quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Anulação de concurso para novo hospital de Lisboa causa polémica. Colina de Santana sob ameaça imobiliária




 O Hospital de Todos os Santos, recorde-se, pretende substituir seis velhos hospitais: São José, Capuchos, Santa Marta, Estefânia, Curry Cabral e Maternidade Alfredo da Costa, cujas obras de manutenção e conservação, custarão 417,1 milhões de euros. Além disso, todos os anos, alega o ministro da Saúde, são pagos sete milhões de euros em rendas à Estamo (empresa do grupo Parpública, que gere a compra e venda de imóveis estatais), pois o Estado vendeu a esta sociedade os terrenos do São José, Capuchos e Santa Marta e ainda metade da área do Curry Cabral. Segundo as estimativas do Executivo, o retorno do investimento deveria chegar em apenas cinco ou seis anos.
In Sol online




Anulação de concurso para novo hospital de Lisboa causa polémica


Consórcio que em 2010 venceu o concurso para a construção da unidade hospitalar vai exigir indemnização pelos gastos com o projecto agora anulado. Governo vai lançar novo concurso em 2014
Entre problemas com o nome, atrasos e modelos de funcionamento, o novo Hospital de Lisboa Oriental está de novo envolto em polémica. A construção está prevista há vários anos e 2012 chegou mesmo a ser a data avançada para a sua conclusão. A instituição teve um consórcio vencedor em 2010, mas o Governo fez ontem saber que, depois de vários estudos, decidiu anular o concurso, que era considerado arriscado para o Estado, e lançar um novo no próximo ano, estimando que o projecto permita uma poupança de 166 milhões de euros. A cidade não terá a nova unidade hospitalar antes de 2017.
O agrupamento Salveo (composto por Soares da Costa, MSF e Alves Ribeiro), que venceu o concurso de 2010, ainda aguarda a notificação que o Ministério da Saúde garantiu já ter enviado, confirmou o PÚBLICO junto de fonte próxima do processo. Mas uma coisa é certa: a confirmar-se a decisão, irá exigir uma indemnização pelos gastos suportados com o projecto, já que a candidatura pressupôs, entre outras coisas, o projecto de arquitectura da autoria de Eduardo Souto de Moura. Quanto a valores, ainda não foram estimados, já que a decisão formal ainda não chegou. A única notificação que o consórcio recebeu, há cerca de um mês, instava-o a pronunciar-se sobre um projecto de decisão da tutela que, ao que foi possível apurar, ia no sentido contrário ao que ontem foi conhecido.
O acordo de princípio para a construção do hospital foi assinado em Dezembro de 2007 pelo então ministro da Saúde, Correia de Campos. Conhecida desde o início como Hospital de Todos os Santos, a instituição viu-se obrigada em 2009 a deixar de usar essa designação pelo Tribunal do Comércio de Lisboa, depois de uma queixa de uma clínica privada que tinha a mesma designação. Em Setembro de 2010, o Banco Europeu de Investimento aprovou o pedido português de financiamento até 300 milhões de euros para a construção do novo hospital, mas com garantias públicas, que foram postas entretanto em causa, pelo risco que representavam.
O Ministério da Saúde confirmou ao PÚBLICO que o Governo quer avançar na mesma com a construção da instituição hospitalar, mas através de um novo concurso, que só deverá acontecer em 2014. No final de Setembro, Paulo Macedo já tinha adiantado que os peritos liderados pelo ex-ministro da Saúde Luís Filipe Pereira que avaliaram o projecto do futuro Hospital de Lisboa Oriental estavam prestes a concluir o documento e que as primeiras ideias apontavam que o mesmo representava riscos desnecessários para o Estado, embora defendessem a construção deste hospital noutras condições.
