Machete, as desculpas e a vergonha do país
Editorial/ PúblicoO pedido de desculpas do ministro a Angola é uma afronta aos tribunais e cobre Portugal de vergonha
O episódio que envolveu o ministro Rui Machete e
Angola, com o primeiro a pedir desculpas públicas por um processo que corre
soberanamente pelos tribunais portugueses, tem tanto de patético quanto de
grave. Patético, porque não há outro nome para designar o espectáculo
proporcionado por um membro do Governo português que, numa entrevista à rádio de
um país estrangeiro (que neste caso é Angola mas poderia ser a China, a Rússia
ou os Estados Unidos da América), entendeu não só "desdramatizar" um processo
judicial que envolve altas figuras do regime desse país, assegurando que nele
"não há nada de substancialmente digno de relevo, e que permita entender que
alguma coisa estaria mal, para além do preenchimento dos formulários e de
algumas coisas burocráticas", como ainda, cúmulo dos cúmulos, revelou que disso
dera conta às autoridades (de Angola) "pedindo, diplomaticamente, desculpa, por
uma coisa que, realmente, não está na nossa mão evitar". O que faz a sede de
negócios e ao que chega a nossa miséria!... Mas, como se disse, isto não é
apenas patético, é também grave. Saberá o ministro, aliás advogado experiente,
que em Portugal vigora, como ontem bem lembrou a procuradora-geral da República,
"o princípio da separação entre os poderes legislativo, executivo e judicial"?
Saberá que não cabe a nenhum ministro, nem mesmo ao primeiro, dar explicações
que só competem aos tribunais? Sabendo tudo isto, Rui Machete fez ainda outra
coisa igualmente grave: disse à Rádio Nacional de Angola que a procuradora-geral
lhe "deu informações genéricas, como aliás foram pedidas", sobre o caso, e agora
garante que "nunca foi informado, nem nunca fez perguntas" a qualquer instância
judicial...
Convém que se diga: há formas bem mais dignas de não estragar negócios nem
afastar investidores, neste caso angolanos. Mas esta é deplorável e cobre o país
de vergonha. E não pode, nem deve, ficar por aqui.Ministro com versões contraditórias sobre inquérito a dirigentes angolanos
Rui Machete disse a rádio angolana que a procuradora-geral lhe assegurou que investigação não tinha gravidade, mas agora garante que não perguntou nada a Joana Marques Vidal ou a outra instância judicial
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete,
fez ontem uma declaração a esclarecer o teor de uma entrevista dada à Rádio
Nacional de Angola (RNA), a 18 de Setembro, apresentando uma versão contrária ao
que afirmou no mês passado. Rui Machete disse à rádio angolana que a
procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, lhe assegurou que a
investigação não tinha gravidade, mas agora garante que não perguntou nada à
Procuradoria ou a qualquer instância judicial.
Para justificar como obteve as informações que transmitiu na entrevista, Rui
Machete diz que recorreu a um comunicado com perto de um ano, de Novembro de
2012. Nessa pequena nota, o Ministério Público apenas confirma a "existência de
um processo-crime contra altos dirigentes angolanos", e que o mesmo não tem
constituídos quaisquer arguidos. "O processo encontra-se em segredo de justiça,
pelo que não é possível, neste momento, prestar quaisquer outros
esclarecimentos", alega-se na nota. Dados bastante diferentes dos que são referidos pelo ministro na entrevista à rádio. "Tanto quanto sei, não há nada substancialmente digno de relevo, e que permita entender que alguma coisa estaria mal, para além do preenchimento dos formulários e de coisas burocráticas", afirmou Machete àquela rádio, acrescentando depois ter informado as "autoridades de Angola, pedindo, diplomaticamente, desculpa, por uma coisa que, realmente, não está na nossa mão evitar".
O ministro continua fazendo referências concretas a um pedido de informações feito a Joana Marques Vidal. "E, simultaneamente, perceber o que aconteceu do lado do nosso Ministério Público. Penso que, nesse aspecto, a senhora procuradora-geral deu informações genéricas, como aliás foram pedidas, que nos asseguram que as coisas não tinham nenhum grau de gravidade", referiu. O ministro faz todas as referências à investigação no passado, como se o inquérito já não existisse.
Contudo, tal não corresponde à realidade. O PÚBLICO confirmou ontem junto de fonte judicial que o inquérito que visa altos dirigentes angolanos - como duas filhas do Presidente José Eduardo dos Santos, Tchizé e Isabel dos Santos, e o vice-presidente de Angola, Manuel Vicente -, continua a correr, apesar de ainda não ter arguidos. Neste momento, estão a ser feitas análises periciais à informação bancária recolhida.
Na declaração enviada ontem ao PÚBLICO, Rui Machete garante não ter interferido na independência do MP. "Não fui informado, nem nunca fiz perguntas à Procuradoria-Geral da República, ou a qualquer instância judicial, sobre quaisquer processos que aí decorressem", assegura. E alega: "Na realidade, não sabia, nem sei, nada mais do que disse além do que foi referido na citada entrevista e que é, aliás, do conhecimento público".
