Uma ilusão para Portugal
JOSÉ GUSMÃO ,
MARIANA MORTÁGUA e MARISA MATIAS 04/05/2015 – PÚBLICO
A desilusão repete-se aqui, e com
estrondo. O PS já tem o seu Hollande.
Desde que assumiu
a liderança do Partido Socialista, António Costa foi acusado por diversas vezes
de ocultar as suas propostas para o país. O documento “Uma década para
Portugal” é o núcleo central do futuro programa do PS e a sua apresentação
contribui para um debate público que se quer esclarecedor. Vamos a ele.
Apesar da
tentativa de realizar uma autêntica quadratura do círculo, prometendo o fim da
austeridade enquanto perpetua cortes salariais e de pensões, uma leitura atenta
deste relatório do PS mostra ao que vem António Costa.
O cenário
macroeconómico é a primeira surpresa. O PS trabalha sobre o quadro das
instituições europeias, considerando-o credível, apesar de, no passado recente,
ter ridicularizado (e bem) o sistemático optimismo dessas instituições. Por outro
lado, desenha dois cenários alternativos: uma viragem à esquerda na Europa ou a
continuação da dinâmica atual. E presume, contra todas as evidências, que se
concretizará o primeiro.
A partir daí é
deixar voar a imaginação: o PIB real cresce entre 2,3 e 3,1% com excedentes primários
entre os 1,8 e os 3,2%. As exportações retomam o seu crescimento, aumentando
26% em quatro anos. Como resultado, o desemprego cai a pique de 13,6 para 7,4%.
Não faz mal sonhar, mas esta estratégia, para além de pouco prudente, deixa os
portugueses sem saber o que resultará desta agenda do PS, caso não ocorram a
revolução europeia e o milagre económico que o PS prevê.
O enterro da
justa causa
Mas no que é mais
estruturante neste programa, o PS não esperou pela direita europeia. O contrato
para a equidade laboral representa a extinção prática do conceito de justa
causa consagrado na Constituição. Com efeito, aquilo a que o PS chama
provocatoriamente um "regime conciliatório" consiste na introdução do
despedimento unilateral com base em razões económicas, ou seja, livre. Em
troca, a indemnização aumenta 25%; 50% para os primeiros três anos.
Diz o PS que a
"parte fraca" fica protegida porque poderá sempre recorrer aos
tribunais. O que desta forma é reconhecido é que a "parte fraca" da
relação laboral fica assim reduzida à tarefa ciclópica de provar em tribunal
que o empregador não tinha razões de mercado, estruturais ou tecnológicas para
o despedimento. Tarefa que terá de empreender prescindindo da indemnização.
A miséria da
segurança social
O PS parte de um
diagnóstico interessante, centrado nos níveis de desemprego, que é rapidamente
despachado em benefício da redução da TSU dos patrões em 4 p.p. Esta medida é
compensada em 200 milhões pela reintrodução do imposto sucessório e pela
penalização das empresas que mais despedem. Daqui conclui o PS que resulta um
buraco de... 250 milhões. Como? Os autores consideram como receita adicional a
não redução do IRC que a direita anunciou, o que representa uma extraordinária
inovação contabilística, e o resto são os efeitos do crescimento.
Na realidade, a
cavalo dos supostos efeitos de "dinamização do mercado de trabalho"
desta redução dos encargos sobre os empregadores - efeitos esses já testados e
espetacularmente desmentidos em inúmeros cenários económicos (e ainda mais nos
de crise) - o PS procede a mais uma operação de descapitalização da segurança
social. Não será portanto um acaso que se anuncie o "reforço dos
instrumentos de apoio à complementaridade com instrumentos individuais de
poupança" (os PPR). Resumindo, o PS propõe-se retirar dinheiro ao sistema
público de segurança social, ao mesmo tempo que gasta dinheiros públicos para
incentivar os trabalhadores de rendimentos mais elevados a sair desse sistema.
Um sistema público miserável para miseráveis.
O dumping
subsidiado
O exemplo
derradeiro deste socialismo da miséria é o do "imposto negativo" para
trabalhadores pobres. Milton Friedman, autor desta ideia, não deve ter
imaginado que esta viesse ganhar espaço em programas social-democratas, mas
vivemos tempos confusos. Do que se trata é de um subsídio público ao emprego
precário e/ou a salários baixíssimos. Através desta medida, o Estado apoia não
as empresas inovadoras, não as empresas que apostam nas qualificações, mas sim
as empresas que apostam no modelo chinês e na selvajaria laboral.
Foram muitos os
que à esquerda alimentaram a esperança de que António Costa pudesse representar
um corte com a deriva liberal da social-democracia europeia. Infelizmente (é
mesmo infelizmente), a desilusão repete-se aqui, e com estrondo. O PS já tem o
seu Hollande.
Membros da
Comissão Política do Bloco de Esquerda
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