Eucalipto avança sobre áreas ardidas em 2004 na serra do Caldeirão
Produtores aproveitam vazio deixado por um dos maiores incêndios de há nove anos no Algarve para substituir espécies
A presença do eucalipto na serra do Caldeirão, no
Algarve, está em crescendo. Há produtores que aproveitam o vazio deixado por um
dos grandes incêndios de 2004 para substituir o sobreiro por aquela espécie. O
Governo minimiza o problema sustentando que o eucalipto ocupa uma área residual
face à que foi consumida pelas chamas.
No dia 26 de Julho de 2004, junto à Portela do Moinho, na freguesia de S.
Barnabé, Almodôvar, em plena serra, deflagrou um incêndio que, nos quatro dias
seguintes, se estendeu aos concelhos de Loulé e de S. Brás de Alportel. No fim,
tinha consumido 28.620 hectares dos cerca de 80 mil hectares dos sobreirais da
serra algarvia, onde se produz a mais valiosa cortiça do mundo.Desde então, diferentes promessas de apoio foram feitas por sucessivos governantes. Centenas de famílias que viviam isoladas no interior da serra do Caldeirão e que têm na cortiça, nos produtos silvestres (medronho, mel, cogumelos silvestres) e na pastorícia o seu modo de vida, foram afectadas. Porém, segundo representantes locais, as promessas não se concretizaram.
O coordenador da Associação dos Produtores Florestais da Serra do Caldeirão (APFSC), José Albuquerque, sintetiza o que se passou ao longo da última década: "Os programas e as promessas não-cumpridas foram tantas e tantas foram as coisas que se podiam fazer e não fizeram." O presidente da Câmara de Almodôvar, António Sebastião, acrescenta que, perante a impossibilidade de recuperar o património perdido, as pessoas "estão a ser empurradas para plantar eucaliptos".
Esta alternativa, observa o autarca, é sustentada com uma frase sedutora: "semeiem hoje [eucaliptos] e colham amanhã". Isto porque um sobreiro, depois de plantado, só ao fim de 40 anos é que começa a dar a primeira cortiça. O eucalipto, pelo contrário, pode tornar-se rentável ao fim de nove ou dez anos. Contudo, "um sobreiral é mais rentável do que o eucaliptal", diz Albuquerque.
António Sebastião critica a gestão florestal na serra, realçando a "posição abusiva do eucalipto" com "enormes extensões" plantadas, uma opção que diz "não corresponder aos interesses da região". O problema reside nas áreas onde o montado foi destruído.
O Ministério da Agricultura e do Mar (MAM), em resposta ao PÚBLICO, disse que, para debelar a destruição provocada pelo incêndio de 2004, "o Estado assegurou a concretização do planeamento da recuperação das áreas ardidas" com a "participação" das autarquias e também de "todos" os agentes locais.
Interesse espanhol
Relativamente à reflorestação, o MAM sustenta que "o Estado disponibilizou" medidas de apoio financeiro para o "restabelecimento" do potencial de produção silvícola, com "níveis elevados de co-financiamento público (80%, podendo ser majorado até 95%) do programa Agro".
As consequências do incêndio de 2004 continuam a fazer-se sentir, garante Sérgio Manuel Afonso Palma, presidente da Junta de Freguesia de S. Barnabé, realçando as "enormes perdas" na primeira colheita de cortiça após o incêndio. Agora "há mais matas de eucaliptos" e até os espanhóis consideram a zona como "um dos melhores locais para os plantar", observa este autarca, apelando às autoridades para que "não deixem que se cubra tudo de eucaliptos".
O MAM socorre-se dos dados provisórios do último Inventário Florestal Nacional de 2010 para dizer que a área ocupada com eucalipto "é irrisória: pouco mais de 2% da superfície total de povoamentos florestais".
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