segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Jovens portugueses qualificados emigram para poder "ser adultos"




"Apesar de andar especificamente à procura da nova emigração qualificada, o sociólogo estava sempre a esbarrar com a nova emigração desqualificada. "Nas entrevistas aos cônsules, de Paris, Bordéus e Marselha, aos vereadores portugueses nas prefeituras, aos responsáveis das agências bancárias, aos membros das associações de portugueses, só me falavam desta emigração desqualificada", recorda. As alusões decorrem do facto de estes emigrantes desqualificados estarem não só a aumentar, mas a ameaçar deitar por terra o velhíssimo estereótipo do emigrante português pacato e ordeiro. "Estamos a falar de jovens que vão trabalhar para a construção civil, em empresas portuguesas que conseguem oferecer preços mais competitivos do que as francesas e até mesmo do que as portuguesas que operam em França e se regem pela legislação francesa. A questão é que, como os portugueses obrigam a trabalhar mais horas, a receber menos em condições mais precárias, começa a haver queixas de concorrência desleal e notícias de quezílias e escaramuças que requerem a intervenção da polícia", relata."
Novos emigrantes não se cruzam com a velha diáspora portuguesa

Jovens portugueses qualificados emigram para poder "ser adultos"


Estudo efectuado pelo sociólogo João Teixeira Lopes sobre Novos Emigrantes para França: a geração Europa é apresentado amanhã e aponta o risco de Portugal perder o rasto dos novos emigrantes
Os jovens portugueses que emigraram para França foram levados pela vontade de "completar a transição para a vida adulta" e de "deixarem de estar bloqueados" numa espécie de juventude condenada pela precariedade e pela impossibilidade de emancipação. A conclusão é do sociólogo João Teixeira Lopes, que já foi deputado do BE, e consta do estudo Novos Emigrantes para França: a geração Europa, que vai ser apresentado amanhã, no Porto, e que aponta a necessidade urgente de o país conseguir manter os laços com estes emigrantes.
Desde os fenómenos migratórios para França iniciados na década cristalizada no filme A Gaiola Dourada, realizado por Ruben Alves - um dos oradores no colóquio, que se realiza na Biblioteca Almeida Garrett -, aos protagonizados agora pelos jovens qualificados a que João Teixeira Lopes chama "a geração Europa", mudaram as motivações, a forma de ir e, sobretudo, a forma de lá estar.
"O que levou estes jovens até França não foi o desespero nem a exclusão social imediata. Foi o quererem deixar de ser jovens e completar a transição para a vida adulta. No fundo, para deixarem de estar bloqueados na precariedade a que estão condenados em Portugal", insiste o autor do estudo, financiado pela Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas.
Nos inquéritos e nas entrevistas que, ao longo do último ano, realizou a 133 jovens portugueses radicados em França, João Teixeira Lopes encontrou "profissionais que estão a progredir rapidamente, altamente requisitados, alguns com lugar já na função pública francesa, outros transformados em pequenos empresários ou trabalhadores por conta própria". "Essa evolução foi feita com uma rapidez surpreendente", sublinhou, frisando tratar-se de profissionais das áreas da saúde - enfermeiros, fisioterapeutas... -, informática e consultoria financeira.
Na comparação com o passado, mudou a forma de ir, porque estes jovens, que cresceram com a ideia de que circular numa Europa sem fronteiras é normal, "preparam eficazmente a sua saída". Não levam a pressa do desespero, até porque "provêm de famílias favorecidas e com recursos" e a maioria já vai com emprego garantido. "Para eles, é uma experiência com riscos e incertezas, mas sem drama nenhum".
E mudou a forma de estar lá. "Muitos acabam numa situação de conjugalidade, com portugueses que encontram lá ou que vão lá ter - apenas 20% já vão com namorados -, com carreira, remuneração, casa própria, naquilo que é sociologicamente considerado uma vida adulta", caracteriza o sociólogo. E vivem vidas cosmopolitas, com o que isso compreende de "idas ao cinema, a espectáculos, jantar fora, viajar...".
A facilidade instalada em termos de comunicações e redes sociais, dos smartphones ao telefone fixo gratuito, faz com que contactem todos os dias com a família e amigos que deixaram para trás. Mas a facilidade proporcionada pelas comunicações e pelas redes sociais, cria um efeito paradoxal: os novos emigrantes qualificados não têm amigos franceses nem se cruzam com a velha diáspora portuguesa, na qual não se revêem. "Mantêm-se num limbo curioso", aponta o autor do estudo, para denunciar o "potencial de anomia" destes jovens. "Vivem num gueto, não é um gueto desqualificado, mas é, ainda assim, um gueto".
A prazo, o efeito pode ser pernicioso. "Os anos passam e não sei se estas pessoas conseguirão ter capital social suficiente para se sentirem bem, felizes e integradas", questiona, numa comparação directa com os emigrantes portugueses "da velha guarda", que, com o passar dos anos e das gerações, "se constituíram como uma comunidade que já tem milhares de eleitos em França, com capacidade de influenciar as políticas públicas, por via também de redes empresariais, confrarias de financeiros...".
Do lado de cá, e também porque não precisam das autoridades portuguesas para planear a sua saída, "estes jovens escapam totalmente às malhas das políticas públicas", ou seja, "deixam de existir". Assim, a única coisa que o país ganha com estas saídas é redução das taxas de desemprego, segundo Teixeira Lopes: "O país não conseguirá rentabilizar o facto de ter pessoas altamente qualificadas e bem inseridas no mercado de trabalho francês, se não conseguir chegar até estes jovens".
No recomendado restabelecimento dos laços, de pouco valerão as embaixadas e consulados. Para conseguir identificar os 113 jovens inquiridos, João Teixeira Lopes espalhou apelos por redes como o Facebook e o Linkedin. "Queria jovens, entre os 20 e os 35 anos, com formação superior. Nas instituições oficiais, não consegui nada, o que mostra que eles não contactam as instituições oficiais portuguesas. O cartão de cidadão funciona muito bem. Eles tratam das questões da Segurança Social, sim, mas em França", relata.
Apesar de andar especificamente à procura da nova emigração qualificada, o sociólogo estava sempre a esbarrar com a nova emigração desqualificada. "Nas entrevistas aos cônsules, de Paris, Bordéus e Marselha, aos vereadores portugueses nas prefeituras, aos responsáveis das agências bancárias, aos membros das associações de portugueses, só me falavam desta emigração desqualificada", recorda. As alusões decorrem do facto de estes emigrantes desqualificados estarem não só a aumentar, mas a ameaçar deitar por terra o velhíssimo estereótipo do emigrante português pacato e ordeiro. "Estamos a falar de jovens que vão trabalhar para a construção civil, em empresas portuguesas que conseguem oferecer preços mais competitivos do que as francesas e até mesmo do que as portuguesas que operam em França e se regem pela legislação francesa. A questão é que, como os portugueses obrigam a trabalhar mais horas, a receber menos em condições mais precárias, começa a haver queixas de concorrência desleal e notícias de quezílias e escaramuças que requerem a intervenção da polícia", relata.

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