Aliás, a própria proposta do Orçamento do Estado para 2014 contempla um parágrafo específico sobre o Hospital de Lisboa Oriental, dizendo-se que "permanece o objectivo de concluir a avaliação e análise da viabilidade do projecto" e acrescentando-se que "a concentração produzirá poupanças significativas através da optimização da afectação dos recursos humanos e técnicos que, no momento actual, estão dispersos por vários edifícios".
Com o novo concurso e a passagem dos hospitais de São José, Santa Marta, Curry Cabral, Estefânia, Capuchos e a Maternidade Alfredo da Costa (MAC) para o Lisboa Oriental, a tutela prevê uma poupança de 166 milhões de euros por ano. Os peritos do grupo técnico para a reforma hospitalar, que também analisaram esta nova unidade, tinham estimado uma poupança na ordem dos 72 milhões de euros, mas ao PÚBLICO a tutela explicou que "esse valor contemplava apenas os custos com os edifícios", quando o trabalho de Luís Filipe Pereira engloba já toda a transferência dos serviços para o novo espaço, ainda que naturalmente ao longo dos anos esse valor vá baixando e sendo diluído.
Fonte ligada ao processo explicou que o consórcio não reconhece legitimidade à comissão liderada por Luís Filipe Pereira e que tomou posse a 5 de Março deste ano com o objectivo de analisar a melhor solução para a concretização do projecto. A Salveo entende que a única decisão válida é a da comissão que avaliou as propostas dos diferentes concorrentes, em 2010. A principal decisão invocada para o lançamento de um novo concurso são os riscos em que o Estado iria incorrer com a prestação de garantias ao empréstimo do Banco Europeu de Investimento (BEI). No entanto, a mesma fonte referiu que "as garantias não eram obrigatórias, mas sim uma das soluções possíveis" para se avançar com o projecto, sublinhando que a não-obrigatoriedade das garantias foi explicada numa reunião ocorrida recentemente entre o BEI e o Governo. Quanto à participação num novo concurso, não há por agora decisões tomadas por parte do consórcio.
O PÚBLICO contactou Luís Filipe Pereira, que não quis fazer comentários. Mas, recentemente, ao Expresso, o economista tinha defendido que o novo hospital poderia ser feito com o recurso a fundos comunitários, reforçando que, apesar de ter sido ele próprio a criar as parcerias público-privadas na área da saúde, estas só "fazem sentido quando são favoráveis ao Estado". O antigo ministro da Saúde sublinhou também que já há algum trabalho feito em termos de arquitectura e oferta de cuidados que poderá ser aproveitado para agilizar o processo.
O Ministério da Saúde escusou-se a comentar a reacção do consórcio, mas, sobre os fundos comunitários, disse que serão objecto de reflexão. Sobre se a ideia é manter o projecto em parceria público-privada (com "luz verde" dada pela troika), a tutela deixa tudo em aberto, lembrando que o concurso terá sempre como ponto de partida o preço comparado a que o sector público seria capaz de fazer o mesmo investimento e só se os privados conseguirem apresentar uma melhor proposta é que se justifica que fiquem com a obra. Também aqui se podem conseguir algumas poupanças, já que desde 2010 que o chamado "preço comparado" tem descido, e terá sido esse mesmo "preço comparado" outro dos factores considerados mal calculados pelos peritos. Apenas uma coisa é certa: no novo concurso, o Estado não vai dar garantias como as que estavam previstas com o empréstimo do BEI.
O investimento total previsto é de 600 milhões de euros. A ideia é que o novo hospital sirva quase 300 mil habitantes, dispondo para isso de 789 camas, 22 salas de cirurgia e quase 90 gabinetes para consultas externas. Em termos de camas, o número representa uma quebra, mas a tutela tem sustentado que a centralização das várias unidades num único espaço de 165 mil metros quadrados permitirá rentabilizar melhor a ocupação das mesmas. Quanto a valências, a ideia é que o centro hospitalar ofereça 17 especialidades médicas e 14 cirúrgicas, além de outras áreas de diagnóstico e terapêutica.


