Sampaio da Nóvoa. Um PR tem que
intervir contra a corrupção, os interesses e as promiscuidades
Quem é este homem, o tal que
ninguém conhece?
ANA SÁ LOPES
02/05/2015 /
(jornal) i online
O candidato
presidencial entra no Jardim Botânico da velha Faculdade de Ciências, ali na
Rua da Escola Politécnica. A dada altura saiu da Cidade Universitária e aí
instalou o seu gabinete de reitor durante uns tempos. Olha com paixão as obras
que fez naquele tempo, a árvore trespassada por balas das revoltas republicanas
e o tronco de que falava Thomas Mann nas “Confissões de Felix Krull, cavalheiro
da Indústria”. Mostra o túmulo do fundador do velho palácio, Fernão Telles de
Menezes, ex-governador da Índia, que arrancou com as suas mãos de um
esconderijo onde se encontrava, e que hoje está devidamente assinalado naquele
que é hoje o Museu de História Natural. Está em casa e felicíssimo. Na véspera
apresentou a sua candidatura presidencial. Quem é este homem, o tal que ninguém
conhece?
Quem é António
Sampaio da Nóvoa, o candidato presidencial que os portugueses desconhecem?
Nasci em Valença.
A minha mãe era valenciana, morreu o ano passado. Era de uma família da pequena
burguesia, o meu avô era funcionário das Finanças. Somos cinco irmãos.
Todos minhotos?
Todos minhotos.
Na verdade, nascemos todos na mesma casa, na mesma cama e com o mesmo médico
parteiro (risos). O meu pai é juiz, nós vivíamos no Minho, os juízes mudavam de
comarca de dois em dois, três em três anos, mas quando se aproximava a altura
de nascermos a minha mãe ia para casa dos meus avós e ali ficava à espera. Essa
pertença a Valença é forte do lado da minha mãe, mas a pertença maior vem do
lado do meu pai, a Póvoa de Varzim, de onde o meu pai é natural, mas sobretudo
às duas casas da família, a casa de Boamense, em Vila Nova de Famalicão, que
era a casa de Alberto Sampaio, historiador do século xix e amigo do Antero, e
ao Mosteiro de Landim, que depois ficou para um dos meu tios. Vivi sempre nessa
idolatria do Antero e de toda a geração de 70. O meu pai e os irmãos eram sete,
tiveram todos muitos filhos. Nas férias toda a minha socialização foi feita
nesse caldo. No escritório do Alberto Sampaio eu lia as coisas mais improváveis
com 12, 13, 14 anos. Toda a família, tanto do lado do meu pai como da minha
mãe, é católica, muito religiosa. E isso influenciou--me profundamente.
É católico?
Eu tinha uma
relação profundíssima com a minha mãe. Já uma vez respondi assim: “Não sei
responder a essa pergunta, mas a minha mãe é capaz de responder por mim.” Se
ela estivesse cá para responder, seria capaz de responder melhor do que eu sou
capaz. Tenho uma dimensão espiritual, religiosa, muito forte na minha vida,
mas, como muitos de nós, sou-o à minha maneira. Ainda ontem, depois do anúncio
da candidatura, a primeira pessoa a quem falei foi ao prior de Oeiras, que é
uma pessoa por quem tenho uma consideração enorme, uma amizade enorme.
Mas não consegue
dizer que é católico?
Não, não consigo
dizer.
Passou Páscoas no
Minho, imagino. Beijava a cruz?
Durante muitos
anos beijei a cruz, sim. A Páscoa na casa de Boamense era o momento mais forte
do ano. Mais que o Natal. O compasso era um momento marcante para todos nós.
Agora não sou capaz de colar nisso uma etiqueta. E não sou capaz porque não sou
mesmo capaz e não sou capaz também porque não queria que isso fosse visto como
uma forma de oportunismo. São coisas tão íntimas que temos de ter cuidado para
não as expor. Prefiro manter isso dentro de mim.
Casou-se com 19
anos, no meio da Revolução. Tem um filho. A sua mulher vai participar na
campanha?
Casámo-nos no
meio da Revolução sem dizer nada a ninguém. Mas eu e a minha mulher sempre
tivemos vidas muito separadas, muito independentes. Foi uma opção de vida dos
dois desde sempre. Eu vivi muitos anos no estrangeiro sozinho. Ao longo destes
40 anos vivemos muitos anos em casas separadas. Tivemos durante muitos anos
praticamente duas casas. Este é o meu percurso, a minha opção e fá-lo-ei
individualmente.
