Câmara
de Lisboa aprecia projecto imobiliário em solos contaminados
APL
e CCDRLVT emitiram pareceres contra o licenciamento devido à
contaminação, mas não só. Autarquia começou a apreciar o
projecto um ano antes de a minuta do contrato de urbanização ser
aprovado apenas com os votos do PS
Resolver
o problema da contaminação implica custos de 4,9 milhões de euros
Até agora, a CCDRLVT não recebeu qualquer processo relativo à
descontaminação
José António
Cerejo / 18-5-2015 / PÚBLICO
O fundo Fimes
Oriente, que detém 80% dos terrenos da antiga fábrica do gás da
Matinha, junto ao Parque das Nações, pediu licença à Câmara de
Lisboa, no final de 2013, para avançar com um loteamento de 771
apartamentos, em prédios que chegam aos 21 pisos, sem nada dizer
sobre a descontaminação dos solos, exigida pelo plano de pormenor
da zona.
A inexistência de
qualquer referência ao processo de descontaminação foi uma das
razões que levaram a Administração do Porto de Lisboa e a Comissão
de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo
(CCDRLVT) a emitirem pareceres desfavoráveis à aprovação do
loteamento, que continua pendente na Câmara de Lisboa.
A urbanização,
cujo licenciamento foi requerido pelo Fimes Oriente, um fundo criado
em 2004 no quadro do Grupo Espírito Santo (GES) e gerido pela
Gesfimo, uma sociedade pertencente a uma holding do mesmo grupo já
falida, é a primeira de um total de quatro a executar na área do
Plano de Pormenor da Matinha (PPM). Este plano foi desenvolvido para
a Gesfimo entre 2004 e 2012 pelo atelier Risco, de que era principal
accionista o vereador do Urbanismo da Câmara de Lisboa, Manuel
Salgado, e que actualmente é detido pelos filhos e pela primeira
mulher.
A execução do PPM
por fases, requerida pelo fundo, foi aprovada em Novembro de 2012
pelo próprio Manuel Salgado, embora este não tenha subscrito outras
decisões camarárias relacionadas com a Matinha por ser um dos
autores do plano.
De acordo com o
faseamento aprovado, o Fimes Oriente requereu a aprovação do
primeiro loteamento previsto, o qual deverá ocupar um total de cerca
de 10 hectares, oito dos quais lhe pertencem, cabendo os 2,9
restantes ao município. O projecto apresentado baseia-se num
conjunto de pressupostos constantes da minuta de um contrato de
urbanização que só foi aprovado pela câmara mais de um ano
depois, em Fevereiro passado, com os votos favoráveis dos vereadores
do PS e a abstenção de todos os outros.
Este contrato, que
ainda não foi assinado, estabelece as obrigações das partes
envolvidas na urbanização de toda a área do plano, determinando,
nomeadamente, a forma de repartição dos seus custos e benefícios
entre os diferentes proprietários. No entanto, o seu conteúdo
compromete apenas o município e a Gesfimo, já que os restantes se
opuseram frontalmente a ele, caso das empresas Aermigeste e
Exportadora M. Saldanha, ou manifestaram sérias reservas quanto ao
seu conteúdo (APL — Administração do Porto de Lisboa), ou
optaram por não se pronunciar (Lisboagás).
As duas primeiras
empresas detêm ali cerca de 6 mil m2 e não só rejeitaram
formalmente o contrato de urbanização, por o considerarem contrário
aos seus interesses e direitos, como se opõem desde o início ao PPM
e ao faseamento da sua execução aprovado a pedido do Fimes. No caso
da APL e da Lisboagás, ambas disputam nos tribunais, desde há
vários anos, a propriedade de uma área de cerca de quatro hectares
(40 mil m2) na qual o plano prevê a implantação de infraestruturas
rodoviárias essenciais à sua execução.
Na altura em que o
projecto do primeiro loteamento, elaborado pelo Risco e coordenado
pelo arquitecto Tomás Salgado (filho do vereador do Urbanismo), foi
submetido à câmara, em Dezembro de 2013, já esta sabia das
objecções dos restantes proprietários. Os responsáveis municipais
entenderam, todavia, que isso não era impeditivo do início da
execução do plano e da celebração do contrato de urbanização.
No entanto, a APL,
que tem jurisdição sobre uma parte da área, tal como a CCDRLVT e a
Refer, também por via das suas competências legais, tinham uma
palavra essencial a dizer em relação ao projecto de loteamento,
pelo que foram consultadas pela autarquia no início de 2014.
Mas ainda antes de
se pronunciarem, já os serviços de Urbanismo do município, em
Fevereiro do ano passado, tinham chamado a atenção para o facto de
o Fimes Oriente não ter entregue o certificado de descontaminação
dos solos exigido pelo regulamento do PPM. Dias depois chegou à
câmara o parecer desfavorável emitido pela APL, desde logo por o
projecto ignorar a questão da descontaminação e por não ter sido
apresentado o Plano de Prevenção e Gestão de Resíduos de
Construção e Demolição exigido por lei. O documento suscita
também várias questões relacionadas com as acessibilidades à
futura urbanização e com as suas implicações nos acessos à zona
portuária.
