"Mas acreditar nisso seria esquecer os dias em que Paulo Portas
nos surgiu como o mentor de uma reforma do Estado que nunca aconteceu, as horas
em que o vice-primeiro-ministro apresentou ao país a sua "irrevogável
demissão", ou ainda os momentos em que, fazendo ele de D. Quixote e a
ministra das Finanças de Sancho Pança, investiram contra a Europa e o FMI
exigindo tolerância nas metas do défice."
O OE de 2014 é filho do fracasso da reforma do Estado, da derrota com a
troika e da crise de Portas
A menos de um ano do fim do programa de ajustamento,
da saída da troika e do veredicto sobre a necessidade ou não de um novo resgate,
o Governo deixou-se de lirismos no orçamento e dedicou-se a atirar sobre alvos
sem hipóteses de recuo ou de fuga: os funcionários públicos e os pensionistas.
Aconteça o que acontecer, mais de 80% da consolidação orçamental necessária para
fazer baixar o défice para 4% do produto estão garantidos com os cortes nos
salários dos servidores do Estado e das pensões. Se até agora o Governo
arriscava nas incertezas dos acréscimos da receita fiscal, sempre sujeitos aos
humores da conjuntura, desta vez fez a revisão em baixa de todas as expectativas
e decidiu subtrair na folha de pagamentos do seu pessoal e dos pensionistas. Em
circunstâncias normais, poderia pensar-se num acto que resulta de uma reflexão
ponderada e longa sobre o que fazer no futuro próximo. Mas acreditar nisso seria
esquecer os dias em que Paulo Portas nos surgiu como o mentor de uma reforma do
Estado que nunca aconteceu, as horas em que o vice-primeiro-ministro apresentou
ao país a sua "irrevogável demissão", ou ainda os momentos em que, fazendo ele
de D. Quixote e a ministra das Finanças de Sancho Pança, investiram contra a
Europa e o FMI exigindo tolerância nas metas do défice. Ficando todas estas
iniciativas marcadas pelo desnorte e condenadas pelo fracasso, restava ao
Governo usar o seu último fôlego para evitar a todo o custo o segundo resgate.
Para o ajudar, foram convocados o brutal aumento de impostos de 2013, 660 mil
funcionários do Estado, incluindo os que ganham 600 euros, os carros de serviço
e a gasóleo, o tabaco e o uísque, as eléctricas e a banca. Em desespero de
causa, o Governo que prometera ao país uma solução programática com amanhãs que
cantam recorre a tudo o que mexe para evitar a derrota final, a sua e a do país,
no Verão de 2014. Oxalá tenha sorte. Porque depois do que vivemos, mérito é
coisa que dificilmente poderá reclamar.
Editorial/Público
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