Eucaliptos
atraem quase 90% dos investimentos privados na floresta
Oito
em cada dez hectares plantados sem recurso a fundos públicos tiveram
como destino os eucaliptos. A liberalização das plantações e
replantações dá fôlego à espécie que já domina a floresta
nacional
Eucalipto
começa a gerar receitas dez anos após a plantação
Manuel Carvalho /
19-5-2015 / PÚBLICO
Oitenta por cento
das novas plantações e 94% das replantações produzidas na
floresta portuguesa ao longo dos últimos 15 meses sem recurso a
ajudas públicas tiveram os eucaliptos como a árvore de eleição.
A espécie florestal
que no espaço de meio século cresceu de uma área reduzida de 50
mil hectares para se tornar na árvore dominante no país (ocupa 812
mil hectares) continua a sua expansão imparável. E ao simplificar o
processo de aprovação de novas plantações e ao permitir a mudança
de espécie nas rearborizações de espaços florestais, o novo
regime jurídico que entrou em vigor em Outubro de 2013 parece
favorecer essa expansão: dos 11.019 hectares arborizados ou
rearborizados com capitais privados nos primeiros 15 meses de
vigência da nova legislação, 10.046 receberam eucaliptos.
Só o facto de os
apoios à florestação da Política Agrícola Comum se dirigirem
prioritariamente a espécies como o pinheiro-manso ou o sobreiro
evitam que a floresta nacional caminhe irreversivelmente para a
monocultura.
Apesar do curto
prazo de aplicação do regime jurídico aplicável às acções de
florestação e reflorestação (RJAAR), parece hoje evidente que a
liberalização das plantações em áreas até 10 hectares (a
maioria esmagadora das explorações florestais nacionais está
abaixo deste limiar) está a acentuar a hegemonia do eucalipto e a
decadência do pinhal. As razões para esta dinâmica prendem-se com
a maior rentabilidade do eucaliptal para os proprietários. O
eucalipto começa a gerar receitas após dez anos da primeira
plantação e a sua exploração (em talhadia) permite que um mesmo
povoamento dure ao longo de quatro ou cinco ciclos de corte (48 a 60
anos). Um pinhal demora 30 anos a produzir madeira capaz de ser
utilizada na indústria do mobiliário.
Muitos silvicultores
defendem que a prioridade da fileira do eucalipto não é tanto
aumentar a área, mas reconverter povoamentos existentes. Os números
do RJAAR indicam que esse caminho está a ser seguido. Dos 7326
hectares rearborizados, a esmagadora maioria (79%) corresponderam a
replantações de áreas já ocupadas por eucaliptos. Mas, pelo
caminho, outras espécies acabam por ser substituídas. Em particular
o pinheiro-bravo, base de uma indústria que representa 47% do valor
acrescentado bruto da fileira florestal (812 milhões de euros em
2012). Neste processo de mudança, 1165 hectares deixaram de ser
dedicados ao pinheiro-bravo para passarem a ser ocupados pela espécie
que alimenta a cadeia da pasta e do papel.
Este sinal é apenas
mais um sintoma do inexorável recuo do pinhal português, que no
espaço de 50 anos se reduziu de 1,2 milhões de hectares para cerca
de metade. João Gonçalves, do Centro Pinus, que agrega mais de dois
terços da fileira industrial do pinho, considera que “ainda é
cedo” para se poder explicar as transferências de áreas de pinhal
com a nova legislação. Mas nota que “64% da área de crescimento
do eucalipto se fez em zonas de pinho e não em zonas de mata ou
incultos”. A transformação em curso, sublinha João Gonçalves,
vai agravar as dificuldades da indústria, que tem de importar todos
os anos dois milhões de metros cúbicos de madeira para laborar —
36% das necessidades das empresas do Centro Pinus.
Do lado da pasta e
do papel, os indicadores da execução do RJAAR não suscitam motivos
para alarme. Armando Góis, director- geral da Celpa, a associação
que agrega a indústria do sector, nota que o crescimento das áreas
de eucalipto feito com investimento privado tem de ser balanceado com
as áreas de outras espécies financiadas pelos fundos comunitários.
Se este exercício se fizer, nota, “a percentagem dos eucaliptos
nas arborizações e rearborizações desce para 44%” — o
sobreiro surge com 31% do total e o pinheiro-manso, cuja
rentabilidade explodiu com o aumento da procura mundial de pinhão,
12% (ver infografia). De resto, “é provável que o ritmo de
crescimento dos últimos tempos seja menor do que nos anos
anteriores”, admite Armando Góis.
Monocultura afastada
Apesar do equilíbrio
que os fundos estruturais vão introduzindo na diversidade florestal,
o risco de a expansão do eucalipto se perpetuar é elevado e o
perigo de a área de pinho continuar a regredir (por abandono, pelos
ataques de pragas como o nemátodo, pelos incêndios ou pela
replantação com espécies mais rentáveis como o eucalipto) existe.
João Soveral, um
silvicultor que passou pela vice-presidência do Instituto da
Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e integra os corpos
técnicos da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP),
reconhece que a “natural” orientação dos proprietários para os
estímulos do mercado existe, mas afirma que “os instrumentos da
política florestal não permitem” o eventual cenário de uma
monocultura de eucalipto.
João Soveral cita,
a propósito, a Estratégia Nacional para as Florestas, aprovada em
Fevereiro deste ano, ou os Planos Regionais de Ordenamento Florestal
(PROF). Estes planos prevêem mecanismos de gestão que, em tese,
implicam a diversidade de povoamentos em favor da biodiversidade ou
da protecção contra os incêndios. Mas foram suspensos há anos e
não se conhece a data em que a sua versão revista possa entrar em
vigor. A ausência de ordenamento conjugada com a liberalização das
plantações vai, por isso, acentuar ainda mais o processo de
“eucaliptização” em curso no país.
O PÚBLICO tentou,
sem sucesso, obter resposta a estas questões junto do Ministério da
Agricultura.
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