Fiquei agora a
pensar que se ganhar as presidenciais se calhar a sua mulher não vai assumir o
papel de “senhora de Sampaio da Nóvoa”, a expressão horrorosa que está inscrita
no protocolo de Estado...
Aliás, o nome
Sampaio da Nóvoa é uma coisa curiosa. Eu toda a minha vida fui António Nóvoa. E
agora de repente, acho que em parte a comunicação social, começaram a chamar-me
Sampaio da Nóvoa e nós fomos atrás disso. Às vezes quando ouço Sampaio da Nóvoa
penso: “Mas quem é Sampaio da Nóvoa? Ah, sou eu!” [Risos.] Uma coisa que eu
aprendi desde que assumi maiores responsabilidades, tanto na reitoria como
agora nesta decisão, é que só conseguimos tomar as decisões momento a momento.
Não podemos ter a ilusão de que controlamos o futuro. No momento oportuno essas
decisões serão tomadas com a liberdade com que eu acho que sempre estive na
vida.
Tem um filho,
André, 29 anos, que é militante do Livre... Ele vai participar na campanha?
Creio que não.
Fisionomicamente, o André é muito parecido com o irmão da mãe. Mas em termos de
maneira de pensar, de estar na vida, acho que é muito parecido comigo. Até no
percurso híbrido que ele fez, que é parecido com o meu. Eu sou um híbrido total
e completo!
Pois, o professor
começa no futebol, na matemática, no teatro...
Até chegar à
Educação, onde ainda faço carreira académica. Mas depois salto para a História
e não acabarei por aqui [risos]. O André fez uma licenciatura em História na
Universidade Nova de Lisboa. Ele justamente dizia: “Eu não vou para a
universidade onde tu estás.” E isso também é uma coisa muito minha. Sem
criticar, tenho muita dificuldade em perceber aquelas famílias em que os pais,
os filhos, a mulher, os tios, está tudo nas mesmas instituições. Eu preciso de
separar águas. O André depois fez um mestrado em Antropologia e a seguir um
doutoramento em Geografia na Universidade de Londres. Actualmente está em
Boston, como investigador em pós-doutoramento. Acho que há duas decisões na
minha vida que eu não sei se foram certas ou erradas [risos]. A primeira foi
ter deixado o futebol [gargalhada]. Ainda hoje não tenho a certeza se recusar
aquela oferta que me fazem para passar à equipa sénior da Académica e ter uma
carreira a sério no futebol não foi uma decisão errada [risos]. A segunda, mais
a sério, foi quando acabei o doutoramento e me ofereceram um lugar na
Universidade de Genebra. E eu tive de decidir se voltava ou se assumia que ia
fazer a minha carreira no estrangeiro.
E porque é que
decide voltar para Portugal?
Não sei. Não
tenho explicação. Já se passaram 30 anos e os meus colegas de Genebra ainda
dizem: “A gente não entende. De todos os que estavam a fazer o doutoramento, só
houve dois a quem oferecemos e ainda hoje não percebemos porque é que tu não
aceitaste.” Para mais Portugal naquela altura...
Estávamos em...
1986. E voltei
para nada! Não tinha emprego. Era assistente convidado, mas assim com umas
horas, no antigo Instituto Superior de Educação Física...
Mas enquanto o
André está no partido Livre, o professor nunca deu esse passo. Porquê?
Nunca dei. Julgo que
tive sempre uma descrença muito forte nos aparelhos dos partidos e nas
ortodoxias. É para mim muito difícil aceitar as ortodoxias.
O seu pai é
Alberto Sampaio da Nóvoa, que é conhecido dos portugueses por ter sido ministro
da República para os Açores...
O que é uma
enorme injustiça. O meu pai jubilou-se aos 70 anos como presidente do Supremo
Tribunal Administrativo e depois teve alguns anos como ministro da República
para os Açores. E isso é como se toda a vida profissional do meu pai como juiz,
absolutamente notável, não tivesse contado nada e só contasse a partir do
momento em que foi nomeado ministro da República para os Açores! É aquela coisa
estranha: reitor de uma universidade, mas isso interessa a alguém? Presidente
de um Supremo Tribunal Administrativo, isso interessa a alguém? Interessa é ser
secretário de Estado... É uma coisa impressionante que as nossas elites possam
achar que uma pessoa ser reitor de uma universidade como a Universidade de
Lisboa é uma coisa insignificante. Secretário de Estado é que dá muito mais
experiência, notoriedade, outra coisa qualquer! O meu pai é um juiz dos pés à
cabeça. E é o homem com quem eu aprendi tudo na vida no que tem a ver com
imparcialidade e isenção. O meu pai nunca mais tocava num processo quando alguém
lhe vinha pedir qualquer coisa. Não se pronunciava mais. É a referência mais
luminosa da minha vida, que até hoje me ajuda mais, quase sempre pelo silêncio.
