A
esmola do convento
VASCO PULIDO VALENTE
15/05/2015 - PÚBLICO
Pouco
a pouco, António Costa vai atando as mãos, quando, se por acaso
chegar ao Governo, tem de ter as mãos livres.
António Costa não
percebeu ainda – ou, se percebeu, não parece – que uma campanha
eleitoral não serve só para ganhar votos, é preciso também que
não paralise quem a ganha.
O poder não
dissolve por si mesmo as facções de um partido ou de uma coligação,
nem apaga os compromissos que de caminho se tomaram. O que está
fica, apesar do entusiamo e da berraria. Suponho que o “documento”
sobre a “macroeconomia”, uma errata prudente ao programa do
Governo, era necessário para afastar o fantasma do Syriza e
restabelecer a imagem do PS moderado e europeísta da imaginação
popular. Mas nem por isso deixa de ser uma espécie de tabela com que
tudo o que António Costa fizer ou não fizer irá ser comparado: uma
situação desagradável, principalmente se as coisas lhe correm mal
em áreas que não controla: a Europa, o preço do petróleo, a
economia americana.
Como se isso não
bastasse, o dito “documento” acabou por não satisfazer a ala
radical do PS e, por maioria de razão, a extrema-esquerda (Livre,
Bloco, parte do PC), que o velho Costa da Câmara de Lisboa esperava
arrastar consigo. Os murmúrios que se ouviram logo provocaram por
isso uma série de concessões quase sempre aleatórias e sem a mais
vaga coerência interna. O PS, na pessoa do seu secretário-geral, já
prometeu: que não privatizava a TAP (mesmo que ela fosse um negócio
inviável, financiado pelos contribuintes); que não concessionava as
companhias de transportes de superfície de Lisboa; que
restabeleceria os antigos feriados (invariavelmente pretexto às
maiores vigarices); que voltaria à semana de 35 horas de trabalho;
que daria mais dinheiro à cultura; e por aí fora.
Pouco a pouco,
António Costa vai atando as mãos, quando, se por acaso chegar ao
Governo, tem de ter as mãos livres. Um árbitro ligado, pela palavra
e pelo gesto, a grupos de pressão é um árbitro que se anulou a si
próprio. Ora no PS nunca houve aquela reverência ao chefe, que mal
ou bem aguentou o PSD nos seus piores momentos. Os socialistas, como
detentores da verdade, que habitualmente se julgam, não obedecem
senão à evidência da força, como a de Soares no seu bom tempo, e
que ninguém tornou de facto a recuperar. Em contrapartida, se Costa
não se meter até ao pescoço na embrulhada da campanha, está
evidentemente perdido. Qual é a saída? Não com certeza a esmola do
convento que ele agora dispensa a quem o agarra pela manga do hábito.
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