Paulo Morais: ‘A promiscuidade
entre políticos e negócios está ao nível da Mongólia’
Sónia
Cerdeira Sónia Cerdeira, | 12/05/2015 /
SOL online
Queria ser
astrónomo mas acabou candidato à Presidência da República para combater a
corrupção. Em entrevista ao SOL, Paulo Morais afirma que não pretende ser um D.
Sebastião e que tem como alvo os políticos desonestos.
"O facto de
Sócrates estar preso não me surpreende. Surpreende-me é estar só ele preso,
isso é que me surpreende!"
Quem é Paulo
Morais?
É um cidadão
empenhado e preocupado que nasceu em Viana do Castelo já lá vão 51 anos.
Estudei Matemática na Universidade de Ciências do Porto, porque queria ser
astrónomo. Fiz uma carreira académica, fui presidente da JSD em Viana, onde
vivi até aos 17 anos, fui dirigente académico no Porto, estive na Câmara do
Porto e na Associação Transparência eIntegridade. O que senti em todas as
posições que ocupei é que invariavelmente a corrupção minava o funcionamento das
instituições. E quando vejo que há necessidade de intervir e não vejo ninguém a
avançar, avanço eu.
Porque se decidiu
candidatar?
Porque mais
ninguém a quem reconheça credibilidade teve coragem e vontade para se lançar e
é fundamental ter como primeira prioridade o combate à corrupção. A corrupção é
o maior problema da política portuguesa e só pode ser combatida de forma
transversal, no Parlamento, com uma maioria larga de deputados, mas isso neste
momento não existe, ou ao nível da Presidência da República com alguém livre de
qualquer tipo de compromissos.
Tem feito várias
denúncias de corrupção. Alguma já levou a investigação com efeitos práticos?
Uma coisa são
denúncias em tribunal que o Ministério Público tem de investigar, não sou eu.
Sempre que detectei que havia indícios de tráfico de influências, casos de
potencial corrupção, apresentei queixas no local próprio, os tribunais,
nomeadamente crimes urbanísticos. Se me perguntar se houve alguma condenação?
Até agora, infelizmente não. Muitos não estão concluídos e muitos foram
arquivados, alguns com alguma frustração minha. Depois há uma denúncia de uma
promiscuidade absoluta entre a política e os negócios. Em Portugal, política e
negócios são quase sinónimos, infelizmente. Essa é uma análise política e
portanto não há apresentação de queixas em tribunal.
Uma das críticas
que lhe fazem é lançar suspeitas sem provas...
Não entendo.
Quando digo que as pessoas que estiveram na governação na área das Obras
Públicas foram todas trabalhar para empresas de PPP, as provas são públicas. Em
Portugal, a corrupção é tão generalizada, tão impune que as provas são
públicas. Para provar que o eng. Ferreira do Amaral, que mandou construir a
Ponte Vasco da Gama e hoje trabalha na concessionária, que Jorge Coelho foi
trabalhar para a Mota-Engil não é preciso procurar provas, basta fazer um
google.
No caso BES, por
exemplo, pediram-lhe provas e o que enviou aos deputados foram notícias e
declarações suas. Isso descredibilizou-o?
Acho que não, mas
de qualquer maneira a minha credibilidade é pouco relevante face à importância
do assunto. Vou contar o que se passou. Disse que era conhecida, em Angola, a
lista de beneficiários do BES Angola. Recebi do Dr. Fernando Negrão um pedido
para fazer uma lista. Mandei essa lista, feita à custa de notícias de imprensa
angolana, replicadas em Portugal, artigos que eu próprio tinha escrito e fontes
que não revelo. Obviamente foi feita por mim, não percebo qual o problema.
Agora é evidente que, para uma comissão parlamentar que não quer incomodar quem
está na lista, é melhor virar-se para o mensageiro.
Penso que queriam
provas…
As provas são as
fontes. Uma confissão dos próprios a dizer que deviam dinheiro ao BES? Nem
tentei. Isso é uma incumbência do Parlamento. Não trabalho para o Parlamento e
nem sequer sou funcionário público. Compete ao Parlamento pedir os documentos.
Enviei o que me pediram, se não querem usar a informação para a próxima não me
incomodem.
É um candidato
contra a política e contra os políticos?
Não. Sou um
candidato a favor do funcionamento das instituições. Gostava de ver o
Parlamento a fazer o que lhe compete, que é legislação e fiscalização da
actividade governativa. Não me entendo como alguém que pode ser o D. Sebastião,
um Presidente para salvar a pátria. Nem tenho esse perfil. Sou é contra a
política completamente degradada. E a favor de um regime em que partidos,
Parlamento, Governo e Presidente estejam a favor do povo e não ao serviço de um
conjunto de grupos económicos.
Mas é
anti-sistema?
Anti este
sistema, sim. A democracia está moribunda. As leis que envolvem muito dinheiro
são elaboradas nas grandes sociedades de advogados e não no Parlamento. Temos
hoje um nível de promiscuidade entre políticos e negócios que só se encontra na
Mongólia. Temos 50 e tal deputados que ao mesmo tempo são administradores,
consultores, directores de empresas que têm grandes negócios com o Estado. São
deputados para quê? Para terem acesso a informação privilegiada. Da mesma forma
o Executivo o que faz? Negócios.
Que tipo de
negócios?
As privatizações
– a TAP é a última de um conjunto que passou pela REN, EDP, Fidelidade, CTT –
não foram mais que uma transferência de recursos do povo para uma oligarquia, à
semelhança do que aconteceu na queda da União Soviética. O Governo, numa
verdadeira associação criminosa, entregou o património do Estado a uma
oligarquia próxima do actual poder. E o poder judicial? Faz o pouco que pode
porque tem meios ridículos. A Justiça vive com migalhas.
Quem o ouvir
falar pensa que todos os políticos são corruptos...
Os políticos
desonestos são a minoria. Há é um problema: os que são mais desonestos são os
que mandam mais. Não tenho essa estimativa mas imagino que os políticos
envolvidos em mecanismos de corrupção directamente serão 10%. Só que são eles
que dominam todo o sistema.
Mas e os outros?
Os restantes –
ainda por cima num país em que temos infelizmente muitos políticos
verdadeiramente parolos – querem manter determinado tipo de privilégios. Um
deputado que está na 4.ª fila, um vereador de uma câmara, têm um conjunto de
mordomias de que não querem abdicar. Recebem uns bilhetes de borla para o
futebol, querem fazer obras na casa da sogra falam com o presidente, querem um
emprego para a sobrinha e conseguem. Para manter esses pequenos privilégios
pactuam com o sistema. Há uma pequena minoria de corruptos e há uma larga
maioria de cúmplices que permitem que isto aconteça.
E quem são os
desonestos?
Os que dirigem as
estruturas partidárias, os que fazem os grandes negócios, que recebem
financiamento partidário sem controlo, os que pagam as campanhas.
Não quer
mencionar nomes?
[silêncio] Nomes
dos políticos? São os dirigentes partidários, as direcções dos partidos, em
particular dos que estão no poder. São todos responsáveis. O esquema de
corrupção e promiscuidade entre o Estado e os grandes grupos privados tem sido
alimentado pelo actual primeiro-ministro, pelo anterior e assim sucessivamente.
A prisão de
Sócrates surpreendeu-o?
O facto de
Sócrates estar preso não me surpreende. Surpreende-me é estar só ele preso,
isso é que me surpreende!
Quem mais devia
estar preso?
Isso não posso
dizer porque tem implicações jurídicas. É uma análise para os juízes, não para
mim que faço uma análise política.
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