Os
últimos dias de Atenas? Talvez não
Mais
do que inovador, o Syriza parece uma opção de continuar a “velha
Grécia”
Jorge Almeida
Fernandes / 31-5-2015 / PÚBLICO
Escrever sobre a
Grécia é um exercício de repetição. A “contagem decrescente”
está sempre a ser anunciada. Há sucessivas “datas fatídicas” —
que podem não ser fatais. No início da semana era o dia 5 de Junho,
em que Atenas deverá pagar 306 milhões de euros ao FMI. E outros
pagamentos deverá fazer a 12, 16 e 19 de Junho. Terá entretanto de
pagar aos funcionários e pensionistas. “Ninguém sabe exactamente
quanto resta na caixa do Estado grego”, diz um economista. A falta
de pagamento ao FMI não implica um default imediato. Gregos e UE
terão mais quatro semanas para alcançar um compromisso.
Grave é o facto de
ambas as partes se terem lançado numa negociação “à beira do
abismo”, onde cada uma quer ganhar tempo à espera de que a outra
ceda primeiro. Acontece que o tempo —e o dinheiro grego — se está
a esgotar.
O Governo grego está
dividido. O Syriza é um conglomerado de facções divergentes ou até
antagónicas. Também os credores não estão de acordo entre si. A
Comissão Europeia estaria aberta a um acordo limitado para sair do
impasse actual; o FMI defende a reestruturação da dívida, o que
Berlim não aceita antes do fim do actual programa; em compensação,
o FMI mostra-se intransigente nas reformas do mercado do trabalho, da
segurança social, da idade de aposentação, coisas de que o Governo
grego e o Syriza não querem ouvir falar.
Nenhuma das partes
quer a ruptura. Mas esta dinâmica de negociação, do “risco
calculado” e do bluff , é propícia a incidentes que podem fazer
detonar uma crise incontrolável: o tempo está a esgotar-se, é
baixa a confiança entre as partes, Atenas pode ficar sem fundos e
não se sabe o que acontecerá. Uma saída ordenada da Grécia do
euro pode ter um preço alto, mas é uma hipótese a discutir. Um
Grexit desordenado seria um “buraco negro”.
Para os gregos seria
a tragédia absoluta que os faria ter saudades de 2010-12. E para a
UE? Preveniu em Dresden, no G7, Jack Lew, secretário do Tesouro
americano: “A ideia de que não haverá contágio e de que não
haverá consequências fora da Grécia é um erro.” A Grécia
deverá fazer reformas e os credores deverão mostrar flexibilidade.
“Mas fazer joguinhos é uma coisa perigosa porque basta um
incidente” para fazer saltar tudo.
As linhas vermelhas
Atenas sublinha as
“linhas vermelhas” de Alexis Tsipras, as matérias em que ele não
pode ceder porque foi eleito com base nelas. “O problema é que os
gregos votaram ao mesmo tempo para acabar com a austeridade e para
permanecer no euro”, observa o jornalista britânico Philip
Stephens. Atenas invoca a legitimidade democrática do seu Governo. E
se esta entra em colisão com a legitimidade democrática dos
governos dos outros países da zona euro?
Noutros termos: pode
a Grécia permanecer no euro e pedir ajuda financeira sem um programa
económico? O historiador grego Sthatis Kalyvas resumiu o quadro após
a vitória de Tsipras: “Dado que o Syriza se opõe a muitas das
reformas estruturais que são necessárias (...), a aplicação do
seu programa exigiria nada menos do que um compromisso da UE em
financiar permanentemente os seus crescentes défices. Isto não é
realista.”
O Syriza ganhou as
eleições num momento favorável em que cresciam as críticas às
políticas de austeridade e às troikas. Não o soube aproveitar. Nas
primeiras semanas acumulou erros de cálculo. As exibições de Yanis
Varoufakis criaram anticorpos. Tsipras apostou em dividir os europeus
e explorar as divergências sobre o euro e a austeridade. Mas nada
obteve de Renzi ou de Hollande, para quem eram inaceitáveis as novas
exigências de Atenas. Equivocouse sobre as posições de Portugal,
Espanha e Irlanda ou sobre os Bálticos.
A campanha
nacionalista germanófoba funcionou na Grécia mas não no exterior.
A ameaça de viragem das alianças — aproximarse de Moscovo — foi
um fogacho. Antes de ser eleito, já Tsipras tinha apostado na
inevitável cedência da UE graças ao pânico de um default grego
que faria implodir a zona euro. O risco permanece, mas não tem o
peso da ameaça de 2011.
Atenas desperdiçou
os bons argumentos que jogariam a seu favor. A sua flutuante
estratégia negocial é um enigma. As “linhas vermelhas” de
Tsipras são o que resta do seu programa eleitoral. Mas elas próprias
devem ser questionadas porque as suas raízes são mais fundas do que
a ideologia e as promessas eleitorais.
O “antigo regime”
As troikas e os
economistas sempre deram pouca atenção às raízes da crise grega
que se fundam na natureza do seu Estado — do clientelismo à
ausência de uma máquina fiscal moderna. Sem reforma do Estado
nenhum programa económico funciona.
Surpreendentemente,
Tsipras não deu a indicação de estar interessado na reforma do
Estado — o que pareceria lógico, dado o Syriza não ter sido
responsável por essas práticas. Estas decorrem da História grega e
dos dois partidos que a dominaram desde a integração europeia — a
Nova Democracia e o Pasok.
George Prevelakis,
especialista da geopolítica balcânica, escrevia em 2011: “Após a
criação da Grécia moderna, o principal instrumento do clientelismo
foi o emprego dos ‘protegidos’ no Estado. O maná vindo do
exterior desde 1981 permitiu engordar o Estado, que emprega
actualmente mais de um milhão de pessoas, um quarto da população
activa da Grécia. Aos problemas ligados à sua dimensão, junta-se a
existência de redes de corrupção que levaram a uma ‘privatização
mafiosa’ do sector público [por partidos e sindicatos].”
A que se deve a
inabalável resistência do Syriza em tocar no funcionalismo, no
sector público, no sistema de pensões, na flexibilização do
trabalho ou no sistema das convenções colectivas? A considerações
sociais ou revolucionárias? Ao medo de perder eleições? Ou à sua
adaptação aos “costumes” da velha sociedade? “O eleitorado
nunca apoiou os políticos sérios. Pelo contrário, os eleitores
participavam na ‘grande festa’ financiada por recursos
fictícios”, anota o mesmo autor.
Tudo isto deixa a
noção de que, em vez de inovador, o Syriza significa uma opção
esquerdista de continuidade em relação à Grécia das últimas
décadas.
Há, no entanto, um
ponto em que economistas e tecnocratas não pensam e que muito
preocupa italianos, ingleses e, sobretudo, americanos. A Grécia está
situada no crítico Sueste da Europa, na vizinhança do Médio
Oriente e por onde passam grandes migrações, região em que russos
e chineses têm elevado interesse. Um novo foco de turbulência nos
Balcãs seria uma catástrofe geopolítica para a NATO. Os gregos
sabem-no. É um dos argumentos que jogam a favor de uma política
mais flexível perante a Grécia. Foi o que o americano Jack Lew quis
dizer no G7 de Dresden.
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