CDS tenta disfarçar incómodo com
biografia de Passos Coelho
No livro, líder do PSD afirma que
soube da demissão de Paulo Portas em 2013 por sms. Uma versão contrariada pelo
vice-primeiro-ministro, que admite ter havido “um lapso” da autora, mas
desvaloriza
Nos dois partidos sobram
perguntas sobre a razão que levou Passos a autorizar estas revelações nesta
altura, dias depois de renovada a coligação, quando as direcções estão
empenhadas em mostrar entrosamento
Sofia Rodrigues,
Nuno Ribeiro, Leonete Botelho e Paulo Pena / 6-5-2015 / PÚBLICO
Um dia depois de
uma reunião com dirigentes locais do PSD e do CDS que decorreu num clima de
confiança quase inédito — como descreveram ao PÚBLICO fontes partidárias — as
revelações de Passos Coelho sobre a crise no Governo, em Julho de 2013, vieram
causar instabilidade nos dois partidos. O CDS tentou disfarçar o incómodo e não
quis alimentar a polémica, mas deixou escapar que a história agora contada é
parcial.
Na biografia de
Passos Coelho intitulada Somos o que escolhemos, da autoria da assessora do PSD
Sofia Aureliano, lançada ontem, o primeiro-ministro revela que Paulo Portas “se
demitiu por sms” do cargo de ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros por
ser contra a nomeação de Maria Luís Albuquerque para ministra das Finanças.
O gabinete de
Paulo Portas desvaloriza o assunto, mas esclarece que o pedido de demissão
aconteceu de manhã e foi “naturalmente formalizado por carta”. “O dr. Paulo
Portas não falou com a autora do livro, pelo que admite que a mesma tenha
incorrido num lapso a que não atribui importância”, acrescenta a nota de
imprensa enviada à hora de jantar.
Durante o dia,
entre as recusas em comentar o conteúdo do livro, os centristas confessaram
achar estranho o momento das revelações. Passaram dez dias da assinatura do
compromisso de coligação entre Passos e Portas. Um dirigente centrista
questiona: “E se isto se soubesse no 24 de Abril?”. Mais contundente foi Diogo
Feio, vice-presidente do CDS: “Era bom que o livro dissesse de que forma o
primeiro-ministro informou Paulo Portas sobre o nome da nova ministra das
Finanças”. Essa informação foi dada por sms dias antes da demissão de Paulo
Portas, segundo notícias publicadas na altura.
O comentário de
Diogo Feio é isolado, já que os centristas parecem não querer estragar o
ambiente da coligação recém-renovada.
No PSD, o tom
também é de desvalorização. Os sociais-democratas lembram que o livro estava a
ser preparado há meses. Nos dois partidos sobram perguntas sobre a razão que
levou Passos Coelho a autorizar estas revelações nesta altura. Ainda para mais
quando as direcções estão empenhadas em mostrar um entrosamento dos partidos a
nível local (ver caixa).
Certo é que na
sessão de lançamento do livro, ao fim da tarde, não estava presente nenhum
dirigente ou rosto conhecido do CDS, e mesmo do PSD apenas marcaram presença o
comissário europeu Carlos Moedas (que apresentou a obra), o ministro Nuno Crato
e o líder parlamentar, Luís Montenegro.
Versões diferentes
O
vice-primeiro-ministro, que se encontra na Colômbia para participar em mais uma
reunião da comissão bilateral com Portugal, manteve-se fiel ao princípio de não
comentar no estrangeiro incidências da vida política portuguesa. No entanto,
fonte centrista afirmou ao PÚBLICO que Paulo Portas não valoriza a questão,
pelo que não a vai comentar aquando do seu regresso a Lisboa. “Há coisas mais
importantes”, justificou a mesma fonte. Aquele informador destacou, contudo,
que a demissão de Portas como ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros
foi apresentada na manhã do dia 2 de Julho e formalizada por carta.
A diferença de
versões não é de agora. Naquela semana crítica de Julho de 2013 foram
publicadas notícias que dão conta de que Portas e Passos Coelho se reuniram em
S. Bento na terça-feira 2 de Julho, de manhã, dia em que foi conhecido o pedido
de demissão do líder do CDS do Governo. Segundo a edição do Expresso dessa
semana, essa conversa a dois teria terminado com o pedido de demissão.
Segundo a mesma
notícia, que dá conta do “relato que Portas fez ao seu inner circle”, Passos
Coelho falou com o líder centrista no dia 29 de Junho sobre a escolha de Maria
Luís Albuquerque para substituir Vítor Gaspar no Ministério das Finanças — cuja
demissão estava já nas mãos do primeiro-ministro, apesar de só ter sido
divulgada a 1 de Julho. Nesse sábado 29, Portas terá discordado da escolha e
pediu a Passos que adiasse a remodelação para depois do congresso do CDS,
marcado para esse mês.
Nesse mesmo dia o
então ministro dos Negócios Estrangeiros viajou para o Bahrain e quando voltou,
na segunda-feira, dia 1, tinha um sms do primeiro-ministro a informá-lo que já
tinha informado o Presidente da República de que Maria Luís iria substituir
Vítor Gaspar. No dia seguinte é recebido em S. Bento por Passos Coelho de manhã
e já não vai à tomada de posse da nova ministra das Finanças, às 17h. A sua
demissão é divulgada cerca de uma hora antes da cerimónia.
O livro também
refere esse encontro a dois na residência oficial, na manhã do dia 2. Segundo o
relato, Paulo Portas “afirmou não estar confortável” com a escolha de Maria
Luís Albuquerque porque isso “significaria que Passos Coelho continuaria a ser
informalmente o ministro das Finanças”. E prossegue: “Quando Paulo Portas saiu
de S. Bento, Pedro Passos Coelho estava longe de equacionar o cenário que se
seguia. ‘Fui almoçar e quando ia a caminho da comissão permanente, às 15 horas,
recebi um sms do dr. Paulo Portas a dizer que tinha reflectido muito e que se
ia demitir’”.
Cavaco promete
“memórias”
No mesmo capítulo
da biografia autorizada, há também referências à “estranheza” em relação à
forma como Cavaco Silva geriu a crise no Governo. Depois de Passos Coelho ter
tornado revogável a demissão de Paulo Portas, fazendo-o subir a
viceprimeiro-ministro e fazendo uma remodelação no Governo indo ao encontro das
reivindicações do CDS, o Presidente da República impôs aos partidos da
coligação uma tentativa de entendimento com o PS liderado por António José
Seguro.
Como o próprio
Passos Coelho afirma no livro, o Presidente “disse que não procederia a
qualquer mexida no Governo, não empossaria um novo ministro, enquanto os
partidos não assumissem o desafio de atingir um entendimento”. A autora afirma
que essa tentativa causava “estranheza” ao PSD, uma vez que Seguro já tinha
deixado bem claro que não aceitaria qualquer negociação. E acrescenta: “Cavaco
Silva deixou o Governo em banho-maria durante os vinte dias de estéril
negociação” com o PS, “cujo desfecho era, desde o início, absolutamente
previsível”.
Na Noruega, onde
se encontra em visita oficial, o Presidente da República remeteu para o ano a
sua própria versão dos acontecimentos. “Só escreverei as minhas memórias depois
de 9 de Março de 2016” ,
respondeu aos jornalistas, referindo-se à tradicional data da tomada de posse
do futuro chefe de Estado, que deverá ser eleito em Janeiro próximo.
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