Ainda há bullying pelo Rato
PAULO RANGEL 05/05/2015
- PÚBLICO
Os líderes políticos têm de ter
pergaminhos impecáveis em sede de liberdade de expressão e António Costa não
pode ser uma excepção.
1. Soube-se no
1.º de Maio, na edição do Expresso, que o passado dia 25 de Abril ficou marcado
por um comportamento seriamente lesivo da liberdade de expressão, comportamento
esse perpetrado por António Costa.
Na edição de 25
de Abril, João Vieira Pereira escreveu um artigo de opinião, na secção de
economia, em que fazia a análise e o comentário do quadro macroeconómico que o
PS encomendou a uma série de economistas. Nesse artigo, o director adjunto do
semanário dá a sua opinião, simplesmente analisa e opina, nada mais. Não faz
uma única menção pessoal a António Costa ou a qualquer actuação que lhe possa
ser pessoalmente assacada ou que possa beliscar a sua personalidade ou
integridade. Faz, aliás, vários elogios ao documento do PS. No lado que se pode
tomar por negativo, considera, como tantos comentadores tinham considerado
antes, que o documento tem uma orientação preferencial do PS para o eleitorado
central, podendo ser visto como uma guinada ou um desvio para a direita —
talvez precipitadamente, digo eu aqui e agora, atento o foco daquele programa
no consumo interno. Critica ainda o fim do coeficiente familiar, que poderia
beneficiar as famílias numerosas, e, mais ainda, a fé inabalável dos autores do
programa em que o aumento do rendimento disponível seja afectado ao consumo e
não à poupança ou ao abate da dívida privada. Para lá destas, há ainda uma
crítica metodológica que alerta para uma suposta falta de coragem demonstrada
por a elaboração de este “programa-quadro” caber a uma equipa externa. São
estes — pasme-se — os terríveis ataques e as funestas críticas que o colunista
do Expresso veicula e que motivaram uma reacção prepotente, perigosa, altamente
desproporcionada e reveladora por banda de António Costa.
2. António Costa,
a quem tanta impressão fez que a coligação fosse apresentada no Dia da
Liberdade, quis celebrar esse mesmo dia de um modo assaz original, desferindo
um golpe duríssimo, incompreensível e inadmissível, na liberdade de expressão. Com
efeito, enviou ao dito jornalista um SMS em que o acusa de recorrer ao “insulto
reles e cobarde” e de fazer “julgamentos de carácter”. Pelo meio, dá a entender
que se trata de um profissional incapaz e desqualificado, não pertencendo ao
jornalismo de “gente séria, informada e culta”. A virulência e a violência
destas acusações são ainda coroadas por um ambíguo tom de ameaça, quando
termina lembrando que não quer que o jornalista em causa fique com dúvidas
sobre o que ele — António Costa — pensa a seu respeito. De onde se deduz, é
óbvio, que, agora e no futuro, o jornalista fica já a saber com o que pode
contar…
A gravidade deste
comportamento não pode nem deve passar em claro. Ele é grave porque seria
sempre grave; é grave porque não subsiste qualquer fundamento objectivo que o
justifique; é grave porque, ainda que subsistisse, não era a telecomunicação
privada o meio adequado a responder a um artigo público; é grave porque é
completamente desproporcionado. Para quem ostenta e exibe a toda hora e em todo
o sítio a bandeira das liberdades, o semáforo da tolerância, a superioridade
moral da abertura e do pluralismo, o envio de um SMS nestes exactos termos e em
razão desta precisa circunstância revela um comportamento absolutamente
contraditório. Para quem se ufana como um zelota da democracia e da liberdade,
este tipo de atitudes — tão comum nos tempos áureos do socratismo — releva de
uma surpreendente falta de cultura democrática.
Não me preocupa
apenas a atitude de António Costa, em si mesma considerada e que, em face dos
dados disponíveis, é totalmente incompreensível. Preocupa-me também que ela se
inscreva num padrão que foi o padrão que marcou a relação de má memória da
governação socratista com a comunicação social. Nesse mesmo dia em que Costa
enviou este infeliz SMS, perfizeram-se oito anos sobre a denúncia que fiz, em
pleno Parlamento, do clima de “claustrofobia democrática” que justamente pautou
todo o socratismo. Nesse dia, António Costa ainda estava sentado na bancada do
Governo. E estavam lá muitos dos que hoje o rodeiam e aconselham. Não estamos
no plano da claustrofobia democrática. Mas estamos seguramente — e isso tem de
ser veementemente denunciado — no nível do bullying democrático. O SMS de
António Costa é um acto de bullying contra a liberdade de expressão, contra
João Vieira Pereira e contra o Expresso. E o bullying intimida, condiciona,
limita e apouca. O bullying, ao nível da liberdade de expressão, é o primeiro
passo para a autocensura.
Não defendo — nem
nunca defendi — que se façam campanhas eleitorais com base na claustrofobia
democrática ou no pobre sucedâneo que, em 2009, lhe arranjaram: a asfixia
democrática. Mas os líderes políticos têm de ter pergaminhos impecáveis em sede
de liberdade de expressão e António Costa não pode ser uma excepção. No que de
mim depender, não vai ser.
SIM e NÃO
SIM. Maria
Barroso. Cedo se destacou como actriz, pedagoga, lutadora pela liberdade e pela
dignidade humana. Aos 90 anos, a sua vida é uma referência cultural, política,
moral e humana. Uma portuguesa de que temos orgulho.
NÃO. Greve dos
pilotos, outra vez. A greve dos pilotos é sentida como tão injusta, longa e
desproporcionada que, ainda que mais suave que o esperado, tem de ser condenada
mais uma vez.
Eurodeputado do PSD
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