Passos no país dos Dias Loureiro
Passos
Coelho tem de dizer por A mais B que o historial de Dias Loureiro não é exemplo
para se “vencer na vida”
Manuel Carvalho /
3-5-2015 / PÚBLICO
1. Passos Coelho
foi esta semana inaugurar uma queijaria em Aguiar da Beira e dedicou-se a
teorizar sobre o português que no futuro há-de fazer um país novo, desenvolvido
e, evidentemente, avesso a novas visitas da troika. E quem escolheu para o
simbolizar? Dias Loureiro, nem mais.
Diz o
primeiro-ministro que ele “conheceu mundo, é um empresário bem-sucedido, viu
muitas coisas por este mundo fora e sabe, como algumas pessoas em Portugal
sabem também, que se nós queremos vencer na vida, se queremos ter uma economia
desenvolvida, pujante, temos de ser exigentes, metódicos”. Claro que Passos
poderia acrescentar outros adjectivos a esse ser triunfante, como “rigorosos”,
“sérios”, “prudentes”, “conscienciosos”, “frugais”, “legalistas”,
“trabalhadores” ou “socialmente responsáveis”, mas nesta estranhíssima apologia
de meritocracia tipo “salve-se quem puder” os valores que estes qualificativos
encerram estão, vá lá, em desuso.
Não dá para
acreditar. Como pôde o primeiro-ministro dar ao país como exemplo um arguido no
caso do BPN (absolvido em primeira instância) por suspeitas num negócio que
envolve um lobista libanês, uma empresa marroquina e uma tecnológica com sede
em Porto Rico que fez desaparecer das contas do banco nada mais, nada menos, do
que 40 milhões de euros? É com fórmulas destas que Pedro Passos Coelho quer
colocar as novas gerações a “vencer na vida”? Pensa o primeiro-ministro que
fazer triangulações de compras e vendas virtuais alicerçadas em dinheiro real
que acaba por ir parar às contas de alguns dos seus mentores é uma forma
“exigente” e “metódica” de contribuir para a construção de uma “economia desenvolvida”?
O que quer Passos Coelho? A Europa das regras cimentadas sobre uma dimensão
ética, ou a selvajaria da Rússia onde vale tudo desde que as oligarquias ganhem
com isso?
Não se percebe,
de facto, o que quis Pedro Passos Coelho dizer e, a menos que se explique e se
desculpe, ele acabou por dar um enorme tiro no pé. Que os portugueses estejam a
pagar as custas das gestões ruinosas e criminalmente suspeitas do BPN e,
ver-se-á, do BES, não há nada a fazer — são obrigações que, como nos acidentes,
surgem por surpresa. Mas vir agora o primeiro-ministro de Portugal dar como
exemplo a carreira de pessoas que estiveram intimamente associadas a essas
vergonhas públicas é algo que não se tolera. O que o primeiroministro devia ter
dito na queijaria onde avistou Dias Loureiro é que o país acredita no esforço
dos pequenos empresários que ousam investir no interior e que jamais voltará a
tolerar arrivistas que usam a carreira política como alavanca para acumular
fortunas sumptuosas ou estilos de vida opulentos.
Passos Coelho só
tem por isso uma via para se salvar do enjoo que qualquer português decente
sentiu ao ver o seu primeiroministro emular as negociatas e os videirinhos que
as praticam. Tem de dizer por A mais B que o historial de Dias Loureiro não é
exemplo para se “vencer na vida”. Se o não fizer, qualquer pessoa mais ou menos
atenta o tentará colar ao passado do ex-ministro e gestor do BPN. Basta para o
efeito pegar nas suas histórias da Tecnoforma, que se nem de longe nem de perto
se aproximam do esterco dos negócios em Porto Rico, não deixam de expressar uma
forma de “vencer na vida” feita de contactos e de expedientes exclusivos para
quem tem “capital social”.