É um homem de poucas palavras.
Como reagiu
quando lhe disse que se ia candidatar?
Disse-me: “Não sei.
A opção é tua.” Mas nisto ele está a dizer-me tudo. Quando o meu pai vai para
os Açores como ministro da República há um episódio curiosíssimo. Estamos todos
na casa de Boamense e ele recebe um convite de António Guterres para ser
ministro da República para os Açores. E pergunta-nos, aos cinco irmãos, a nossa
opinião. E somos unânimes em dizer não.
Porquê?
Nunca imaginámos
que a minha mãe conseguisse sair de Oeiras. Nós vivemos todos em Oeiras. A
minha mãe não descansou enquanto não nos pôs a todos, os filhos, os netos, a
viver no mesmo bairro. E a minha mãe ia agora para o meio do Atlântico? O meu
pai para uma função política? Eu não me lembrava de o meu pai ter aberto a boca
em público uma vez! Era o juiz metido nos seus processos, ia sofrer horrores.
Ele ouviu-nos a todos, agradeceu-nos a opinião, e depois decidiu que sim
[risos]. E o meu pai e a minha mãe tiveram os anos mais felizes da vida deles
nos Açores. A minha mãe, no fim da vida, já muito doente com um cancro muito
duro, se a gente lhe queria ver um sorriso nos lábios era falar--lhe dos
Açores. Os meus pais foram felicíssimos nos Açores. E o meu pai aos 70 anos
mudou de pele! Eu às vezes falava com o Dr. Jorge Sampaio, quando trabalhei com
ele, e dizia: “Não percebo, aquele não é o meu pai!” Andava na rua, a
cumprimentar as pessoas, ia às procissões! “Aquele não é o pai que eu conheço,
é outro pai qualquer.” [Risos.]
Vê-se também
agora a mudar de pele, como o seu pai?
Vejo, vejo-me
muito bem a mudar de pele. A decisão de assumir a candidatura foi muito dura e
difícil. Sei que depois disto, aconteça o que acontecer, a minha vida será
diferente. Mas, se correr bem, se conseguir suscitar essa dinâmica de confiança
nas pessoas, irei para Belém e dar-me-ei totalmente a esse cargo. Se os
portugueses não tiverem confiança, se as coisas correrem mal, recolher-me--ei,
voltarei a ser professor, ponto final, não farei rigorosamente mais nada.
Porque diz que
pensa em Eanes quando pensa na sua candidatura?
Devo dizer que
penso nos três ex-Presidentes da República, por razões diferentes. Penso em
Eanes, na dimensão da independência e isenção e de um exercício muito despojado
do cargo. Acho que precisamos de ter na Presidência da República esse
despojamento. Vivemos uma fase da vida política portuguesa, por muitas coisa
que aconteceram nos tempos mais recentes, em que não pode haver nenhuma
suspeita de que a pessoa que está num cargo destes tem um interesse qualquer,
numa empresa, num banco… Acho que o general Ramalho Eanes teve essa espécie de
despojamento, desprendimento e isenção no exercício do cargo, que é uma marca
do ponto de vista ético e moral muito importante. É nisto que eu penso, não é
de maneira nenhuma em qualquer forma de intervenção política a partir da
Presidência da República.
Mas o que tem
dito até agora é a marca de um candidato a Presidente muito interventivo…
Eu não acho. Sei
que as pessoas têm dito isso, mas não acho. Depende do que queremos dizer com a
palavra “interventivo”…
Disse que era
preciso acabar com o ciclo de austeridade. O que pode um Presidente fazer para
pôr fim ao ciclo de austeridade?
O sistema que a
Constituição consagra comete a responsabilidade de governação aos partidos e à
Assembleia da República, mas faz eleger o Presidente por sufrágio universal e
directo. Dá-lhe também uma responsabilidade e uma legitimidade grande. Essa
legitimidade faz--se não no jogo partidário mas numa relação mais directa com
os portugueses. Se a interventivo estiver subjacente uma intervenção sistemática
no jogo partidário, na tentativa de criar outros equilíbrios partidários, eu
serei o Presidente menos interventivo do mundo. Se o interventivo quer dizer
que me vou misturar na governação, constituir novos partidos, esqueça. Zero.