Pouco antes, a procuradora-geral da República garantia, numa nota enviada aos meios de comunicação social, que "nunca proferiu qualquer comentário sobre o conteúdo" das investigações do Departamento Central de Investigação e Acção Penal que envolvem cidadãos angolanos, "nem teceu considerações com ninguém sobre quaisquer processos sujeitos ao regime do segredo de justiça".
A magistrada sublinha que, em Portugal, "vigora o princípio da separação entre os poderes legislativo, executivo e judicial, estando constitucionalmente consagrada a independência dos tribunais e a autonomia do Ministério Público, designadamente no que respeita ao exercício da acção penal".
Joana Marques Vidal confirma que estão pendentes no DCIAP "vários processos em que são intervenientes cidadãos angolanos", quer suspeitos, quer queixosos. E refere que os inquéritos se encontram em segredo de justiça, "pelo que o respectivo conteúdo só é acessível aos intervenientes processuais a quem a lei confere tal direito".
Antes, a direcção da Associação Sindical dos Juízes Portugueses tinha apelado à Procuradoria e ao Governo para esclarecerem rapidamente o pedido de desculpas feito por Machete. "Poderá ficar a suspeita pública de que o curso de um processo criminal pode sofrer uma interferência política", justificavam os juízes.
Seguro pede demissão de Machete
Declarações à Rádio Nacional de Angola violam a dignidade e ética
republicana, diz líder do PS.
Na sequência da polémica das declarações de Machete à
Rádio Nacional de Angola, em que o ministro pediu desculpas ao país pelas
investigações que o Ministério Público português tem em curso a várias figuras
angolanas, Seguro colocou uma mensagem na sua página no Facebook em que
considera as declarações do ministro como de “uma enorme gravidade”
“O ministro violou os princípios da separação de poderes e da autonomia da
investigação criminal”, diz o líder do PS. Seguro acrescenta que, “se existisse
um mínimo de dignidade, o ministro já devia ter apresentado a sua demissão”.
“Como não o fez, o primeiro-ministro já o devia ter demitido”, acrescenta.Mais tarde, num comunicado enviado à agência Lusa, Seguro apelou ao Presidente da República para que não fique de “braços cruzados em nome dos valores da República” e “exija ao primeiro-ministro que tire as devidas consequências deste caso".
"Como nem um [Machete] nem outro [Passos Coelho] agem com a dignidade que a ética republicana exige aos seus governantes, faço um apelo ao Presidente da República", escreveu António José Seguro.
Desculpas a Angola
O Diário de Notícias divulgou na sexta-feira que Rui Machete pediu desculpa a Angola por investigações do Ministério Público português a empresários angolanos. Machete disse, em meados de Setembro, à Rádio Nacional de Angola que as investigações não eram mais do que burocracias e formulários referentes a negócios de figuras do regime angolano em Portugal.
Entretanto, na sequência da
polémica que essas declarações geraram em Portugal,
o ministro dos Negócios Estrangeiros enviou na sexta-feira uma declaração às
redacções a esclarecer o teor da entrevista, apresentando agora uma versão
contrária ao que afirmou no mês passado.
Machete disse à rádio angolana que a procuradora-geral da República, Joana
Marques Vidal, lhe assegurou que a investigação não tinha gravidade, mas agora
garante que não perguntou nada à procuradoria ou a qualquer outra instância
judicial.Para justificar como obteve as informações que transmitiu na entrevista, Rui Machete diz que recorreu a um comunicado com perto de um ano, de Novembro de 2012. Nessa pequena nota, o Ministério Público apenas confirma a “existência de um processo-crime contra altos dirigentes angolanos” e que o mesmo não tem ainda quaisquer arguidos.
“O processo encontra-se em segredo de justiça, pelo que não é possível, neste momento, prestar quaisquer outros esclarecimentos”, alega-se na mesma nota divulgada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) há cerca de um ano.
Dados bastante diferentes dos que foram agora referidos pelo ministro na entrevista à rádio angolana. “Tanto quanto sei, não há nada de substancialmente digno de relevo, e que permita entender que alguma coisa estaria mal, para além do preenchimento dos formulários e de coisas burocráticas”, afirmou Machete àquela rádio, acrescentando depois ter informado as “autoridades de Angola pedindo, diplomaticamente, desculpa, por uma coisa que, realmente, não está na [sua] mão evitar”.
O conteúdo da entrevista de
Machete à Rádio Nacional de Angola motivou também um comunicado de
esclarecimento divulgado sexta-feira pela PGR, em que a
procuradora Joana Marques Vidal garante nunca ter proferido “qualquer comentário
sobre o conteúdo” dos inquéritos em curso no Departamento Central de
Investigação e Acção Penal (DCIAP) que envolvem cidadãos angolanos, “nem teceu
considerações com ninguém sobre quaisquer processos sujeitos ao regime do
segredo de justiça”.
Na mesma nota, Joana Marques Vidal confirma que estão pendentes no DCIAP “vários processos em que são intervenientes cidadãos angolanos, quer na qualidade de suspeitos, quer na qualidade de queixosos”. E adianta que os inquéritos se encontram em segredo de justiça, “pelo que o respectivo conteúdo só é acessível aos intervenientes processuais a quem a lei confere tal direito”.
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