sexta-feira, 8 de maio de 2015

João Correia. O maçon que montou uma rede de favorecimentos no Estado


João Correia. O maçon que montou uma rede de favorecimentos no Estado
Depois de controlar o processo de adjudicação, o ex-director geral do MAI passou a distribuir negócios favorecendo um grupo de privilegiados

PEDRO RAINHO
08/05/2015 12:00:00 / JORNAL i

João Alberto Correia chegou à Direcção-Geral de Infra-Estruturas e Equipamentos (DGIE) do Ministério da Administração Interna em 2011 e rapidamente terá reorganizado a casa. Durante três anos terá arrecadado, para si e para um grupo alargado de amigos e irmãos maçons do Grande Oriente Lusitano, milhares de euros de dinheiros públicos. Segundo o despacho de acusação do Ministério Público, as intervenções nos antigos governos civis, responsabilidade da DGIE, terão encoberto o desvio de verbas – a procuradora pede aos 12 arguidos o pagamento de mais de 900 mil euros.

Primeiro passo: mudar as regras do jogo. 
Antes de JoãoCorreia chegar àquela direcção-geral do Ministério da Administração Interna (MAI) eram os técnicos da Direcção de Serviços de Projectos e Obras (DSPO) quem avaliava as intervenções a realizar nos edifícios dos antigos governos civis. O parecer por eles emitido passava por vários olhos e, só em caso de luz verde das chefias intermédias, chegava às mãos do subdirector-geral. Depois da aprovação do superior, era pedida a intervenção de dois outros serviços da DGIE. Havia prazos e valores definidos para cada intervenção.

Só que tudo mudou rapidamente. “João Alberto Correia pôs em prática um esquema por si arquitectado que tinha por objectivo, em oposição aos seus deveres funcionais, beneficiar empresas, empresários, arquitectos e projectistas”, escreve a procuradora no despacho. O principal arguido no processo chamou a si a direcção da DSPO para, acredita oMP, “conseguir que o controlo da planificação de custos e a adjudicação das obras”.

Terá garantido ainda que detinha o controlo absoluto das escolhas das propostas – com contratos atribuídos sempre por ajuste directo, fraccionando, para esse efeito, os valores das obras –, acabou com as avaliações técnicas e com planos de execução das mesmas. Desse modo não havia forma de fixar os valores base dos “procedimentos” nem de comprovar que a qualidade inicial do projecto tinha sido respeitada. Escolhia também as empresas que apresentariam as propostas e a que seria atribuída cada obra de requalificação.

Ligações perigosas 
Na DGIE, JoãoCorreia contaria com dois “braços-direitos”, também arguidos no processo: Luísa Rodrigues e Albino Rodrigues. Tanto a responsável pelo gabinete jurídico como o chefe da divisão de obras chegaram àquelas funções na DGIE pela mão do director-geral. Albino Rodrigues é um dos envolvidos no processo com ligações à maçonaria, a par do próprio director--geral da DGIE e de Henrique Oliveira.Estavam por isso “ligados por essa qualidade e pelos deveres de obediência e lealdade que essa organização professa”. O esquema envolveria outros oito elementos, todos empresários, muitos deles presença regular nos encontros dos Pingas, um grupo promotor de “almoços, jantares e outros eventos lúdicos”.

A amizade entre João Correia e Carlos Farófia vinha de longe: amigos de infância, ambos naturais de Reguengos de Monsaraz. Farófia, conclui a procuradora, estava ligado a duas empresas “favorecidas” pelo ex-director geral do MAI: a Lostipak (de que era sócio e gerente) e a Divicode (com as funções de sócio gerente). Esse era, de resto, outro traço comum entre os membros que beneficiaram dos contratos proporcionados por João Correia – directa ou indirectamente estavam ligados às empresas escolhidas para realizar as obras.

Esquemas 
Com o processo de atribuição de contratos na mão, JoãoCorreia terá, ao longo dos três anos em que exerceu funções da DGIE, adjudicado “procedimentos” no valor de 5,9 milhões de euros. As empresas “vencedores dos concursos”, assim como os valores a apresentar nas propostas, seriam previamente acordadas entre os arguidos.

As condições em que os trabalhos eram cumpridos seriam questões secundárias para o responsável do MAI. Tanto assim que, refere o despacho, nos edifícios onde funcionavam os antigos governos civis de Santarém, Viseu e Beja, as forças de segurança se recusaram a ocupar os novos espaços por “não terem sido realizados projectos de execução” e por “não terem sido correctamente avaliadas as necessidades” das suas funções. Da mesma forma, a Divisão de Trânsito da PSP do Porto “recusou-se a instalar” nas antigas salas da Direcção Regional de Educação do Norte.


A investigação chegou a alguns pormenores. Primeiro: para “camuflar o fraccionamento da despesa” JoãoCorreia atribuía “uma designação diferente” a intervenções realizadas no mesmo local, duplicando valores e escapando com isso às regras de contratação pública. Segundo: em Braga, uma intervenção num edifício de três pisos custou menos de 144 mil euros. Em Viana do Castelo, outra obra ficou por mais de 147 mil. Era um piso térreo. Terceiro e último: são frequentes as referências da acusação ao facto de as empresas contratadas não terem qualquer “experiência anterior na  execução de obras públicas”.

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