Mas o coronel
Vasco Lourenço disse ao i que a sua candidatura presidencial poderia favorecer
novas alianças governativas, nomeadamente à esquerda…
Isso não é o que
está na minha candidatura. Essas alianças decorrerão de opções legítimas, e as
possíveis, que os partidos farão.
Mas não será
patrocinador de alianças à esquerda?
Não serei eu o
patrocinador de equilíbrios partidários. Não acho que o Presidente da República
tenha essa função. Tem a função de ter algumas causas, alguns pactos, ter uma
relação directa com os portugueses, obviamente suscitar ideias e projectos de
futuro para o país, mas não uma intervenção sistemática do ponto de vista dos
equilíbrios partidários.
Mas o Presidente
tem poder de veto e de dissolver a Assembleia…
É óbvio que os
exercerei na medida em que entender que devo exercê-los. Se por interventivo
entendermos uma intervenção junto das pessoas, participar em certas causas no
plano nacional e eventualmente no plano internacional, vejo-me a falar todos os
dias. Vejo-me a estar com as pessoas todos os dias. Não me vejo fechado no
Palácio de Belém. Se interventivo quer dizer isso, acho que sou eu. E aí
reconheço a marca do mandato do Dr. Mário Soares, nesse sentido de uma maior
proximidade com as pessoas, como vejo muito a marca do Dr. Jorge Sampaio na
questão das causas sociais. Acho que o Presidente pode ser alguém que completa
a nossa democracia. Sem intervir no normal jogo partidário que decorre das
eleições legislativas, pode completar a democracia através de um conjunto de
outras formas de intervenção e acção. Vejo-me como Presidente a conversar todos
os dias com as pessoas. Acho que nesse sentido o Presidente pode ter um papel,
sobretudo nestes tempos difíceis que vivemos, importante junto das pessoas.
Mas disse no
discurso de candidatura que não seria “um espectador impávido da degradação da
vida pública”…
Repare: quando
falo na degradação da vida pública não estou a falar em opções ideológicas de
governo ou em alianças partidárias, estou a falar de degradação no sentido da
corrupção, dos interesses, das promiscuidades, de coisas absolutamente
inaceitáveis para mim. O Presidente da República tem de ter sobre essa matéria
linhas e fronteiras muito claras. Tem de intervir contra a degradação da vida
pública no sentido deste novelo insuportável de interesses, casos, situações, a
que particularmente ao longo do último ano fomos assistindo com uma enorme
indignação.
Assistimos à
prisão do ex-primeiro-ministro José Sócrates...
Assistimos à
prisão do ex-primeiro-ministro, ao caso BES, aos vistos gold. Isto é uma coisa
insuportável. E é mais insuportável ainda numa altura de tanto sofrimento dos
portugueses. Temos de estabelecer aqui uma fronteira. Acho que um Presidente da
República, pela sua acção, pelas suas palavras, pela sua influência e pela sua
legitimidade, pode ter um papel muito importante a estabelecer linhas de
separação sobre isso. Quando falo em degradação da vida pública é no sentido da
ética republicana, de serviço público, e não de interesses privados ou
particulares. Sobre o ex-primeiro-ministro José Sócrates, só uma vez manifestei
a minha opinião. Eu não condeno ninguém antes de haver qualquer decisão na
justiça.
Mas, segundo as
palavras de Sócrates e da defesa, o ex-primeiro-ministro vivia de empréstimos
de um amigo e não utilizava contas bancárias porque desconfiava do sistema
bancário…
É uma coisa sobre
a qual temos de ter uma prudência grande. As pessoas têm todos os direitos na
sua defesa. Agora acho insuportável o caso sem me pronunciar sobre a substância
disso. É uma coisa que me revolta completamente por dentro que uma coisa destas
possa acontecer ao nosso país. Agora longe de mim estar a condenar quem quer
que seja antes d os tribunais se pronunciarem. E há muitas coisas que vamos
sabendo neste caso, em todos os sentidos, que não parecem bem. Mas quando falo
em degradação da vida pública, é óbvio que do que falo é disto.
O PS vai
declarar-lhe apoio formal mais dia menos dia. Fica contente com esse apoio?
