segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Os construtores queixam-se. Mas... têm razão?


É necessário que o setor da construção compreenda que as mudanças a que assistimos em resultado da crise vieram para ficar e que não voltaremos aos excessos dos "anos loucos da construção" da viragem do século. "Mais do mesmo" seria desastroso para o país e, vendo bem, contrário à própria sustentabilidade do setor da construção, que não tardaria a recair na crise seguinte. O prejuízo resultante dos erros do passado recente não será total, se aprendermos as lições que a crise encerra."

Os construtores queixam-se. Mas... têm razão?

Nos seus relatórios mensais intitulados "Conjuntura da Construção", a Fepicop - Federação Portuguesa da Indústria da Construção e Obras Públicas, tem vindo a fazer uma análise da evolução de alguns indicadores selecionados, com que pretende pôr em evidência a situação de "colapso iminente" em que o setor atualmente se encontra e os malefícios que daí resultam para o país.
Começa normalmente a Fepicop por apontar a redução da atividade das empresas de construção em resultado da diminuição do número de encomendas, em particular em 2012 e 2013. No entanto, não refere o peso desproporcionado que o setor tem tido em Portugal, no passado recente. Nos últimos quatro anos da década de 90, o setor português da construção cresceu 30%, mais de dez vezes a média da UE; nos primeiros anos da década de 2000, Portugal era, relativamente à sua população, o país da Europa onde se construíam, anualmente, mais habitações, apesar de já ser aquele que detinha o maior "stock" per capita de habitações; segundo o último relatório do Euroconstruct, o Grupo de Pesquisa e Previsão do Setor Europeu da Construção, em 2011 (último ano em que a análise se baseia em valores confirmados), a produção do setor da construção em Portugal ainda representava uma proporção de 12,4% do PIB, em comparação com os 10,5% dos 15 países da Europa Ocidental daquela organização.
O relatório mensal da Fepicop aponta também, habitualmente, a redução do número de empresas de construção, sem lembrar que, em 2007, antes da crise, Portugal tinha três vezes mais empresas de construção por unidade de PIB do que a média dos países da União Europeia (UE27).
A Fepicop tem também referido, nos seus últimos relatórios de conjuntura, os cerca de 100 mil desempregados oriundos da construção, sem lembrar que o crescimento desmesurado que a construção teve em Portugal antes da crise tornou-a o segundo maior empregador a seguir ao Estado. Em 2007, já depois de ultrapassado o pico da "febre da construção", mais de 15% da força de trabalho do setor não financeiro da nossa economia estavam ainda concentrados na construção, uma percentagem apenas ultrapassada, segundo o Eurostat, por quatro dos 27 países da UE (Polónia, Espanha, Chipre e Luxemburgo). Portugal tinha, em 2007, antes da crise, 2,6 vezes mais pessoas a trabalhar na construção por unidade de PIB do que a média dos países da União Europeia.
Continua a Fepicop as suas queixas, reportando-se à construção de novas habitações, para apontar a grande redução do número de novos fogos habitacionais licenciados: "apenas" 1300, nos dois primeiros meses de 2013. Interessa, no entanto, referir que, de acordo com o supracitado summary report do Euroconstruct, Portugal tinha em 2011, mais de 1.800.000 habitações sem ocupação permanente, das quais mais de 730.000 se encontravam totalmente devolutas. Em relação à população, Portugal tinha, em casas devolutas, nesse ano, mais de 2,5 vezes a média dos países da Europa Ocidental do Euroconstruct. Importa ainda referir que, na previsão que o Euroconstruct faz para 2015, Portugal tenderá a afastar-se ainda mais da média dos países da Europa Ocidental, com mais de 70 casas devolutas por 1000 habitantes, contra 22,8.
Ainda segundo a Fepicop, o consumo anual de cimento no mercado nacional registou em 2012 uma nova quebra, fixando-se em 3,3 milhões de toneladas, o que, lamenta a instituição, torna necessário recuar até 1973 para se encontrar um ano com um consumo de cimento inferior ao registado. Note-se, no entanto, que, no ano 2000, Portugal era o maior consumidor europeu de cimento, com cerca de duas vezes a capitação média da Europa e quatro vezes a média mundial! Já em 2011, portanto, em plena crise, segundo o último relatório do Euroconstruct, o consumo de cimento per capita em Portugal, com 470 kg/hab.ano, estava bem acima da média dos 15 países da Europa Ocidental, com 358 kg/hab.ano.
A crise do setor da construção contém lições importantes que é preciso retirar. Mas será que o setor da construção aprendeu essas lições? Ou estará a contar com "mais do mesmo"?
São hoje bem claros os exageros da construção em Portugal e o contributo desses exageros para a atual situação do país. Na medida em que as necessidades do país em termos de construções estão satisfeitas e, em muitos casos, até ultrapassadas, é natural e desejável que a atividade e o número de empresas de construção se reduzam.
Passadas "as dores de parto", a crise do setor da construção pode trazer importantes benefícios para o país, na medida em que a "nova construção" contribuirá para tornar a nossa economia mais sustentável e mais competitiva.
A "nova construção" terá muito menos a ver com "construção nova" e muito mais com "construção no construído", com benefícios em várias frentes:
Na frente do ordenamento do território, com a redução da betonização do solo e da inerente destruição de ecossistemas e desvalorização da paisagem e do património natural;
Na frente ambiental, com a redução de emissões: mais de 30% do consumo total de energia no ciclo de vida dum edifício corresponde à sua construção e demolição; 5% a 7% das emissões de CO2 são, a nível global, originadas pelo fabrico de betão.
A "nova construção" irá concentrar-se:
- Na melhoria do desempenho dos edifícios existentes em diversas vertentes: conforto e habitabilidade, acessibilidade, energética, segurança contra incêndio, segurança estrutural (sismo, vento)...
- Na manutenção das infraestruturas construídas existentes;
- Na modificação das infraestruturas ribeirinhas para ter em conta o resultado das alterações climáticas e suas consequências;
- Na desativação e remoção de edifícios e infraestruturas obsoletas ou de impacto fortemente negativo dos pontos de vista económico, social ou ambiental;
- Na descontaminação de solos, rios e zonas costeiras e na recuperação de ecossistemas afetados por construções.
É necessário que o setor da construção compreenda que as mudanças a que assistimos em resultado da crise vieram para ficar e que não voltaremos aos excessos dos "anos loucos da construção" da viragem do século. "Mais do mesmo" seria desastroso para o país e, vendo bem, contrário à própria sustentabilidade do setor da construção, que não tardaria a recair na crise seguinte. O prejuízo resultante dos erros do passado recente não será total, se aprendermos as lições que a crise encerra.
GECoRPA - Grémio do Património

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