O que está afinal
em causa com esta declaração infeliz não é por isso uma declaração de
circunstância: é um programa político que contempla uma mensagem perigosa. Em
vez da apologia do mérito, do esforço e da seriedade, o que essa mensagem passa
é exactamente o contrário. Se por acaso viesse a ser levada a cabo, deixaria de
haver lugar para gente que investe em queijarias em Aguiar da Beira ou trabalha
na construção em Fornos de Algodres. O caminho para o sucesso, diz
implicitamente o primeiroministro, é almejar uma carreira política “metódica”
como Dias Loureiro, “conhecer o mundo” para arranjar uma rede “exigente” de
influências e “vencer na vida” à custa de favores ou de negociatas pouco
transparentes que resultam em buracos de milhões de euros.
Para os cidadãos
que vivem do seu trabalho e felizmente têm outro conceito dos valores que
Passos Coelho colou a Dias Loureiro, a apologia deste tipo de carreira isenta
de preceitos da ética e vazia de responsabilidade social é um insulto à sua
inteligência e ao seu esforço. Resta-lhes por isso acreditar que tudo não
passou de um erro, difícil de se perceber, mas ainda assim um erro. Mas, para
que não restem dúvidas, o que se pede a Pedro Passos Coelho é que, entre duas
vírgulas, diga apenas algo como isto: “Eu não vejo Dias Loureiro como um
exemplo para vencer na vida nem recomendo aos portugueses, principalmente aos
mais jovens, que o tenham como modelo nas suas opções de vida”. Não custa nada
e ficaríamos todos bem mais tranquilos.
2. O sindicato
que representa os pilotos da TAP teve por este dia o inestimável mérito de
mostrar que, afinal, pode haver consensos entre os portugueses. Seja o Governo
ou o PS, os que são contra ou a favor da privatização da companhia, mais à
esquerda ou mais à direita, uma ampla coligação de cidadãos, partidos ou
organizações cívicas estiveram unidos contra a franja de uma classe profissional
que contra tudo e contra todos decidiu fazer uma greve de 10 dias. Até a CGTP,
o Partido Comunista ou o Bloco prescindiram das suas tradicionais posições em
relação aos conflitos laborais e dedicaram-se a fustigar o Governo sem se
preocuparem em defender os pobres dos trabalhadores forçados à greve.
Não admira por
isso que os resultados da adesão à greve se tenham tornado numa questão pessoal
para a esmagadora maioria dos portugueses. O que estava em causa era muito mais
do que o legítimo exercício de um direito: era uma afronta ao país. Com a
companhia que será talvez a mais querida dos portugueses a arder, eles não se
coibiram de exibir de forma despudorada os seus egos para ameaçar e exigir o
que o não podiam nem deviam exigir. Ao pedirem para si próprios a reserva de
uma parte do capital da empresa na privatização eles estão a querer ficar com
um bocado de uma companhia que é de todos nós; ao exigirem diuturnidades em
atraso desde 2011 eles estão a sobrepor-se ao esforço ao qual todos os servidores
do Estado tiveram de se submeter em nome das políticas de austeridade do
Governo.
Quando na sexta
se soube que 70% dos voos se tinham realizado e 80% dos passageiros tinham
chegado ao seu destino foi impossível não sentir no ar um certo alívio — esta
foi a greve de pilotos menos participada de sempre, ao que se sabe. Mais do que
o fracasso de uma luta reivindicativa o que os resultados mostram é a derrota
de uma forma de estar arrogante e indiferente ao sentimento do país. Um pouco
de decência deveria levar a direcção do sindicato a suspender a greve e
demitir-se. Mas, como se parece dar bem com a aura de radicalismo que cultivou,
esse desfecho é uma utopia.
3. O SMS enviado
por António Costa ao editor de Economia do Expresso, João Vieira Pereira, é
preocupante. Pelo que diz e pelo que deixa subentender. A intolerância pela
liberdade de opinião e o tom autoritário e persecutório da linguagem que
emprega mostram um candidato a primeiro-ministro incapaz de aceitar as regras
do jogo do debate democrático. Depois de José Sócrates e, no Porto, de Rui Rio,
só nos faltava mais um aspirante a pequeno ditador que confunde o confronto de
ideias com ataques de carácter e a liberdade de expressão com o “insulto reles
e cobarde”. Se Costa é assim agora, que está em campanha, como será quando
tiver nas mãos o poder?
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