quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Afinal o que é o guião da reforma do Estado? Que reforma do Estado? Governo insiste no despedimento de funcionários públicos.

Afinal o que é o guião da reforma do Estado?

O guião vem com dois anos de atraso. Ou, se calhar, com dois de avanço
Antes de ser apresentado, ninguém sabia muito bem o que era o guião da reforma do Estado. Seria o elencar dos cortes que já foram anunciados e agora concretizados no Orçamento para 2014? Seria o anúncio de mais austeridade para reduzir o défice para 2015? Seria um simples argumentário político? Depois de ser apresentado, continuamos sem perceber muito bem o que é o guião da reforma do Estado. É um programa de Governo a meio da legislatura? É uma proposta de pacto de regime, sem consulta prévia ao PS? Portas foi recuperar a ideia de incluir a regra de ouro na Constituição. O PS já se mostrou contra e foi por isso que o Governo decidiu colocar a regra na Lei de Enquadramento Orçamental. E o próprio Presidente da República também já se manifestou contra a intenção de colocar na Constituição "uma variável endógena como o défice". Não é por se repetir uma ideia muitas vezes que ela se torna realidade. Portas sugere ainda baixar o IRS em 2015, ano de eleições. É, no mínimo, perigoso dizer que se vai aliviar os impostos às famílias num ano em que o Governo já se comprometeu em reduzir o défice de 4% para 2,5%.

No próximo ano, Portas também quer nomear uma Comissão de Reforma da Segurança Social. Mas diz que a reforma só avança no ano em que o PIB crescer 2%. Já se percebeu que não vai ser para breve. E se, no ano seguinte a esse longínquo ano, o PIB voltar a cair? Cancela-se a reforma? Também volta a desenterrar a ideia do plafonamento da Segurança Social. Falta é desatar um nó: colocar um tecto ao pagamento das pensões também implica colocar um tecto às contribuições. Ou seja, descapitalizar o já descapitalizado regime de previdência. Ainda há muito para explicar, se o Governo quiser transformar este guião em medidas concretas que possam mudar a vida dos portugueses. Até lá, o guião é uma mão-cheia de boas (e algumas nem por isso) intenções



Que reforma do Estado?


Em primeiro lugar, a apresentação das linhas estratégicas da reforma do Estado devia ter sido objecto do primeiro Conselho de Ministros após a tomada de posse do Governo. Há uma segunda observação que diz respeito à metodologia. É vasto e consensual o corpo de experiências bem sucedidas noutros países, como Espanha, onde se desenvolveu uma metodologia aberta, colhendo mais de 2000 propostas para estabelecer linhas de rumo que ajudarão o Estado a contribuir para o relançamento do país. Não foi esta a metodologia adoptada pelo Governo. Assim, este Guião da Reforma do Estado surge fora do tempo e sem resultar de metodologia recomendada. Conhecendo apenas as linhas gerais apresentadas, parece ser positiva a atenção dada às exigências financeiras, às várias medidas visando modernizar o Estado, à progressiva descentralização e à identificação das contrapartidas oferecidas aos cidadãos. Ficam quatro questões: como o Governo pensa desenvolver e aplicar o guião colhendo agora o contributo da sociedade civil?; quais os calendários da concretização das medidas?; quais os reflexos no equilíbrio das Contas Públicas já em 2014?; qual o contributo para reanimar o país e introduzir alguma coerência nas políticas orçamentais e nos conhecidos e salteados cortes?
Professor catedrático emérito do IST




Governo insiste no despedimento de funcionários públicos


Depois do chumbo da requalificação, que abria a porta aos despedimentos, o guião da reforma do Estado fala agora em "flexibilizar" o vínculo dos trabalhadores
O vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, apelou ontem a um "entendimento" alargado na área da função pública que permita ter uma administração com "menos funcionários e mais bem pagos". A prioridade é procurar "um consenso sobre o melhor procedimento legislativo que permita, em circunstâncias objectivas, flexibilizar o vínculo do trabalhador em funções públicas com o Estado", refere o guião para a reforma do Estado ontem apresentado.
Depois de ter sido obrigado a recuar no despedimento dos funcionários públicos excedentes (medida prevista no diploma da requalificação e chumbada pelo Tribunal Constitucional), o Governo volta a recuperar o tema. Agora de forma suavizada, falando em "flexibilizar" o vínculo do trabalhador.
Como contrapartida, o guião fala na necessidade de negociar "o tempo e as condições em que, num ciclo de crescimento económico que se aproxima, poderá recuperar-se, pelo menos gradual ou parcialmente, o rendimento dos funcionários e aposentados do Estado".
A estratégia de redução da dimensão da Administração Pública passa por combinar vários instrumentos: as reformas antecipadas, a requalificação e as rescisões amigáveis. A isto soma-se uma legislação "reformista" que promova o trabalho e a reforma a tempo parcial "como opções complementares, face à contracção salarial e à requalificação". O objectivo, referiu Paulo Portas, é "garantir o rejuvenescimento" do Estado e dos serviços, dando uma atenção especial "à renovação do pessoal técnico especializado".

Comissão estuda reforma da Segurança Social
No próximo ano, o Governo vai nomear uma comissão para elaborar uma proposta de reforma do sistema de Segurança Social. Porém, essa reforma só poderá avançar quando o crescimento da economia chegar aos 2%, advertiu o vice-primeiro-ministro. Antes disso, referiu Paulo Portas, "não seria prudente."
A comissão será constituída por especialistas e peritos e terá como ponto de partida algumas ideias recuperadas do programa do Governo, e que nunca avançaram, ou que eram sugeridas no relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre a reforma da despesa do Estado. É o caso do plafonamento das contribuições e das futuras pensões e a criação de um valor máximo para as pensões pagas pelo Estado. No caso do plafonamento, a ideia é seguir um modelo de adesão individual e voluntária, com efeitos no futuro e apenas a partir de um certo limite de rendimentos, "a definir consensualmente". Até esse limite manter-se-ia a "obrigatoriedade do desconto para o sistema público", refere a proposta.
Adicionalmente, o Governo quer debater a imposição de "um valor máximo para as pensões que o Estado paga". O Estudo do FMI apontava para um tecto máximo de 5030 euros. Paulo Portas destacou que estas medidas têm que ser acompanhadas por uma actualização anual das pensões mais baixas, pelo menos ao nível da inflação.

Empresas que contratarem terão prémio adicional
As empresas que contratem desempregados para o quadro terão um incentivo adicional. O objectivo é entregar às empresas o montante - total ou parcial - que esses empregados receberiam se continuassem na situação de desemprego.
A intenção referida no guião da reforma do Estado "só pode aplicar-se a contratos sem termo", refere o documento, recuperando uma ideia que já esteve em cima da mesa por proposta de alguns parceiros sociais e nunca avançou.
O Governo relança para o debate uma outra medida que apresentou no início da legislatura mas que acabou por não avançar. Além do papel do Instituto do Emprego e Formação Profissional, admite-se que empresas privadas de recursos humanos possam ajudar "a melhorar a colocação de desempregados". "Pode pensar-se numa gestão por objectivos - um prémio por cada objectivo de colocação - e começar pelo desemprego de longa duração", refere o documento. O Governo quer ainda reforçar a fiscalização das faltas dos desempregados às entrevistas de emprego e a vigilância das recusas injustificadas de propostas de trabalho.
Muitas destas medidas terão que se estender para lá da legislatura, como referiu Paulo Portas, mas outras poderão avançar no curto prazo.

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