Balanço e lições de uma greve
estranha
JOSÉ VÍTOR
MALHEIROS 12/05/2015 - PÚBLICO
A greve de pilotos da TAP
encaixou perfeitamente na narrativa governamental de uma empresa impossível de
gerir pelo Estado.
Media e
comentadores foram repetindo nos últimos dias as estimativas do Governo e da
administração da empresa segundo as quais a greve dos pilotos da TAP causou um
prejuízo de 30 a
35 milhões de euros à empresa. No entanto, se esse fosse o único prejuízo da
greve decretada pelo Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil, ele seria
negligenciável.
O primeiro custo
da greve, que ninguém contabilizou, foi o sofrimento causado aos passageiros
que perderam os seus voos, que perderam dias de férias ou de trabalho, que
tiveram de passar horas ou dias à espera em aeroportos, sem que lhes fosse
disponibilizado um hotel para dormir ou uma refeição para comer ou sequer um
pedido de desculpas e uma informação séria. É evidente que uma greve provoca
sempre incómodos aos utentes dos serviços paralisados e não era de esperar que
esta não o fizesse. Mas existe uma diferença entre o incómodo de uma mudança de
companhia e de aeroporto, de uma viagem mais longa que o esperado e o desespero
causado pelo abandono a que milhares de clientes da TAP foram votados, sem
saber o que se passava, se iriam chegar ao seu destino, nem como e muito menos
quando. É sabido que, sempre que há cancelamento de voos, as companhias de
aviação tratam os seus passageiros de uma forma arrogante (a TAP não é
excepção) e que lhes recusam a informação mínima a que têm direito. Quem viaja
com frequência conhece a tortura de ver o seu avião desaparecer sem explicação
dos placards de informação, de não conseguir a mínima informação por parte dos
funcionários que se encontram no aeroporto, de ter de calcorrear quilómetros de
balcão em balcão para saber o que se passa, de ter de perseguir pelo aeroporto
o funcionário que distribui os vouchers do hotel, etc. Quem já teve de fazer
tudo isto arrastando crianças ou idosos, cansados, irritados, com fome e com
sono, sabe do que se trata.
Como acontece em
qualquer crise, a administração da TAP poderia ter aproveitado a oportunidade
para mostrar a têmpera da empresa e disponibilizado a todos os passageiros uma informação
honesta e permanente — a primeira necessidade do passageiro, ainda mais
importante que o transporte alternativo. Não o fez. É possível que não o tenha
feito por incapacidade ou incompetência. É possível que o tenha feito para
mostrar que algo está podre na TAP e que a privatização é a única solução. Nenhuma
das alternativas dá uma boa imagem da empresa. A administração da TAP ou fez má
gestão ou má política.
O custo
reputacional foi o segundo grande problema e é provável que ele seja muito
superior aos 30 milhões referidos. Custo reputacional para a TAP, pela atitude
de indiferença pelos passageiros que lhe fica associada, mas também para
Portugal como destino turístico. Para muitos turistas, as horas e os dias
passados num aeroporto português sem qualquer informação foram horas e dias de
inferno. É natural que o vão contar alto e bom som nos seus países e que não o
esqueçam tão cedo.
Outro custo,
finalmente, de difícil quantificação, é o custo reputacional que a greve dos
pilotos teve para os sindicatos em geral e para a instituição da greve em
particular. A greve é um instrumento de defesa dos direitos dos trabalhadores e
tem, em princípio, uma motivação solidária de defesa do colectivo de
trabalhadores. Mesmo quando reivindica benefícios apenas para um grupo, uma
greve beneficia o colectivo, pois é o primeiro passo para que esse benefício se
alarge a todos. Não era o caso desta greve, uma greve que defendia de facto a
privatização da empresa apesar de não o concedido apenas a um grupo
profissional. As greves, sabemo-lo, não são muitas vezes populares. A partir
desta, sê-lo-ão ainda menos. Daí que o Governo tenha adoptado em relação aos
pilotos um discurso admitir claramente, decretada em nome da defesa de um
privilégio de duvidosa legitimidade, na narrativa da administração e
governamental que refere uma empresa impossível de gerir pelo Estado e que tem
de ser privatizada, onde os trabalhadores, indiferentes à situação da empresa,
exigem privilégios irrealistas para si. Tivemos uma greve estranha. Tivemos um
conflito entre sindicato, administração da empresa e Governo onde todos queriam
(e querem) a privatização da empresa e depois do qual é provável que a causa da
TAP pública tenha perdido força. Se tudo tivesse sido orquestrado, não teria
sido melhor para os defensores da privatização.crítico mas surpreendentemente
suave. A greve dos pilotos da TAP encaixou perfeitamente
Um ensinamento
final que pode ser a única coisa boa a retirar desta história é que é
importante que os trabalhadores participem nas decisões sindicais. O SPAC
decretou legalmente uma greve que ninguém sabe se teve ou não o apoio da
maioria dos pilotos, muitos dos quais criticaram duramente o processo interno
de decisão. Esperemos que os trabalhadores tenham aprendido que, para garantir
a sua representação nos sindicatos, devem participar neles.
Jornalista; jvmalheiros@gmail.com
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