PS sem ideias para a Educação
SANTANA CASTILHO
06/05/2015 - PÚBLICO
O país aguarda a substância do
pensamento do PS para a Educação. Se tiver algum. Se ela existir.
A natureza
intrínseca de um partido político supõe a existência de uma massa crítica capaz
de produzir ideias para resolver os problemas da sociedade. No quadro actual,
caracterizado por uma acentuada descredibilização dos partidos políticos, faz
sentido que eles procurem envolver cidadãos não filiados na construção dessas
ideias.
Mas a
apresentação pública de propostas encomendadas, sob forma de estudos em regime
de outsourcing, antes da sua discussão e aceitação por parte das estruturas
partidárias, contribui fortemente para a criação da ideia de estarmos perante
forças políticas sem ideologia e sem pensamento próprio. Assim, o PS errou com
o tratamento que deu ao estudo Uma Década para Portugal. Voltou a errar quando,
surpreendentemente, se juntou ao PSD e CDS na promoção de uma mais que
lamentável iniciativa para condicionar a comunicação social em matéria de
cobertura da próxima campanha eleitoral. E continua a errar quando, sobre
outras áreas vitais para o futuro, a cinco meses de eleições legislativas,
tarda em transmitir convicções e apresentar alternativas às políticas seguidas
pelo actual Governo. É o caso, evidente, da Educação. Vejamos exemplos, que
fundamentam o que afirmo.
No início de
Março, António Costa apresentou 55 propostas, a que ele próprio chamou "o
primeiro capítulo do programa de governo". A Educação não mereceu atenção,
muito menos epígrafe própria. Foi aludida a propósito da “cooperação
transfronteiriça”, para se propor duas irrelevâncias que, por mal redigidas, nem
permitiram perceber o que pretendiam: “… acesso integrado das populações …”,
sem dizer a quê, e “… programas de estudos conjuntos, duplos graus …”, fosse lá
alguém saber o que quereria dizer tal enigma. E voltou a ser referida quando o
documento abordou o tema da descentralização e reforço das competências das
autarquias locais. Depois de enunciadas várias iniciativas, estabelecia-se aí:
“Seguindo estes
princípios, e no quadro de um amplo processo de auscultação das autarquias e
avaliação das experiências-piloto em curso, passarão a ser exercidas pelos
municípios competências nos seguintes domínios: Educação, ao nível da gestão
dos equipamentos, acção social escolar, transportes escolares, pessoal não
docente e articulação com agrupamentos de escolas de todo o ensino básico e
secundário, garantindo a igualdade de oportunidades entre diferentes
territórios.”
Em contexto
altamente turbulento, provocado pela denominada "municipalização da
Educação", é isto que o PS tem para nos dizer? Se vai “auscultar” e “avaliar”
as experiências em curso, como ousa afirmar, desde logo, que “passarão” a ser
exercidas competências, deixando implícito que a auscultação e avaliação não
passam de falácias artificiosas? Reparou o PS que já estão instituídas coisas
que diz ir instituir?
Na mesma linha de
desconhecimento e insensibilidade surge a incursão nos problemas da Educação
por parte dos economistas a quem António Costa pediu Uma Década para Portugal:
— Propõem
“parcerias com o tecido empresarial de cada região no desenho de percursos de
ensino virados para o mercado de trabalho, contemplando o desenho de currículos
claramente virados para a empregabilidade”. Dizer isto, sem mais clarificação,
é imprudente. Está o PS a defender, como única, a perspectiva utilitarista e imediatista
da actual coligação? É o PS conivente com o denominado "ensino
vocacional" para crianças de 11 anos? Rejeita o PS, definitivamente, uma
filosofia personalista para o ensino obrigatório?
— Falam de
incentivos à fixação de professores em zonas menos atractivas, “penalizando
os que se apresentem a sucessivos
concursos”. O que é isso de penalizar quem concorre a múltiplos concursos?
Castigar quem, depois de décadas com a casa às costas, tenta aproximar-se da residência
e dar estabilidade à família? Incentivos à fixação em zonas menos atractivas,
quando em ponto algum do país fica por preencher um só horário, por falta de
professores? Só neste último concurso apresentaram-se 26.573 candidatos para
1954 vagas. O que falta são postos de trabalho. Teríamos apreciado, antes, se
os senhores economistas nos dissessem se o PS, finalmente, se propõe dar aos
quadros a dimensão adequada às necessidades. Se cumprirá a directiva
comunitária, por ora hipocritamente iludida com a norma-travão, no que toca aos
contratados. Se tem programa para reparar a selva legislativa em que se vive em
matéria de concursos, em que o próprio PS tem larga responsabilidade. Se mantém
ou revoga o anacronismo das actuais metas de aprendizagem e se mantém ou altera
a doentia inflação de exames, designadamente o do quarto ano da escolaridade
obrigatória.
Relevada a
irrelevância, o país aguarda a substância do pensamento do PS para a Educação.
Se tiver algum. Se ela existir. Antes da próxima década, o PS tem de gerir os
próximos cinco meses.
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