Claro que se esse
apoio vier é um apoio não só muito importante como poderá ser mesmo decisivo.
Agora tudo isto está a ser feito, por iniciativa minha com um grupo de pessoas,
8-10 pessoas que se auto-organizaram em torno deste projecto e a quem nunca perguntei
de onde vinham.
Mas António
Sampaio da Nóvoa é um homem de esquerda. Isso está acima de qualquer dúvida?
Isso está acima
de qualquer dúvida. O meu lugar, as coisas por que me bati ao longo da minha
vida, vêm do lugar da esquerda. Mas a minha característica principal foi sempre
a capacidade de construir consensos. Acho que alguém disse num programa de
televisão, em tom crítico, que eu deveria ser “muito ecuménico”. Quando me
disseram isto, eu disse: “Mas é verdade! Eu sinto-me muito ecuménico.” Eu trabalho
com pessoas de todos os lugares e de todos os sectores da sociedade, sempre foi
assim. A fusão das universidades atravessou todos os sectores políticos.
Como se combate a
austeridade enquanto ideologia europeia? Como é que um Presidente pode combater?
Combate-se tendo
a coragem de dizer que sozinhos não conseguimos fazer tudo, mas podemos
consolidar internamente tudo o que nos reforce. Em vez da ilusão que tivemos ao
longo das últimas décadas de que podíamos acabar com as pescas, com a
agricultura, porque íamos receber uns subsídios de Bruxelas… este ilusão foi
muito marcada por um jogo de subsídios e de casino. Temos de reforçar a
inovação, a economia, o nosso território, reforçar muitíssimo a nossa
capacidade de investir no mar, fazer investimentos estratégicos que só o Estado
pode fazer. Isto para que daqui a 30 anos possamos estar em condições de obter
alguma riqueza que daí advenha. Para mim o objectivo é tentarmos reforçar-nos,
e é por isso que a educação é muito importante, a cultura é muito importante, a
língua é muito importante, a tecnologia e a inovação na economia são muito
importantes. Esta é a minha aposta.
Defende a
renegociação da dívida. Referiu isso no discurso. Vai insistir neste assunto na
campanha?
Revejo-me muito
nas afirmações que Thomas Piketty fez em Portugal. Julgo que hoje é claro para
toda a gente na Europa que tem de haver um plano de reestruturação das dívidas,
para encontrar soluções viáveis para o pagamento. E se não as encontrarmos a
Europa entra num beco sem saída. Creio que isso é consensual. Uns podem dizê-lo
abertamente, outros não o podem dizer tão abertamente. Mas nenhum de nós tem
qualquer dúvida sobre essa matéria. Parece-me absolutamente inevitável. Mas
nessa matéria não advogo rupturas. Acho que temos de trabalhar muito pela
democratização da União Europeia, por uma União que volte de algum modo às suas
origens e aos seus compromissos iniciais, que não seja apenas isto que estamos
a ver, esta união económica e monetária, este Tratado Orçamental, este jogo em
que ganham sempre os mesmos e perdem sempre os mesmos, façamos o que fizermos.
Temos uma batalha enorme a travar na Europa e é uma batalha em que o Presidente
da República tem de estar envolvido, seja qual for o governo. Não tenho nenhuma
dúvida sobre isso. O reforço de Portugal na frente interna e externa não podem
deixar de ser causas nacionais, pactos de futuro. Como se chega a isso? É
evidente que há metodologias diferentes e que têm de ser respeitadas em função
do voto dos portugueses. Mas penso que estas causas podem criar um consenso
grande na sociedade portuguesa.
O próximo
Presidente enfrenta negociações duríssimas na frente interna e externa.
Acusam-no de não ter experiência política para enfrentar isto.
Sinto-me
preparadíssimo. Custa-me muito aceitar que se possa dizer de alguém que foi
secretário de Estado ou deputado da última fila de uma bancada qualquer que são
pessoas com experiência política e que alguém que foi reitor de uma
universidade, que teve as responsabilidades de governo que teve nessa universidade,
que não tem experiência política. Depende do que queremos dizer com política!
