segunda-feira, 21 de outubro de 2013

"Nenhum governo nos poderá domesticar por razões partidárias"



"Nenhum governo nos poderá domesticar por razões partidárias"


Rui Moreira toma hoje posse como presidente da Câmara do Porto. Nos primeiros meses vai dedicar-se à cidade, mas não desiste de fazer do Porto um fórum de reflexão sobre o Estado e sobre o país
Rui Moreira, 56 anos, sucede hoje a Rui Rio na Câmara do Porto. Nesta entrevista realizada na véspera da sua tomada de posse elogia o seu ex-adversário Manuel Pizarro, com quem celebrou um acordo para a governação da cidade, recusa conferir uma natureza orgânica ao movimento dos independentes, promete continuar a lutar pelo cumprimento do preceito constitucional da descentralização e sonha com o Porto com menos pobres e com mais abertura ao exterior no prazo de quatro anos.

Na noite das eleições disse: "Se os partidos não perceberam o que se passou no Porto, então não percebem nada." Ao aceitar integrar uma coligação com o PS, Manuel Pizarro percebeu o que se passou no Porto?
Acho que sim. O Partido Socialista e a concelhia do PS perceberam e por isso mesmo vão fazer parte da governação. Compreenderam e responderam a esse desafio.

Que desafio?
A nossa candidatura não era contra os partidos. Sou um grande defensor da democracia representativa e dos partidos por razões lógicas, porque acho que a democracia directa vai mudar e se for para a frente levará sempre a modelos de populismo ou de totalitarismo. Para que isso não suceda, é preciso que os partidos percebam que o modelo da democracia representativa precisa de estar mais próximo dos seus eleitores. Era isso que queria e isso foi muito bem interpretado também pelo PS.

Disse que valorizava a governabilidade, mas que ela não era um valor absoluto. Por que fez um acordo com o PS?
Sem condições de governabilidade, o município estaria sujeito ao escrutínio directo caso a caso. Conseguindo condições de governabilidade a questão é completamente diferente. Relativamente ao nosso manifesto (que é o nosso programa), que não é negociável, o programa do PS, que foi apresentado por Manuel Pizarro, era muito próximo do nosso e aquilo que nós nos comprometemos foi a acolher algumas das suas sugestões programáticas que até enriquecem o nosso programa em questões como a coesão social. Começámos por defender a rede social e o PS também acabou por reconhecer essa rede social, mas em algumas políticas específicas, como os sem-abrigo. O PS tem propostas que nós consideramos muito interessantes e que iremos certamente acolher.

O que é que a cidade ganha com este acordo?
Ganha em ter um governo alargado com uma delegação de competência em pessoas que serão certamente capazes só por si de fazer a diferença. São pessoas cujo mérito é inquestionável, que têm provas dadas ao serviço da causa pública. E ganha também com a estabilidade. Estamos num ciclo de quatro anos - não acredito num ciclo de 12 - e para levarmos a cargo as reformas que queremos fazer temos de avançar muito rapidamente e nós sabemos que os processos podem ser mais rápidos ou menos rápidos em função de haver um consenso geral.

Nas negociações foi mais discutida o desenho da vereação ou o programa?
Nos próximos dias vamos discutir a delegação das competências, teremos a primeira reunião (e será pública), na segunda-feira, e aí, sim, serão definidas as delegações de competências. Aquilo que era importante para nós e para o PS era termos em entendimento que abrangesse a assembleia municipal, a vereação, as juntas de freguesias, mas, acima de tudo, era a harmonização programática, ou seja, o PS aceitar o nosso manifesto e nós aceitarmos contributos do PS que também se coadunam com a nossa visão geral para a cidade e podem ser harmonizados.

O seu programa eleitoral era de esquerda como é suposto que o do PS seja?
O nosso programa eleitoral, mais do que ser de esquerda ou direita, dá uma atenção muito particular à situação do país. A coesão social é uma questão fundamental. Sabíamos que a cidade ia ter de responder a isto nos próximos anos. Eu disse-o e o PS também se aproximou da nossa posição. Fomos os primeiros a falar da necessidade de fazer isso através da rede social que existe na cidade e que é um grande património e, também aí, o PS se aproxima das nossas propostas. Depois a questão muito importante do emprego, da cultura e das boas contas, que é um património que estava sob ameaça. Também aqui o PS tem uma posição muito parecida.
Estas são as questões políticas - se o nosso programa é de esquerda ou de direita, não consigo dizer, mas tenho a certeza de uma coisa: nas questões sociais considero-me de esquerda. Relativamente ao funcionamento do Estado, aí sim, sou extremamente crítico e há quem pense que a minha visão é de direita.

O PSD disse que "traiu" o seu eleitorado ao fazer este acordo com o PS.
Não comento as declarações do ainda presente da concelhia do PSD.

Não lhe merecem nenhum comentário?
Se o doutor Ricardo Almeida tivesse votado em mim ou me tivesse apoiado, poderia dizer que eu o tinha traído. Mas como acho que não votou em mim as considerações do doutor Ricardo Almeida são para mim completamente inócuas. Apenas demonstram que há partidos que ainda não perceberam o que sucedeu.

O vice-presidente da Câmara do Porto será Manuel Pizarro?
Anunciaremos a vice-presidência dentro de dias, quando apresentarmos a delegação de competências.

Que pelouros vai dar ao PS?
Vou-me sentar com Manuel Pizarro e com os outros vereadores e fazer a delegação e competências.

