quinta-feira, 7 de maio de 2015

O juiz que me condenou / JOSÉ ANTÓNIO CEREJO


CRÓNICA
O juiz que me condenou
JOSÉ ANTÓNIO CEREJO 06/05/2015 -
Tinha muitos defeitos o Oscar. Alguns confundiam-se com virtudes: por vezes assumia uma espécie de superioridade intelectual em relação aos demais, mas ele era intelectualmente superior; outras vezes arrasava quem se lhe opunha com uma ironia que raiava o desprezo — ou mesmo a brutalidade, mas fazia-o por convicção, com profunda convicção, não por altivez. A frontalidade, a cultura enciclopédica, a fidelidade às causas em que acreditava, acima de todas elas a da liberdade, eram as marcas que melhor o definiam.

Não era um homem de meias tintas. As suas opiniões, muitas vezes contra-corrente, não deixavam ninguém indiferente: Nem como dirigente e activista sindical, nem como jornalista que nunca abdicou dos seus direitos enquanto cidadão, nem como provedor do leitor do Diário de Notícias, nem como comentador de tudo o que entendia comentar, incluindo música clássica e comes e bebes, nos jornais, no facebook, em toda a parte.

Nunca fui propriamente um amigo pessoal do Oscar. Encontrávamo-nos no sindicato, num ou noutro debate, num ou noutro funeral de outros da nossa geração.

Dele recordo, sobretudo, um episódio que a meu ver o define como poucos outros. Estávamos no fim dos anos 90 do século passado e ele presidia ao Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas. Anos antes, precisamente quando foi aprovado o Código Deontológico da nossa classe, eu também integrara esse órgão, então presidido por Daniel Reis. E continuava a pertencer a outros órgãos do sindicato, onde o Oscar também estava. De nada me serviu, nem eu aceitaria que me servisse.

O Conselho Deontológico recebeu uma queixa de um ex-governador civil de Beja a quem eu havia feito a vida negra e os conselheiros fizeram o seu trabalho. No final fui admoestado numa resolução tornada pública e mais tarde usada em tribunal, contra mim, pelo dito ex-governador civil, de seu nome António Saleiro.

Não foi propriamente uma condenação. Mas o conselho, em particular o Oscar, entenderam que eu não tinha cumprido todos os meus deveres deontológicos por só ter feito, por escrito, 30 ou 40 perguntas ao dito senhor, que depois perdeu todos os processos judiciais que moveu contra mim e contra o PÚBLICO. Não gostei da decisão do conselho, como é natural.

O Oscar convidou-me para almoçar e discutimos acaloradamente o assunto até meio da tarde. Ele achava que eu devia ter continuado a perguntar. E eu perguntava-lhe: até quando? E quando é que escreveria a notícia? Ele manteve-se na dele e eu na minha.

Continuámos amigos, apesar de distantes, como antes. Mas não foi por eu ser seu amigo que ele deixou de me condenar. Fê-lo porque acreditou que tinha razão. Ainda bem que o fez. E que o seu exemplo faça escola nesta terra de amiguismo e clientelismo



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