"É esta fraqueza das lideranças políticas que nos deixa com
medo de amanhã."
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O país que adora resgates
Em 2011, muitos "salivavam" só de ouvir falar de um resgate. Agora, muitos voltaram a "salivar"
1Nos primeiros meses de 2011, quando se sucediam os
PEC e as idas a Berlim, verificou-se uma estranha convergência entre políticos,
analistas e afins, que "salivavam" (desculpem os leitores a palavra pouco
elegante mas não me ocorre outra) só de falar ou ouvir falar de um resgate a
Portugal. Com os olhos postos apenas no primeiro-ministro da altura, que
desejavam correr do Palácio de São Bento o mais depressa possível, valia tudo -
mesmo uma humilhação nacional - para conseguir esse fim. Sócrates, à sua maneira
e com erros enormes, fez o que qualquer governo faria nas mesmas circunstâncias:
convencer a chanceler (quase o chegou a fazer) a aceitar uma outra forma de
ajuda que não implicasse o modelo já aplicado na Grécia e na Irlanda. Mas isso
pouco interessava. Pedro Passos Coelho queria eleições o mais depressa possível
e o seu partido ainda mais depressa. O Presidente tinha uma oportunidade de se
vingar de Sócrates. O chumbo do PEC IV acabou por abrir as portas ao "FMI", como
na altura se dizia para carregar mais as tintas. O Governo negociou o programa
de ajustamento com a troika. As eleições deram a vitória ao PSD, cuja mensagem
era um rol de promessas que nunca seriam cumpridas. Pedro Passos Coelho
convenceu-se de que o programa da troika era a oportunidade perfeita para
realizar o seu próprio programa político. Já muita coisa foi feita. Faltou o
essencial. Primeiro, uma ideia de desenvolvimento para o país, que fosse mais
sustentável do que empobrecer quase toda a gente (menos os que já eram pobres e
os que continuam a ser ricos). Depois, um consenso político interno capaz de
aumentar o poder negocial junto da troika. A culpa cabe, em grande medida, ao
primeiro-ministro, que se convenceu que a sua missão era salvar o país contra
tudo e contra todos. O PS ajudou à festa com um comportamento errático, sem uma
visão com princípio, meio e fim, que pudesse ser discutida e não um catálogo de
medidas, bastante simpáticas mas sem responder à questão fundamental: como
recuperar a credibilidade externa e como oferecer aos portugueses um caminho que
fosse compatível com as exigências europeias para nos mantermos no euro.
Mas eis que o resgate - não o primeiro, mas um ainda mais humilhante segundo
- volta à cena para se transformar, como há três anos, em arma política. Sem a
menor preocupação com o que isso representaria para o país e para cada um de
nós. E não falo apenas da austeridade ou dos efeitos perversos de um programa de
ajustamento mal pensado, mal aplicado e rigidamente imposto. Falo da humilhação
do país, do seu enfraquecimento no quadro europeu, da sua dificuldade em
conseguir atrair investimento externo, sem o qual vai ser muito difícil crescer.
Toda a gente passou a andar com o "resgate" na boca. Muita gente voltou a
"salivar" só de pensar nessa hipótese. 2. Na sexta-feira, no debate parlamentar com o primeiro-ministro, a primeira coisa que o líder da oposição resolveu fazer foi precisamente jogar com o resgate, de uma forma inútil e demagógica. E infelizmente num registo de falsas promessas e de ilusões próximo daquele que o PSD usou na campanha eleitoral de 2011. A questão é saber se os portugueses vão voltar a acreditar no milagre da multiplicação dos pães que Seguro promete de cada vez que fala.