Como independente terá mais peso no diálogo com o poder?
A segunda câmara do país tem um peso específico. O Porto não é uma cidade qualquer e no diálogo com o Governo vale por si. O facto de eu ser independente apenas garante uma coisa: qualquer que seja o governo a minha posição e firmeza serão sempre as mesmas. O Porto sai muito reforçado por ter aparecido um modelo que é completamente divergente daquilo que tem sucedido no país, por aparecer uma candidatura independente que não pode ser calada pelas máquinas partidárias. Nesse aspecto, a nossa voz terá um eco diferente, porque o Governo, qualquer que seja, entenderá que não podemos ser domesticados por razões partidárias.

O seu antecessor, Rui Rio, foi o líder que o Porto precisava para contrariar algumas das posições centralistas que se foram manifestando nos últimos anos?
No início não foi. A ida da Agência Portuguesa para o Investimento (API) para Lisboa é o momento em que Rui Rio percebeu que tinha de desempenhar esse papel de uma forma mais activa. Lembram-se quando Miguel Cadilhe sai da API? Vem Basílio Horta e subitamente Rui Rio faz uma declaração, dizendo que era o esvaziamento de competências.

Na venda da ANA e na questão do Aeroporto Sá Carneiro a intervenção da Câmara do Porto não surgiu depois da sua?
Essa era a função que eu entendia caber à Associação Comercial do Porto. O que pensei sempre, e fazia parte da minha estratégia, foi que não bastaria berrar alto de vez em quando, a dizer que nos estavam a roubar alguma coisa. Esse modelo não funcionava, foi protagonizado pelo engenheiro Ludgero [Marques], por exemplo, com todo o mérito que ele teve no seu tempo. Entendi que uma cidade com as competências que o Porto tem, com a academia que o Porto tem, com os saberes que o Porto tem, devia para cada um desses processos propor alternativas e justificar a razão. A bem da nação e não apenas do Porto, achava que o caminho seguido era negativo. O trabalho que fizemos foi valorizado, exactamente, porque nunca dissemos: "Não nos tirem o rebuçado porque o rebuçado é nosso." Sempre explicámos que isto era mau para o Porto, mas também era mau para o país, e era mau sob o ponto de vista conceptual. Houve guerras que perdemos, como a questão do modelo da privatização do aeroporto. Já na questão do porto de Leixões e do novo aeroporto na Ota, creio que conseguimos a vitória, pelo menos para já.

Vai continuar a intervir em questões do foro regional?
Com certeza. É preciso haver uma liga de cidades, uma aliança estratégica em várias áreas. É importante que as reivindicações sejam fundamentadas, para que o país olhe de forma diferente para a descentralização, que está prevista na Constituição e que infelizmente nunca foi cumprida. É um paradoxo. Fala-se da Constituição por tudo e por nada, mas há um aspecto que lá está, que é a devolução de poderes e a descentralização que continua por realizar. E tem sido tudo feito ao contrário dele.

Pretende fazer do Porto um palco principal da reivindicação da regionalização, como fez Fernando Gomes nos anos 90?
Há um equilíbrio a fazer. Se o Porto quiser ser uma segunda capital, se quiser ser apenas o pólo alternativo no centralismo, esta guerra será perdida. O importante é que o Porto continue a indagar em nome do resto do país por que é que a descentralização, seja através da regionalização, seja por outro modelo qualquer, nunca foi posta em prática. Agora, não podemos é invocar que o Porto é o único prejudicado, porque não é. O Porto deve ser capaz de mobilizar as outras cidades para esta reclamação junto do Estado.

O presidente da Câmara do Porto deve ser também o presidente do Conselho Metropolitano [a nova designação da Junta Metropolitana]?
Não, defendo que devíamos avançar para uma eleição directa do presidente e que os vários autarcas da área metropolitana deviam formar uma espécie de senado.

Podemos dizer que Rui Moreira não será o presidente do Conselho Metropolitano?
Não está na minha agenda. Nos primeiros tempos vou ter de dedicar toda a atenção à cidade e acho que não devemos partir de um princípio de que há um direito natural do presidente da Câmara do Porto de ser o presidente da Junta Metropolitana.

Os autarcas independentes devem organizar-se e avançar unidos para a Associação Nacional dos Municípios Portugueses?
É preciso ter alguma prudência. O movimento independente deve ser inorgânico por natureza. Se começarmos a criar associações de independentes, isso não é mais do que um pseudopartido. Comigo não contarão para isso. Nós não queremos fazer parte de associações cívicas, queremos manter-nos como um movimento independente e livre. As pessoas que votaram em nós vão chegar às legislativas e votar, cada uma, no partido que quiser. Estarmos nós agora aqui a tentar criar uma orgânica à volta de movimentos independentes, que são muito diferentes entre si, não me parece interessante nem sequer legítimo.

Tem algum significado a presença do presidente da Câmara de Lisboa na sua tomada de posse?
Com certeza que tem e eu também estarei presente na tomada de posse dele. Em questões como a reabilitação urbana e noutras vai ser muito importante que Lisboa e Porto consigam entender-se. A relação entre Rui Rio e António Costa já era, em muitos aspectos, excelente. É muito importante que estes dois municípios possam reclamar que é preciso dar condições ao poder local. Quando comparamos a forma como os recursos são utilizados pelo Estado central e pelas autarquias, creio que estas podem reclamar que nos últimos 40 anos foram bastante mais eficientes do que o Estado central. Nalgumas matérias vamos concorrer com Lisboa, como já concorremos, mas em muitas outras vamos ser aliados.

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