As cenas da TAP
VASCO PULIDO
VALENTE 02/05/2015 - PÚBLICO
Já estamos fartos do assunto e
dos penduras patrióticos que nos querem meter a mão na algibeira.
A TAP é um
produto do império. Sem o império e a guerra colonial não existiria. O amor que
os portugueses supostamente têm à TAP não passa de uma atracção pela falsa
grandeza que as colónias nos davam e que gerações de portugueses partilharam,
mesmo depois do “25 de Abril”.
É por isso, e só
por isso, que a “privatização” provoca sempre uma certa exaltação nacionalista,
muito próxima da idiotia. A conversa sobre o “valor estratégico” da TAP assenta
na fantástica premissa de que Portugal é uma potência com um papel no mundo; e
a “lusofonia” em interesses de algumas empresas sem um mercado decente, na
emigração para África de alguns portugueses e numa língua, alegadamente comum,
que se vai degradando a cada tentativa para a tornar oficial (como sucedeu com
o acordo ortográfico).
O turismo em
constante crescimento ajudou a manter a companhia durante as parcas décadas da
II República (ou III, se quiserem), mas não chega para a manter contra a
concorrência do low cost e dos grandes conglomerados que cobrem o mundo. Não
chegou na Suíça, não chegou em Itália, não chegou em Espanha e por aí fora. Mas,
desgraçadamente, este simples facto não entrou na cabeça dos governantes, nem
na da gentinha que se exalta com as “vitórias” do futebol ou do sr. João Santos
que ganhou o campeonato da Europa de caligrafia. Para esses representantes do
amolecimento cerebral da Pátria, a TAP é um bocadinho de Portugal no
estrangeiro e, não se percebe porquê, uma ajuda para extorquir dinheiro ao
Brasil, a Angola ou até a Moçambique. Com um balcão da TAP e uma hospedeira
portuguesa, a saloiice indígena rejubila.
Foi neste
ambiente que os srs. pilotos resolveram exigir o que em circunstâncias de
tranquilidade e realismo nunca ocorreria àquelas duríssimas cabeças: 20 por cento
do capital da companhia e o pagamento das “diuturnidades” que em princípio lhes
deviam. Não interessa discutir aqui os méritos da reivindicação dos pilotos,
nem as formidáveis perdas que uma greve de 10 dias nesta altura do ano irá
trazer à TAP e à economia do país. Claro que os pilotos levarão a companhia à
ruína e à sua venda por um preço vil. Mas se é esse o sacrifício que temos de
fazer para curar a megalomania doméstica (pelo menos, neste capítulo), o
sacrifício vale a pena. Também saímos de África e não ficámos pior. As cenas da
TAP ou por causa da TAP acabam por nos prejudicar muito mais do que depender de
um serviço estrangeiro organizado e fiável. E os srs. pilotos que depois tratem
de si como puderem. Nós já estamos fartos do assunto e dos penduras patrióticos
que nos querem meter a mão na algibeira.
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