Colina de Santana sob ameaça imobiliária
In "O Corvo" / http://ocorvo.pt/2013/10/25/colina-de-santana-sob-ameaca-imobiliaria/?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=colina-de-santana-sob-ameaca-imobiliaria

A colina de Santana, considerada fundamental para o conhecimento da génese do povoamento da cidade de Lisboa, “sofre ameaças graves” do ponto de vista do património histórico, alertou  nesta quinta-feira (dia 24) o arqueólogo Luís Raposo. Na base desta colina foram descobertos, nas últimas décadas, vestígios de um povoado neolítico próximo do esteiro da ribeira de Arroios, cuja água doce terá atraído os primeiros agricultores, milénios antes do nascimento da cidade. Pensa-se que este cabeço terá sido habitado antes da colina do Castelo.
A colina de Santana, “também conhecida como a colina dos hospitais, acolhe vários edifícios e respectivas cercas do que foram conventos” anteriores ao terramoto de 1755, depois transformados em estabelecimentos de saúde. Estes conjuntos – é o caso dos hospitais de São José, Santa Marta, Capuchos e Miguel Bombarda –  correm o risco de ser destruídos, disse o arqueólogo, pois encontram-se na posse da empresa de participações imobiliárias Estamo, “havendo já projectos para lá construir algumas torres. A necessidade de um novo hospital para Lisboa não pode ser satisfeita à custa do património existente”.
O previsível loteamento e transformação desses prédios em novos espaços de habitação, hotelaria e comércio tem preocupado moradores da zona e cidadãos ligados ao património histórico e cultural da cidade. Uma vez que apenas o Miguel Bombarda se encontra desactivado, o projecto terá de esperar pela construção do futuro Hospital de Todos os Santos. Estes antigos conventos reúnem conjuntos muito valiosos de azulejaria, talha, escultura e pintura, para além de equipamento médico de grande interesse histórico.
A sacristia do Hospital de São José e a igreja do Hospital de Santa Marta estão classificadas como monumento nacional. Há ainda vários imóveis de interesse público, como o Panóptico e o balneário de D. Maria II no Miguel Bombarda. A dimensão de demolição prevista no projecto da empresa – escreveu, em Agosto, no jornal Público, o historiador de Arte Vítor Serrão – “mostra uma atitude de soberba face às existências, pois destrói a organicidade, a coerência histórica, o peso e dimensão dos sítios”.
Luís Raposo, especialista em Pré-História Antiga, falava, nos Paços do Concelho, na primeira sessão do colóquio “Os rostos de Lisboa”, que assinala os 75 anos da revista “Olisipo”, publicada pela associação de utilidade pública Amigos de Lisboa. Na sua intervenção sobre a Lisboa pré-Romana, Raposo disse que, em termos de investigação, este período está “um pouco descurado”. Sabe-se muito pouco, por exemplo, sobre o fenómeno tectónico que há cerca de dois milhões de anos abriu o canal por onde corre agora o rio Tejo, cujas águas seguiam para sul e se ligavam ao estuáio do Sado. “É um dos grandes mistérios de Lisboa”, comentou.
Sobre a ocupação inicial da região de Lisboa, o especialista diz que “ainda há muito por fazer”. “Monsanto – onde subsistem vestígios de habitações e de minas de exploração de sílex – devia ser mais investigado”, sugeriu. “Se há condições óptimas para as escolas fazerem investigação é em Monsanto. Até de autocarro se pode ir”, disse.
A “Olisipo”, iniciada em 1938, é actualmente “a única publicação científica em papel totalmente dedicada ao estudo de Lisboa”, referiu no arranque do colóquio Salete Salvado, dirigente dos Amigos de Lisboa. As intervenções dividem-se por cinco painéis que prosseguem até ao fim da manhã de sábado, dia 26, na sala do arquivo dos Paços do Concelho. O programa pode ser consultado em www.amigosdelisboa.com

Texto: Francisco Neves

Sem comentários: