ENTREVISTA
Henrique Neto: “Discurso de
Sampaio da Nóvoa é lírico. O país precisa de ação”
DAVID DINIS / 9/5/2015,
OBSERVADOR
Acha que vem aí
um bloco central e que nem PSD, nem PS têm um projeto para o país. Diz que
Sampaio da Nóvoa tem apoio do PS, mas não qualidades para ser PR. O Observador
entrevistou Henrique Neto.
Henrique Neto
quer ser mais um Presidente de bastidores do que de avisos públicos. Diz até
que um Presidente não pode falar sempre que os jornalistas lhe estendem um
microfone. Nesta primeira entrevista que o Observador faz a um candidato
presidencial, falou da necessidade que o país tem de discutir um projeto de
médio prazo mas não se esquivou, ponto a ponto, a olhar para os momentos mais
quentes dos ex-Presidentes, para dizer como teria feito.
Henrique Neto é
um homem simples. Aparece sem equipa de assessores, sem gravata. Diz que quer
ser ele próprio, que foi para isso que veio. Tem certezas, muitas. E diz que
raramente se enganou nas previsões que foi fazendo sobre o futuro do país.
Uma das que se
atreve a fazer é sobre o que se vai passar ainda antes das presidenciais,
aquando das legislativas de outubro. A pergunta era simples: Cavaco Silva deve
exigir um Governo de maioria? “Não digo exigir, será talvez forte demais, pode
propor uma base de entendimento aos partidos. Penso que era preciso que os
partidos, antes de se entenderem sobre políticas concretas, se entendessem sobre
uma visão, um desígnio para Portugal nos próximos 10, 15 anos.”
O que resultará
das eleições é também previsível, diz Henrique Neto, militante do PS,
ex-deputado, o homem que avançou sozinho para Belém, recebendo um “é
indiferente” do líder do partido.
“A atual direção
do PS dava a ideia de que queria um acordo à esquerda, agora parece mais
próxima de um acordo à direita. Será difícil saber o que vai resultar desta
relação de forças. Mas se não houver um cataclismo, aquilo que vai acontecer é
um acordo à direita.”
O depois é mais
difícil, antevê Henrique Neto. “O PSD entrará num clima de instabilidade, as
relações entre PS e PSD não estão felizes, há clivagens muito grandes” – mais
entre as pessoas, não tanto do ponto de vista das políticas, admite ele.
De resto, o seu
entendimento é de que o documento do PS (coordenado por Mário Centeno) e o
Programa de Estabilidade do Governo têm mais em comum do que se tem dito. Henrique
Neto leu os dois e chegou à conclusão de que não gostou “nem de um, nem de
outro”. “É uma contabilidade de deve e haver, tentam definir um défice, um
crescimento económico e depois arrumam as cartas de um modo diferente. Nenhum
tem uma estratégia de desenvolvimento” para o país, alega. Nem o do PS? “O do
PS não vai resolver o problema da austeridade, da dívida do desemprego.”
O papel de Neto, Presidente
Mas afinal ao que
vem Henrique Neto, o político, mas também ex-gestor, ex-empresário. “Propor uma
estratégia para o país, para a economia”, diz ao Observador. Desde logo para “forçar
que o debate nas legislativas se centre sobre aqueles problemas”. E para lhes
dizer que, se for eleito, terá a sua estratégia como guião. “Pode ser aquela,
assumida, não assumida, mas é a do Presidente. Se for eleito é sobre ela que,
dentro dos poderes presidenciais, vou forçar esses entendimentos” – dentro de
uma perspetiva de estabilidade, sublinha ainda.
Porque acredita
“na racionalidade do futuro Governo”, porque diz ter uma estratégia “desenhada
de uma forma tão inquestionável quanto possível”, Henrique Neto diz que não é
impossível cumprir a missão. Mas para isso propõe-se a fazer diferente dos
outros Presidentes que o país teve. “O Presidente deve ter uma boa comunicação
com a sociedade, setor a setor”, explica. Com o setor empresarial, da Administração
Pública, da tecnologia, com intelectuais, com gente da cultura. “Não para
discutir o dia a dia, mas sempre as grandes questões nacionais, a 10/15 anos de
vista. Não para falar das questiúnculas da sociedade portuguesa”.
Mais até, diz
Henrique Neto.
“O PR não pode
dispersar-se com pequenos fait diverts, responder sempre que vocês,
jornalistas, lhe põem um microfone ao pé da boca. Isso desvaloriza as grandes
questões que o PR tem que tratar. Se seguir com grande disciplina nesse domínio
e aquilo a que chamo a pedagogia do exemplo, isso fará com que qualquer Governo
tenha que considerar duas vezes.”
E nas relações
com o Governo, com a Assembleia, como faria? As respostas aqui são menos
afirmativas. Não abdica de poder algum, seja a dissolução, o veto, a devolução
de diplomas. “Considerarei todas essas situações. Não aceitaria nunca que a
situação política apodrecesse , por resultado de as políticas estarem
desenquadradas do interesse nacional ou de os partidos não se entenderem”,
garante o candidato. Mas seria sempre “frontal, leal”.