Há formas de governar muito diferentes daquela que o actual Governo pratica. Apesar das dificuldades, que ninguém nega, a tentação de penalizar os mais fracos, de pôr uns contra os outros, da intuição, que todos temos, de que os interesses mais ou menos obscuros dos mais poderosos não são afectados, minaram a autoridade de Passos Coelho. Mas falta-nos ainda encontrar no PS a garantia de que há um outro caminho para chegar ao mesmo objectivo. Não vale a pena dizer que a dívida é insustentável e, ao mesmo tempo, achar que a meta do défice desse ser "flexibilizada". As duas coisas são contraditórias. Mas também não vale a pena dizer que pagaremos a dívida sem crescimento ou sem uma profunda mudança nas condições de governo da união económica e monetária. Essas dependem de Berlim.
3. Creio que os resultados das autárquicas demonstraram que os eleitores, de uma forma ou de outra, tiveram bastante discernimento. Arrasaram o PSD (embora não na dimensão com que outros países do euro têm arrasado os seus governos), o que se compreende, mas decidiram ainda não apostar todas as fichas no PS. Talvez porque lhes cheire a coisa demasiado fácil e intuam que um governo liderado por António José Seguro não estaria em condições de fazer substancialmente diferente, caso as condições europeias não mudassem, e elas não vão mudar tão depressa. E isso leva-nos directamente ao novo vice-primeiro-ministro, responsável pelas negociações com a troika. Paulo Portas é o responsável por uma crise política que ajudou a minar a nossa credibilidade externa a tal ponto que os juros voltaram a disparar para níveis insustentáveis. Voltou como se nada fosse com ele. Andou a fazer uma visita aos chefes da troika cujos resultados desconhecemos por completo. Chegou da volta anunciando que o objectivo era um défice de 4,5 por cento para 2014. Apresentou-se na quinta-feira aos portugueses com um discurso absolutamente extraordinário. O Governo (ele) exerceu o seu dever "patriótico" de exigir maior flexibilidade, mas a troika mostrou-se intransigente. Mas foi ainda mais longe: apresentou o resultado das avaliações como se o Governo tivesse conseguido para 2014 um caminho mais fácil. Evidentemente, graças à sua entrada em cena. Não é assim. As medidas que estão a funcionar este ano e as que, em Maio, Passos Coelho anunciou para 2014 não desapareceram. Ainda nada de substancial mudou na Europa para nos facilitar a vida. A sustentabilidade ou não da dívida depende mais das decisões de Merkel no seu terceiro mandato do que qualquer esforço nacional.
O sorriso com que se apresentou é o mesmo que exibiu na noite das eleições para anunciar o seu famoso "penta". Quem pensará o vice-primeiro-ministro que engana?
4. É esta fraqueza das lideranças políticas que nos deixa com medo de amanhã. Se juntarmos a este quadro tristíssimo o Tribunal Constitucional, cujos juízes vivem fora do mundo e que se acham com o direito de interpretar a Constituição como se nada mais existisse à face da terra, então é caso para ficarmos ainda mais assustados. Dizia alguém que a culpa não era apenas dos juízes mas do facto de não haver um debate sério sobre a situação do país e sobre as suas opções que condicionaria as decisões do TC. É verdade. Mas também é verdade que é muito difícil de aceitar que o TC tenha o poder de decidir em que país eu vivo: fora do euro ou dentro do euro. Se não há outra forma de interpretar a Constituição, então é preciso mudar a Constituição.
Mário Soares está a escrever um livro cujo título é "Amar Portugal". É um sentimento profundo que ele sempre teve na sua relação com o país, que justifica a mágoa com que olha para o que se está a passar connosco e com a Europa. Como escrevia há dias João Miguel Tavares, talvez valesse a pena sermos todos um pouco mais patriotas para conseguirmos sair daqui. Temos de provar aos altíssimos funcionários de Bruxelas ou aos arrogantes alemães (embora, em matéria de arrogância, haja muito pior) que não vale a pena ameaçar-nos porque nós saberemos chegar onde é preciso. Outra coisa não seria admissível. Mas, infelizmente, neste país o inadmissível é possível. Até quando?
1 comentário:
Quanto a salivar pelo resgate os grandes banqueiros(em aperto)estiveram em destaque,e além desses todos os que vivem à conta do sistema agiota.
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