Novo
Mercado da Ribeira faz um ano mas os comerciantes ainda não festejam
Espaço
concessionado à revista Time Out foi reaberto ao público a 18 de
Maio de 2014. Um ano depois ainda há obras por fazer e os vendedores
que lá estão há décadas começam a desesperar.
MARISA SOARES
17/05/2015 - PÚBLICO
Numa mão, um guia
em inglês sobre Lisboa. Na outra, uma máquina fotográfica apontada
às bancas coloridas de frutas e vegetais do Mercado da Ribeira. Os
turistas, sobretudo estrangeiros, parecem deslumbrados com o espaço,
concessionado à Time Out por 20 anos e reaberto há um ano após
obras profundas. Mas o entusiasmo dos visitantes não se traduz em
bolsos cheios para os comerciantes que lá estão há décadas.
É quinta-feira,
11h, há greve da Carris, Lisboa está repleta de turistas e o Cais
do Sodré não é excepção. Em grupos ou a pares, entram no mercado
de mochila às costas, admiram a entrada principal de paredes
forradas a azulejo e, como ainda é cedo para abancar na zona da
restauração – espaço amplo ocupado por cerca de 30 quiosques de
comida, com bancos e mesas corridas em estilo cantina –, viram para
a nave lateral onde estão os vendedores tradicionais.
“Hoje tem sido uma
enchente”, confirma Teresa Gomes. Tem quase 70 anos, vende no
mercado há 58. “Estou aqui há duas horas a olhar, sem vender 100
gramas de peixinho, acredita?” Teresa lembra-se dos tempos em que
as duas mãos, que hoje tem cruzadas atrás das costas, não lhe
chegavam para vender as pescadinhas, os carapaus, as petingas e a
sardinha. Mas quando se reformar – não há-de tardar muito, avisa
– vai desanimada. “Isto está pior, aqui ninguém vem comprar
nadinha.”
O mercado reabriu ao
público a 18 de Maio de 2014, após oito meses de obras no piso
térreo que duraram até ao último minuto. Desde então anda nas
bocas do mundo, com cobertura mediática internacional – o jornal
norte-americano New York Times classificou-o como “um importante
destino gastronómico”. Segundo o director da revista Time Out
Lisboa e gestor do espaço, o projecto já ultrapassou as
expectativas. “Temos 35 a 60 mil visitantes por semana e pelo menos
40% são turistas, um valor que chega aos 70% nos picos dos momentos
turísticos”, explica João Cepeda.
A ampla divulgação
do espaço é mesmo o único ponto positivo que os vendedores
encontram nesta nova vida do mercado municipal, que muitos julgavam
já estar encerrado. O problema, apontam, é que a maioria dos
turistas fica alojada em hotéis onde não cozinha ou chega de
cruzeiro a Lisboa e vai à zona do mercado tradicional quase só para
tirar fotografias, não para comprar fruta, vegetais, peixe ou carne.
“Os restaurantes é que safam a gente senão não merecia a pena
estar aqui”, lamenta Teresa Gomes, referindo-se aos espaços
exteriores, do pequeno comércio local.
Os comerciantes que
falaram ao PÚBLICO garantem que, no início, alguns responsáveis
dos quiosques de comida do mercado (entre eles estão chefs de renome
como Henrique Sá Pessoa, Alexandre Silva ou Marlene Vieira, e marcas
como Esporão, Honorato, Arcádia e Conserveira de Lisboa) assumiram
o compromisso verbal de lhes comprarem os produtos. “Poucos fazem
isso”, lamenta Carlos Figueiredo, 50 anos, vendedor de fruta e
vegetais há dez. “Eles dizem aos clientes que o peixe é daqui mas
não é verdade”, acrescenta Teresa Silva, 56 anos, há 30 a vender
peixe na Ribeira.
João Cepeda não
sabe do compromisso e esclarece que a direcção não pode obrigar os
proprietários dos quiosques a comprarem os seus produtos no mercado.
“Mas sei que há excelentes relações entre alguns comerciantes e
os restaurantes.” Cepeda considera que os resultados dos vendedores
seriam diferentes se o espaço, que encerra às 14h, ficasse aberto
até mais tarde. “80% dos visitantes vão em horas em que eles
estão fechados”, argumenta, ressalvando, porém, que não pretende
impor horários.