Os dilemas dos
ex-Presidentes
E como teria
feito Henrique Neto se estivesse no lugar dos ex-Presidentes, naqueles momentos
mais difíceis por que passaram? À procura de um perfil do candidato, o
Observador deixou alguns desafios.
Cavaco Silva
devia ter demitido o Governo na crise política de 2013? “Não me teria limitado
a dizer entendam-se, sobretudo naquela altura, com um partido no Governo pouco
interessado num entendimento e com o PS a pensar numa mudança. Teria
apresentado um documento com duas páginas, com as questões estratégicas como a
Europa, etc. Uma base do entendimento. Se não se entendessem, teria de
dissolver a AR. Mas claro que sim, bastaria que os dois partidos (PSD e CDS) se
entendessem. Desde que houvesse um acordo de Governo, claro que bastaria”.
Cavaco, os cortes
e o TC. Exagerou, fez a menos? “Antecipar os acontecimentos é essencial. O PR
deve antecipar as questões, falando com o primeiro-ministro e com os partidos. Não
deve deixar que as coisas de detiorem a um ponto… deve balizar o caminho, deve
dizer: se isto acontecer, eu faço isto. Para as pessoas saberem com o que
contam.”
Cavaco lidou bem
com José Sócrates? “Não, é evidente que não lidou. Mas verdadeiramente ninguém
lidaria bem com José Sócrates, fosse quem fosse. Percebi muito bem o que é que
ia acontecer quando ele ascendeu ao poder no PS, comecei logo a escrever e a
avisar os socialistas. É verdade que na primeira legislatura, com maioria
absoluta, a margem de manobra do PR é muito pequena. Mas lá está: podia e
deveria ter recorrido à opinião pública. Eu não teria permitido que as PPP se
tivessem realizado daquela maneira. Primeiro falaria com o primeiro-ministro:
‘eu sou pela estabilidade, mas não vou permitir isto, nem isto, nem isto. Portanto, tire daí as necessárias conclusões'”.
Sampaio fez bem
em demitir Santana Lopes? “Fez, fez, fez.” E em dar-lhe posse? “Aí eu teria
dito ao dr Durão Barroso que não subscrevia a ida dele para Bruxelas”.
E Soares? Foi
melhor no primeiro ou no segundo mandato? “Talvez no primeiro. É muito dificil,
Mário Soares é Mário Soares. É imprevisível, é uma referência da República, tem
coisas extraordinariamente positivas e extraordinariamente negativas. Eu não
teria feito aquelas acções muito gongóricas, são excessivas, não dizem nada. E
tinha avisado para o que aí vinha. Naquela altura já era óbvio que a economia
ia ter problemas. Eu texto textos e textos a dizer: não se iludam”.
Sampaio da Nóvoa?
Lírico. Poético
Olhando para a
frente, Henrique Neto tem já um adversário no caminho, precisamente a tentar
preencher o seu campo político. Sampaio da Nóvoa apresentou-se, com vários
militantes do PS no Teatro da Trindade. Mas sem o apoio oficial dos
socialistas. Tendo ouvido o discurso, o que sentiu que tivesse de diferente do
ex-reitor da Universidade de Lisboa? O início da resposta contesta “essa
posição de independência” de Sampaio da Nóvoa: “A minha convicção é de que se
candidatou porque tem o apoio de um partido desde o início, o PS, e não está
preocupado com aquelas coisas com que eu estou: quem paga a campanha, criar uma
organização, etc.”
Mas há dois
pontos em que Henrique Neto quer distinguir-se de Sampaio da Nóvoa. O primeiro:
“O meu currículo de operário, de gestor, de empresário, político desde o MUD
juvenil aos 14 anos, passando pelas eleições de 69, aquilo que escrevi também. O
meu currículo acho que compara muito favoravelmente com muitos candidatos, da
esquerda à direita, que se conhecem. Nenhum tem a experiência que eu tenho”,
acredita.
Mas há um
segundo, mais político, acutilante: “O discurso do prof. Nóvoa é um discurso
que reflete o currículo dele, a sua vida, o seu passado. É um discurso um pouco
lírico, um pouco poético. Nesse plano inquestionavelmente bonito, mas que não
se confronta com a realidade dos problemas nacionais, nem com estas perguntas
que me tem feito aqui. É um discurso feito de palavras, mas discursos de
palavras o país já tem anos – o país precisa de ação. Um especialista da
palavra não é o que o país precisa neste momento”.
E de que tipo de
ação precisa, então , o país? A visão do candidato ficará para um segundo
momento, já depois das legislativas. Mas houve tempo para um princípio
orientador, que começa em Sines – precisamente como ponto de partida. “Portugal
deve tornar-se o sítio indicado para as empresas integradoras, que recebem os
componentes e montam em produtos em Portugal e mandam os produtos para todo o
mundo – empresas como a AutoEuropa. O que nos falta é logística. Se definirmos
a estratégia, Sines torna-se relevante. Sem ela, é mais uma obra pública”.
E desde a entrada
na UE que Henrique Neto não vê uma estratégia em Portugal. “Depois foi uma navegação à vista”.
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