Bolsa é alternativa à
privatização da TAP? “Podem esquecer”, dizem os analistas
Edgar Caetano / 10
Maio 2015
/ OBSERVADOR
PS opõe-se ao processo de venda
que está em curso, preferindo uma venda de parte do capital em bolsa, a opção
tomada pelo governo quanto aos CTT. Analistas vêem um problema: "a TAP não
é os CTT".
O Partido
Socialista (PS) quer que o Governo interrompa o processo de venda da TAP, que
prevê que sejam entregues até dia 15 de maio as ofertas vinculativas de quem
esteja interessado na companhia aérea. O líder socialista, António Costa,
reconhece que a empresa necessita de uma recapitalização, mas sugere que esta
seja feita através de um aumento de capital por via da bolsa de valores. Uma
solução em que, defende o PS, o Estado conservaria a maioria do capital, ou
seja, não dispersando mais do que 49% do capital da TAP. Esta não é, contudo,
uma “solução credível” para os problemas da TAP, dizem investidores e analistas
europeus que acompanham o setor do transporte aéreo. A razão invocada? Porque
“a TAP não é os CTT”.
Contra a
privatização de 66% do capital da TAP, aquilo que está a ser tentado pelo
Governo, António Costa repete há vários meses que a perda do controlo é uma
“imprudência”. “A solução para a capitalização da empresa, para fazer face aos
desafios do crescimento, não é uma operação de privatização mas sim uma
operação de aumento de capital”, escreveu o PS em janeiro num pedido de
apreciação da venda da TAP.
O PS, que sempre
acusou PSD e CDS de não tentarem uma solução alternativa à privatização,
acreditando que a Comissão Europeia não iria colocar entraves a eventuais
cenários alternativos, garante que um aumento de capital “não seria uma ajuda
de Estado se fosse concretizada através de uma operação que respeite o
princípio do investidor numa economia de mercado, como é o caso de um aumento
de capital em bolsa”. “O PS tem consciência de que a TAP necessita de reforçar
o seu capital”, reconheceu o líder do partido em dezembro. Mas, perante as
restrições europeias à injeção de dinheiros públicos, “julgo que seria possível
um aumento de capital da empresa através da bolsa, sem que o Estado perdesse o
controlo de uma empresa estratégica para o país”.
O PS acredita que "seria
possível um aumento de capital através da bolsa", sem que o Estado
perdesse o controlo.
Os vários
investidores e analistas do setor contactados pelo Observador alertam, contudo,
que uma colocação em bolsa da TAP, com sucesso, seria tudo menos um dado
adquirido. Aliás, um especialista como Julien Richer, da Raymond James em
Paris, diz que “essa não seria uma opção credível”. Um outro analista, que
pertence a um dos bancos de investimento contratados pelo Governo para esta
operação e que prefere o anonimato, tem uma análise ainda mais contundente:
“podem esquecer”, diz, ao Observador.
A empresa errada,
no setor errado e no momento errado
Em poucas
palavras, do ponto de vista de uma dispersão do capital em bolsa (o que na
gíria dos mercados se chama um IPO, ou initial public offering), a TAP é a
empresa errada, no setor errado e no momento errado.
As grandes
transportadoras aéreas europeias não têm tido vida fácil em bolsa nos últimos
meses. “Este é um setor muito cíclico e, nesta fase, é notório que os grandes
grupos têm sofrido com a concorrência intensa ao nível dos preços, uma
concorrência imposta pelas low-cost, e os sindicatos têm feito uma grande
pressão que poderá significar um aumento dos custos” e ainda mais diminuição
das margens, explica Per-Ola Hellgren, analista do banco alemão LBBW, que segue
de perto empresas como a Deutsche Lufthansa e a Air France-KLM, cujo desempenho
bolsista nos últimos 12 meses está ilustrado no gráfico abaixo.
Nem a descida dos
preços dos combustíveis, resultado da queda do petróleo nos mercados
internacionais, está a ser suficiente para conter o pessimismo dos
investidores. É que esse efeito está a ser limitado pela desvalorização do euro
face ao dólar, o que torna mais caros os combustíveis que são adquiridos na
moeda norte-americana, que sobe 7,85% desde o início do ano face ao euro. Além
disso, as transportadoras recorrem de forma significativa a mecanismos de
proteção contra subidas bruscas dos preços dos combustíveis, pelo que o efeito
acaba por ser mais contido quando existe um movimento favorável.