Política para mim é a polis, não tem outra raiz, é a raiz da res publica, a
coisa pública. E eu tenho essa raiz na minha vida. Tive de tomar muitas
decisões difíceis em muitos lugares. Não tenho experiência no sentido
partidário mas não creio que isso seja um factor. Muitos acusam-me de
ingenuidade, de inocência. Por exemplo, tenho muita dificuldade em aceitar
teorias conspirativas. A confiança gera mais confiança. Quando os portugueses
percebem que estamos a falar olhos nos olhos, que não estamos a esconder nada,
que estamos a dizer o que nos vai na alma, a experiência que tenho é que as
pessoas no final acabam por responder positivamente a isso. A capacidade de construir
confiança com as pessoas eu tenho. Vai ser difícil? Claro… Agora sobre isto da
notoriedade, Miguel de Unamuno dizia que em Roma antes de haver impostos não
havia impostos. Eu sinto-me um bocadinho assim: antes de haver um Presidente da
República que não vem dos partidos não tinha havido um Presidente que não vinha
dos partidos. Mas chegará o tempo em que isso há-de vir. Não quero que haja
nenhuma dúvida sobre esta matéria: eu tenho o maior dos respeitos pelas pessoas
que ao longo de anos e anos militaram nos partidos.
Portanto não é um
candidato antipolíticos?
De maneira
nenhuma. O discurso antipolíticos e antipartidos é o pior discurso da sociedade
portuguesa. Há dois discursos que detesto e já tive de sofrer com eles neste
percurso: um é o discurso antipolíticos e antipartidos, que nunca ninguém me
ouvirá ter. Tenho um respeito enorme pelas pessoas que militaram nos partidos,
não acho é que elas sejam nem mais nem menos que eu, que por isso tenham mais
direitos de cidadania ou de intervenção pública do que eu tenho. O outro
discurso horrível que já tive de ouvir – ainda por cima por causa do trocadilho
de Nóvoa com névoa – é o do sebastianismo. Se há discurso que mais me irrita na
história de Portugal é o do sebastianismo.
É um grande
crítico de Nuno Crato e da política de educação que está a ser seguida por este
governo.
Há duas coisas
que estão a ser terríveis na escola. Uma é culpa deste governo, a outra não. A
que não é culpa deste governo é uma hiperburocratização das instituições em
geral e das escolas em particular. Os professores perderam liberdade
pedagógica, perderam a capacidade de ser diferentes, tudo aquilo é controlado,
tudo aquilo é uma avaliação absolutamente cega de coisas, relatórios, prestação
de contas. Os professores hoje gastam metade do trabalho em burocracias, em
papéis. O outro problema são as políticas deste governo. Quando Nuno Crato diz
que “o importante é o Português e a Matemática” ninguém discorda, mas ele está
a utilizar isto como uma metáfora que na verdade ressoa à metáfora organizadora
da escola salazarista do “ler, escrever e contar”. Quando se diz isto não se
está a dizer que o Português e a Matemática são importantes, está-se a dizer
outra coisa: que tudo o resto é irrelevante. E foi isto que organizou a escola
salazarista. Contrariamente ao que muita gente diz, a escola salazarista não
era uma escola que promovia o analfabetismo. Isto é um erro histórico de
análise que muita gente nos movimentos antifascistas cometeu. O problema da
escola salazarista não foi querer que fossem todos analfabetos, foi o problema
da escola mínima, a escola do ler, escrever e contar. É o problema da escola em
que chega a terceira classe. O que temos do ponto de vista ideológico hoje é
uma concepção de escola que se assemelha a essa, à ideia de que o que importa é
um núcleo básico que acaba por desvalorizar tudo o resto. E assim temos uma
escola que vai empobrecendo. Houve um retrocesso enorme na escola portuguesa
nos últimos anos.
E inclui nesse
retrocesso a Maria de Lurdes Rodrigues?
Eu penso que a
Maria de Lurdes Rodrigues tinha no essencial uma política certa no que diz
respeito às questões estruturantes. Do currículo, do aumento das qualificações
das crianças e jovens, da qualificação dos adultos. Eu fui das pessoas que mais
criticaram o programa Novas Oportunidades, mas nunca me ouviram dizer que o
programa não era importante. Qual foi o problema da Maria de Lurdes Rodrigues?
A burocratização e a ideia de que para legitimar uma política é preciso que
alguém seja contra. E quando o discurso é feito como se os maus da fita fossem
os professores, os sindicatos, acaba por conduzir a uma situação que torna
ingovernável a educação. Criou tanta crispação, tanta resistência, que
políticas que no essencial estavam certas acabaram por não se traduzir na
prática. Ora a política é a arte de fazer, não a de ter boas ideias. E isto
acabou por se transformar num problema a muitos títulos.
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