António Costa de volta ao reino
das promessas
MANUEL CARVALHO 10/05/2015 – PÚBLICO
1 – António Costa
recebeu do grupo de 12 economistas uma inestimável ajuda de seriedade,
alternativa e realismo para a sua corrida a São Bento, mas desde então tem-se
empenhado com reconhecida competência a destruir esse legado. Porque há uma
coisa que Costa parece ter dificuldade em entender: os portugueses estão pela
primeira vez a pagar com os seus próprios meios os custos do eleitoralismo
baseado em promessas atrás de promessas e deixaram de acreditar nos amanhãs que
cantam dos políticos.
Num tempo de
incerteza e de dificuldade como o que atravessamos, os cidadãos tendem a ser
conservadores, a jogar pelo seguro, a contentar-se com a expectativa de que as
coisas não vão piorar. Eis senão que, contra esta percepção generalizada,
António Costa veio esta semana prometer uma revisão dos escalões do IRS sem
mostrar como conseguirá manter os níveis da receita, anunciou a reposição dos
feriados, admitiu o regresso das 35 horas semanais na função pública e deixou
até no ar numa entrevista ao DN que admite reverter um pouco provável processo
de privatização da TAP caso a companhia venha a ser dominada por um privado.
O António Costa
que o grupo de economistas parecia ter recolocado no centro voltou assim a
gravitar na orla de influência da ala mais à esquerda do partido. O que não
sendo um mal em si próprio, mostra incapacidade de ler os sinais dos tempos e
as percepções que os cidadãos têm em relação à política. E isso acontece porque
nas iluminadas cabeças do Largo do Rato ainda ninguém foi capaz de discutir e
ainda menos de entender um dos maiores paradoxos da breve história da
democracia portuguesa: como pode uma coligação que cortou salários e pensões,
que impôs um terrível aumento de impostos, que chega ao final da legislatura
com números recordes na dívida pública, no desemprego ou no êxodo de jovens
qualificados estar em condições de disputar as eleições? Depois de ter
percebido que não bastava uma aura para se impor aos partidos do Governo, Costa
ficou a saber que tinha de dispor de um plano inteligente para convencer os
portugueses da bondade do seu programa. Teve-o no documento dos 12 economistas,
apesar das legítimas dúvidas que matérias como a TSU e a sustentabilidade da
Segurança Social colocam. Sair dessa rota e regressar ao admirável mundo das
promessas é um erro que lhe vai custar muito caro.
Nem é preciso
recuperar a surpreendente vitória dos Conservadores no Reino Unido para sermos
obrigados a constatar que há uma mudança radical na forma como os eleitorados
avaliam a consistência das políticas em tempos de austeridade. Portugal está
longe de crescer 2.8% ou de apresentar uma taxa de desemprego na ordem dos 6%,
como acontece no país de David Cameron, mas os cortes que os conservadores
fizeram em apoios sociais acabaram por lhe valer uma maioria absoluta. O que
vale a pena observar é que o discurso da inevitabilidade das limitações
orçamentais, dos impostos altos, do ter de abdicar de anéis que simbolizam a
confiança e a prosperidade para se conservarem os dedos que sugerem a resistência
dos remediados é um discurso que se colou à pele dos portugueses. Quando Pedro
Passos Coelho diz “que se lixem as eleições” ele está a usar um contexto do
passado para fazer política moderna. O Governo já percebeu que a insistência na
apologia da austeridade, agora temperada com sinais de abrandamento, é um
poderoso trunfo eleitoral. Talvez o mais poderoso trunfo eleitoral do momento,
principalmente junto da classe média que conseguiu conservar o emprego.
Foi por isso que
o surgimento de um documento que propunha uma reinterpretação da austeridade
sem, no fundo, a contestar causou pânico nas hostes do Governo. Passos Coelho e
Paulo Portas perceberam muito depressa que o PS poderia afinal desistir de um
discurso estratosférico e regressar ao mundo real. As patéticas reacções dos
partidos de um Governo que raramente cumpriu um plano, um orçamento ou uma
promessa de exigir uma fiscalização prévia ao documento dos economistas é um
fiel testemunho dessa incomodidade. Mas se o espantar dos fantasmas do regresso
da troika pareceram nesses dias um disparate a qualquer pessoa de bom-senso, o
regresso apressado de António Costa ao “promessismo” tem o condão de reinstalar
a dúvida e de levar os portugueses a acreditar que, afinal, o PS não percebeu
bem o filme nem as feridas que estes anos de chumbo deixaram no país. Entre a
apagada e vil tristeza destes dias e repetição dos anos angustiosos de 2011 e
2012 quando acordavam todos os dias à espera que o país estourasse, haverá uma
franja muito significativa de portugueses que tenderá a jogar pelo seguro. É
isso aliás que as sondagens provam. É isso que António Costa não percebeu.
2 – A discussão
na praça pública da forma como Paulo Portas comunicou a sua “demissão
irrevogável” a Pedro Passos Coelho é bem mais do que um episódio trivial. As
pistas que nos deixa ajudam-nos a traçar as relações de poder no seio da
coligação e a reforçar a ideia de que Paulo Portas é o cônjuge despeitado que
só não acaba com o casamento por não ter casa para onde ir. Para começar, mesmo
sendo verdade que a demissão se fez por sms, Passos Coelho não deveria ter
tornado pública esse gesto que expõe com crueza a vacuidade política do seu
emissor. Mas depois do mal feito, não basta a Paulo Portas vir jurar que a
comunicação se fez por carta e chutar para canto todo o significado político
que o caso suscita. Por interesse eleitoral, o episódio será esquecido, mas
ficará para memória futura como uma prova desta relação sem alma nem afecto.
Virá daí algum
mal ao mundo? Não. Há anos que todos percebemos que entre o líder do CDS e o
líder do PSD há mais desdém do que comunhão de princípios e de valores, há mais
ciúme do que espírito de equipa. Neste ambiente, o Governo só funciona porque
tem claramente um líder, Pedro Passos Coelho. Se, ao final de quatro anos, há
um facto nessa relação capaz de surpreender muita gente é a constatação de que,
afinal, Paulo Portas não se tornou a figura dominante do Governo e que, pelo
contrário, o primeiro-ministro soube desempenhar o seu papel com uma firmeza e
uma determinação que acabaram por subalternizar o seu parceiro. Depois de o
obrigar a revogar a demissão, Passos Coelho reforçou o seu estatuto enquanto
Paulo Portas teve de se confinar ao papel de actor à procura de uma personagem.
Hoje, por exemplo, ninguém sabe o que ele faz ao certo – tornou-se um ser
político errante entre as pastas da Agricultura, da Economia ou dos Negócios
Estrangeiros. É o ministro mais remodelável do Governo e isso diz tudo sobre a
sua condição.
Fragilizado e
exposto a episódios confrangedores pelo seu parceiro maior, Portas tem como
trunfos um eleitorado indefectível e um grupo de ministros politicamente
sólidos. É o que basta para não ter de enfrentar sozinho o eleitorado que
dificilmente se coibiria de lhe cobrar o momento em que colocou o país numa
situação ainda mais difícil com a sua ameaça de demissão – ou a sua eterna
maldição com o caso dos submarinos. A sua inteligência viva e a sua argúcia
ajudam-no a sobreviver, mas mais quatro anos a deambular sem rumo num Governo
onde Passos faz o que quer não é certificado que garanta um futuro próximo
brilhante.
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