“Com base na
minha experiência, diria que a visão negativa dos investidores em relação às
ações de transportadoras de áereas [de bandeira] pode, facilmente, perdurar
pelo menos mais um ano“, afirma Per-Ola Hellgren. O analista receia que, antes
disso, não será provável que os investidores passem a olhar para o setor com
outros olhos. O contexto não facilitaria, portanto, a que fosse possível atrair
centenas de fundos de investimento internacionais e pequenos investidores para
uma dispersão de capital em bolsa. “Sobretudo se o Governo quiser manter o
controlo operacional da empresa”, salienta Per-Ola Hellgren, perante os planos
de António Costa de entregar um máximo de 49% aos investidores privados.
Vender 49% não
chega para os problemas da TAP
Gerald Khoo,
analista de ações da Liberum Capital em Londres, concorda que “vender apenas
49% da TAP através de um IPO [em bolsa] poderia ser possível, mas tendo em
conta que a avaliação [total] da empresa seria, provavelmente, baixa, isso
limitará o montante de novo capital que poderia ser injetado na TAP”. Por
outras palavras, uma venda de 49% poderia não ser suficiente porque, a menos
que os investidores avaliassem a TAP num valor total muito acima do que os
analistas apontam, o encaixe com a venda em bolsa não chegaria para as
“necessidades contínuas de investimento” que a TAP tem, como alertou João
Cantiga Esteves.
O presidente da
comissão especial de acompanhamento à reprivatização da TAP sublinhou no final
de março que “uma empresa com capitais próprios negativos não tem capital para
colocar em bolsa”. “Há um desespero completo de tesouraria“, disse Cantiga
Esteves, sendo a TAP “uma empresa que factura na casa dos dois mil milhões de euros
e tem um free cash flow de dois milhões”. “Isto é andar completamente em
desespero, viver o minuto a minuto das dificuldades da empresa do ponto de
vista da tesouraria”, uma situação que foi agravada pela greve de 10 dias neste
início de maio.
“Seria difícil
encontrar uma avaliação razoável para a TAP”, diz Julien Richer, da Raymond
James. Ainda mais porque seria limitado o apetite dos investidores para pagar
caro por uma empresa envolta em incerteza: “Eu não investiria nessa ação, a não
ser no curto prazo e com objetivos de pura especulação”, afirma Rui Bárbara,
gestor de ativos do Banco Carregosa. “Quem quiser recuperar a TAP tem de ter o
controlo”, acredita o especialista.
"Vender apenas 49% da TAP
através de um IPO poderia ser possível, mas tendo em conta que a avaliação da
empresa seria, provavelmente, baixa, isso limitará o montante de novo capital
que poderia ser injetado na TAP".
Gerald Khoo,
analista de ações da Liberum Capital
Além do contexto
externo desfavorável e dos capitais próprios negativos de quase 500 milhões de
euros, os analistas alertam que “as greves são, sem dúvida, algo que não ajuda
em nada uma qualquer empresa que queira emitir capital em bolsa, muito menos
uma transportadora aérea com problemas financeiros” como a TAP, afirma Per-Ola
Hellgren, do LBBW. É certo que “a TAP está invulgarmente bem posicionada e tem
ativos valiosos em mercados como o Brasil e África”, diz o analista. Mas Gerald
Khoo defende que o portefólio de rotas e slots em aeroportos “não é único, e a
procura por rotas para o Brasil irá, provavelmente, continuar a ser deprimido
pela fragilidade da economia” brasileira.
Todos estes
fatores levam a que os especialistas defendam que, ao contrário dos CTT, cujo
IPO foi um sucesso e as ações têm subido em bolsa, a venda da TAP em bolsa não
seria uma solução viável. “São empresas e negócios completamente diferentes“,
explica Rui Bárbara, do Banco Carregosa. “O negócio dos CTT é um negócio
maduro, até em declínio, na sua vertente mais tradicional, mas é um monopólio e
gerador de dinheiro” e de dividendos para os acionistas, o que é
particularmente importante numa altura de baixas rentabilidades em quase todos
os ativos com menor risco.
A empresa CTT
“tem um grande potencial de desenvolvimento no transporte e entrega de
encomendas, com a deslocação das compras para a internet”, diz Rui Bárbara, ao
passo que “a TAP não tem nada disto: é um negócio cíclico, onde há muita
concorrência, de capital intensivo, e a prazo não geram lucro para o acionista,
só em determinadas fases do ciclo”. Além disso, como aponta Albino Oliveira,
analista da Fincor, o transporte aéreo é um “setor onde a concorrência é bem
mais significativa” e “o balanço das duas empresas é completamente diferente,
nomeadamente no que se refere ao nível de endividamento”.
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