"Nunca quisemos
anular o mercado tradicional", sublinha o responsável, em
resposta às críticas dos comerciantes sobre o facto de os novos
quiosques terem ocupado, no rés-do-chão, mais do que os 900m2
inicialmente previstos. "O nosso contrato dá-nos direito de
preferência sobre os espaços vazios e nós usámos esse direito",
alega.
Obras sem fim
O atraso na
conclusão dos trabalhos de renovação do mercado tem sido outra dor
de cabeça para os vendedores. Falta terminar as obras no piso
superior (com 3115 m2) – que terá bar, restaurante, sala de
espectáculos e outros espaços ligados ao turismo – e também
alguns acabamentos no piso térreo. “Temos balcões e paredes sem
azulejos, o chão [em lajes de lioz] está por acabar, há problemas
no escoamento das águas”, descreve a peixeira Teresa Silva, uma
das que teve de mudar de sítio para permitir que as obras se
fizessem.
A banca de Teresa
Silva foi colocada num corredor lateral à zona da fruta, onde apesar
de tudo há algum movimento. Já António Vieira, o mais antigo
cortador de carnes do Mercado da Ribeira (está ali há 59 anos), tem
um talho num corredor do lado oposto, ao lado dos restaurantes, onde
aguentou “a poeirada das obras”. Aponta para o tecto com estuque
a cair por causa “da humidade lá de cima”, no piso 1.
As obras, cuja
conclusão já esteve prevista para o final de 2014 e para Janeiro
deste ano, pararam há cerca de três meses. “Não há dinheiro, a
Time Out não paga ao empreiteiro”, diz António Vieira. É essa a
versão que corre entre os comerciantes, mas João Cepeda desmente.
“As dificuldades financeiras não são o problema, as coisas estão
a correr muito bem”, garante, acrescentando que o que falta
representa cerca de 10% do valor total do projecto, que ronda sete a
oito milhões de euros.
Segundo o director
da revista, houve “conflitos técnicos” com a empresa de
construção Neocivil, do grupo MSF, sobre “pormenores”
relacionados com as obras e acertos de contas. “Mas já chegámos a
acordo e é tranquilo”, afirma. Por sua vez, contactada pelo
PÚBLICO, a administração da Neocivil rejeita qualquer
responsabilidade na paragem das obras. “Assim que a Time Out o
decida, os trabalhos serão concluídos”, acrescenta.
Cepeda refere também
alguns percalços que atrasaram o processo. “A empresa fornecedora
dos equipamentos de ar- condicionado faliu e ficámos ali com 300 mil
euros empatados”, exemplifica. O responsável espera ter tudo
pronto dentro de “um ou dois meses” mas prefere não se
comprometer com datas, dizendo que ainda está em conversações com
alguns dos futuros inquilinos.
No piso 1 estava
prevista, por exemplo, a instalação do Pap’Açorda, restaurante
de Fernando Fernandes actualmente no Bairro Alto, mas a mudança não
parece certa. “Não está ainda decidido, sem sequer sei se me
apetece”, afirmou ao PÚBLICO. Declarações que surpreendem
Cepeda. “Até já lá estão os pratos”, contrapõe.
O director do
mercado diz estar "totalmente focado" na reabertura e
desvenda uma das novidades previstas: a academia de cozinha Time
Out/clube de chefs Samsung. O projecto terá o patrocínio da empresa
de tecnologia, que fornece os equipamentos de cozinha e apoia
parcerias com chefs internacionais, e inclui aulas, cursos, workshops
e até refeições. Naquele andar haverá também uma "grande
oferta de serviços de turismo", como tours organizados pela
equipa da revista, pontos de informação e venda de bilhetes para os
principais eventos da cidade.
Enquanto isso não
avança, nesta segunda-feira o primeiro aniversário do renovado
Mercado da Ribeira não vai passar despercebido. "Vamos receber
os visitantes com flores das floristas do mercado", adianta João
Cepeda, sublinhando que esta é mais uma forma de "integrar"
o mercado tradicional no projecto inovador. Além disso, alguns
restaurantes vão oferecer alguns dos seus pratos mais emblemáticos
pelo preço de um.
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