de que maneira for", observou. Outro social-democrata, Pacheco Pereira, vai mais longe, e fala num "acto de diplomacia à revelia da lei e da ordem democrática, praticado pelo responsável máximo das relações externas" portuguesas. "As suas declarações afectam a dignidade do Estado português", disse por seu turno o ex-primeiro-ministro José Sócrates. Uma opinião que é partilhada pelo bastonário dos advogados, Marinho Pinto: "Não tem condições para continuar a exercer o cargo."


Outro socialista que, tal como o líder do PS, pede a cabeça de Machete é António Costa, que pensa que o ministro não devia ter sequer entrado para o Governo. "É um alvo fácil para os partidos da oposição, porque tem um caso novo todos os meses", resume Marcelo.

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