Reino Unido já vetou plano de
quotas de refugiados na UE
MARIA JOÃO
GUIMARÃES 11/05/2015 - PÚBLICO
O governo de Cameron lidera a
oposição à ideia de obrigação para os Estados-membros partilharem o número de refugiados.
Plano para atacar embarcações na Líbia enfrenta obstáculos na ONU.
A Comissão
Europeia está a enfrentar resistência de vários países aos seus planos para a
distribuição de refugiados pelos 28 Estados da UE através de um sistema de
quotas – tanto que na imprensa britânica houve quem falasse mesmo de uma
“declaração de guerra” do Presidente, Jean-Claude Juncker.
O plano de
Juncker, a ser apresentado esta quarta-feira, está a causar reacções fortes em
Londres, onde um recém-eleito David Cameron tem na relação com a União Europeia
um dos maiores desafios do seu mandato, já que defendeu que o Reino Unido se
mantivesse numa União reformada (e prometeu um referendo). “Bruxelas força
Grã-Bretanha a aceitar migrantes do Mediterrâneo”, era a manchete do diário The
Times.
O Reino Unido
processa cerca de 30 mil pedidos de asilo por ano, quando a Alemanha teve mais
de 200 mil pedidos no ano passado, e deverá chegar a 400 mil este ano (para
além de ter aceite 20 mil sírios ao abrigo de um programa de reinstalação do
ACNUR). “O Reino Unido tem um historial de oferecer asilo a quem mais precisa,
mas não acreditamos que um sistema obrigatório seja a resposta”, disse um
porta-voz do Governo citado pelo site do Channel 4 da televisão britânica. “Vamos
opor-nos a quaisquer propostas para uma quota não voluntária”.
“Juncker quer uma
quota obrigatória, mas isto é visto como praticamente uma declaração de guerra
em alguns Estados-membros”, disse um responsável europeu, sob anonimato, à
agência AFP.
A ideia da
Comissão seria planear a distribuição de refugiados tendo em conta vários
factores como a população, o produto interno bruto, a taxa de desemprego, e
número de refugiados já acolhidos pelos vários países. A proposta tem o forte
apoio da Alemanha, país que tem recebido mais refugiados, dos países na “linha
da frente” das chegadas por mar como Itália e Grécia, que há muito reclamam que
o “fardo” seja “repartido” (actualmente os refugiados devem pedir asilo no país
a que chegam, embora muitos continuem a viagem e acabem por seguir para outros
países). França, que está sob pressão do partido anti-imigração Frente
Nacional, declarou o seu apoio a um plano deste género.
A medida é
justificada pela urgência do grande número de pessoas a tentar atravessar o
Mediterrâneo: este ano estima-se que tenham morrido já mais de 1600 pessoas na
tentativa – já perto do número total do ano passado, em que morreram ou
desapareceram cerca de 1750 pessoas durante a travessia, segundo o ACNUR. A
maior parte são sírios a fugir da guerra, mas há ainda muitos africanos
(ertireus ou nigerianos, por exemplo), e afegãos.
Entre os países
que se opõem a estas quotas estão o Reino Unido, a Irlanda, e alguns do Leste
da Europa: Hungria, Eslováquia e Estónia, por exemplo. Destes, o que mais se
ouviu foi Viktor Órban, o líder húngaro, que classificou a ideia como “louca”,
“injusta” e “indecente”. “Esta não é uma altura para solidariedade”, disse
recentemente Órban. “A imigração ilegal é crime.”
Destruir
embarcações na Líbia
Com a questão da
redistribuição dos refugiados a revelar-se tão polémica, a União Europeia está
também a apostar noutra via: a de atacar os que lucram com as viagens e gerem
redes que controlam os migrantes e os mandam nos barcos sobretudo na Líbia. O
desafio legal e logístico é muito maior, as críticas das associações de defesa
dos direitos humanos também, mas entre os 28 esta acção não provoca anticorpos.
A oposição está
no Conselho de Segurança, onde a alta-representante para a política externa da
União Europeia, Federica Mogherini, apresentou esta segunda-feira a ideia de
levar a cabo “esforços sistemáticos para identificar, capturar e destruir embarcações
antes que sejam usadas por traficantes”. Ainda não é claro como isto poderá ser
feito, e o plano será analisado num encontro de ministros dos Negócios
Estrangeiros no dia 18 de Maio.
“Esta não é
apenas uma emergência humanitária, é também uma crise de segurança, porque as
redes de traficantes estão ligadas a actividades terroristas e financiam-nas”,
defendeu Mogherini, justificando a invocação do 7.º capítulo da carta da ONU
que permite o uso da força para ameaças à paz.
Mas a Rússia, que
tem poder de veto no CS, já defendeu que destruir embarcações seria “ir longe
de mais”.
Mogherini disse
ainda que a UE quer agir “em parceria” com as autoridades líbias. Estas estão
divididas, mas aquelas que são reconhecidas internacionalmente já declararam a
sua oposição ao plano europeu, que acham “muito preocupante”. “O Governo líbio
não foi consultado pela UE”, queixou-se o embaixador do país na ONU, Ibrahim
Dabbashi. “Não nos disseram quais são as suas intenções, que tipo de acções
militares vão levar a cabo nas nossas águas territoriais…”, declarou à BBC. “Queremos
saber como vão distinguir entre barcos de pescadores e de traficantes.” Também
o grupo rival, que controla Tripoli, já prometeu ripostar contra qualquer acção
militar.
Esta acção
militar pode desestabilizar ainda mais a Líbia, argumenta a revista britânica
The Economist. Os traficantes de pessoas podem usar embarcações menores, e
ainda menos seguras para a longa viagem, para evitar ataques. Há ainda relatos
de famílias que compram elas próprias barcos para não dependerem das máfias de
transporte de pessoas. Organizações não governamentais perguntam o que
aconteceria com aqueles que não conseguissem embarcar e fossem obrigados a
ficar numa Líbia cada vez mais perigosa.
Responsáveis da
Marinha falaram, pelo seu lado, num “valor limitado” desta ideia. Gerry
Northwood, que foi chefe de operações da Operação Atalanta, iniciada em 2008
para combater a pirataria somali, sublinhou recentemente à BBC que as
embarcações são “baratas e muito numerosas” e assim facilmente substituíveis. E
os imigrantes que não consigam atravessar uma vez tentarão “uma terceira,
quarta ou quinta vez.” Organizações como a Amnistia Internacional defendem que
atacar os traficantes sem uma alternativa segura para as pessoas desesperadas
por fugir não vai resolver o problema.
Em discussão
entre os europeus está ainda a criação de modos de permitir pedidos de asilo
ainda em território africano, mas esta ideia não levou ainda a propostas
concretas. A localização de potenciais centros de processamento, assim como o
tratamento que poderia ser dado aos candidatos a asilo em países conhecidos por
pouco respeito de direitos humanos, causa preocupação.
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