Por último, os
serviços da APL aproveitam para defender uma “negociação
aprofundada do contrato de urbanização [cuja minuta, aprovada pela
câmara em Fevereiro deste ano, já estava então elaborada], capaz
de esclarecer cabalmente todos os proprietários acerca das
implicações das transformações preconizadas, assim como do tempo,
do modo e dos custos do seu efectivo envolvimento no processo”. O
mesmo parecer nota que o projecto de loteamento em apreço se
enquadra num “ambicioso programa de realização ou alteração de
obras de infra-estruturas, cujas implicações,
na perspectiva dos
interesses da APL, estão longe de ser claras”.
Contactada pelo
PÚBLICO na semana passada, a presidente da APL, Marina Ferreira, fez
questão de salientar que os termos deste parecer podem transmitir
“uma noção de conflitualidade que não corresponde à realidade
do dia-a-dia” — uma vez que existe uma “grande articulação”
entre a entidade que dirige e os serviços do município.
Sustentando-se na
posição da APL e da Refer, que também se pronunciou contra o
projecto por razões que se prendem com a proximidade de alguns
edifícios à linha férrea, a CCDRLVT emitiu um parecer igualmente
desfavorável em meados de Março do ano passado. O conteúdo desse
parecer, juntamente com as reservas dos seus próprios serviços,
levou depois o director municipal de Urbanismo a indeferir o pedido
de licenciamento do Fimes Oriente em Abril do ano passado.
Dois meses depois, o
promotor apresentou um conjunto de alterações subscritas pelo
Risco, mas os serviços municipais voltaram a considerar que o
processo não reunia as condições necessárias para ser aprovado.
Já em Dezembro foram entregues novos elementos, que levaram a Refer
a mudar de posição, dando luz verde ao projecto, devido à
deslocalização de alguns edifícios. Entre os novos elementos
apresentados, conta-se um estudo de descontaminação dos solos da
responsabilidade da empresa Egiamb.
A CCDR e a APL,
porém, não voltaram a pronunciar-se, razão pela qual, já em
Janeiro deste ano, os técnicos municipais defenderam, até agora sem
êxito, um novo indeferimento do processo. No mês seguinte, dias
depois de os vereadores do PS aprovarem a minuta do contrato de
urbanização — actualmente à espera de uma deliberação da
assembleia municipal para ser assinado —, uma outra informação
técnica da câmara refere que a aprovação do loteamento “mantém-se
pendente” devido à pronúncia da APL, “que até ao momento, do
que se conhece, é desfavorável”.
Quanto à
descontaminação, o estudo apresentado pelo Fimes Oriente adianta
que a resolução do problema obrigaria a remover 33.136 metros
cúbicos de solos contaminados. O custo estimado para a escavação,
transporte e deposição dos resíduos em aterro licenciado é de 4,9
milhões de euros. Nos termos da lei, o estudo em causa terá de ser
objecto de parecer da CCDRLVT, entidade à qual compete o
licenciamento das operações de descontaminação. Até agora ainda
não lhe foi submetido qualquer processo referente a este assunto. De
acordo com a presidência deste organismo “não se identifica na
CCDRLVT qualquer processo relativo a descontaminação de solos na
Matinha, Lisboa”, o mesmo sucedendo com a Agência Portuguesa do
Ambiente.
Nos últimos dois
meses a Câmara de Lisboa viabilizou dois outros grandes projectos
imobiliários polémicos para construir em terrenos que são
propriedade de empresas ligadas ao universo Espírito Santo. Um deles
prende- se com a construção de um edifício de 17 pisos em Picoas.
O outro tem a ver com a construção de uma grande urbanização na
zona da Gare do Oriente, em terrenos onde a Petrogal esteve instalada
até à realização da Expo ’98.
Gesfimo
diz que os terrenos não são do GES
“OFimes Oriente
não é detido directa ou indirectamente por qualquer entidade
pertencente ao GES”, disse ao PÚBLICO, por email, um responsável
da Espírito Santo Property, empresa detida pela falida Rio Forte e
dona da Gesfimo, gestora daquele fundo. Alexandre Torres Pereira, que
já foi administrador da Gesfimo, adiantou que “as unidades de
participação [acções] do Fimes Oriente são totalmente detidas
por empresa pertencente a 100% ao Novo Banco”.
O último relatório
de gestão daquele fundo, relativo a 2013, esclarece que nessa altura
a totalidade do capital do Fimes Oriente era detida pela seguradora
Ges Vida, de que o BES se tornou o único proprietário em 2012,
depois de comprar os 50% detidos pelo Crédit Agricole. Na sequência
da “resolução” do BES no ano passado, a Ges Vida passou a
integrar o Grupo Novo Banco, mudando o nome para GNB — Seguros
Vida.
De acordo com
Alexandre Torres Pereira, a actual situação da Rio Forte/ES
Property “não interfere com o objectivo da Gesfimo/Fimes Oriente
de obter o licenciamento municipal do loteamento submetido a
aprovação” e “não afecta as acções a desenvolver” pela
Gesfimo em relação ao Fimes Oriente. A mesma fonte acrescenta que a
Gesfimo “prevê
iniciar a construção
das infraestruturas logo que obtenha o respectivo licenciamento”,
sendo “prematuro” avançar datas para a construção dos
edifícios.
A empresa salienta
que este primeiro loteamento se desenvolve “integralmente” em
terrenos do Fimes Oriente e que as infra-estruturas necessárias à
sua execução “serão suportadas exclusivamente por este fundo”.
Quando à descontaminação dos solos, confirma que não foi ainda
pedido o seu licenciamento, “estando em conclusão” os
respectivos estudos. A descontaminação, também, “antecederá
qualquer obra de infra-estruturas a executar no terreno, conforme
determinado pelo plano de pormenor”.
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