PGR cria núcleo de deontologia
após comentários de procuradores ao caso Sócrates
PEDRO SALES DIAS
12/05/2015 – PÚBLICO
Joana Marques Vidal decidiu
discutir o tema por achar que comentários não respeitavam "princípios
éticos", mas votou contra abertura de inquérito por considerar que não
ocorreu "infracção disciplinar" com críticas no Facebook.
A polémica gerada
pelos comentários de vários magistrados sobre o caso Sócrates em grupos
restritos do Facebook já levou à criação de um núcleo de deontologia na
Procuradoria-Geral da República (PGR) para sensibilizar os procuradores,
salientou ao PÚBLICO a PGR.
Este núcleo, cujo
funcionamento foi aprovado recentemente no âmbito do Conselho Superior do
Ministério Público (CSMP), terá “por missão reflectir e promover acções de
sensibilização e prevenção em matérias de ética e deontologia”, realça a
Procuradoria remetendo para a decisão tomada a 14 de Abril pelo plenário do
CSMP, o órgão de gestão e disciplina dos procuradores.
No boletim
informativo que destaca as deliberações tomadas nesse plenário, o CSMP sublinha
ainda a necessidade de “envolver a hierarquia do Ministério Público (MP) na
difusão e dinamização das linhas orientadoras” sobre o “alcance do dever de
reserva dos magistrados”.
No mesmo
plenário, como o PÚBLICO então noticiou, o conselho decidiu abrir um inquérito
para apurar a eventual responsabilidade disciplinar de magistrados do MP face a
alguns comentários críticos na rede social. A decisão não foi tomada por
unanimidade durante a reunião daquele órgão máximo do MP. Quatro elementos do
CSMP votaram contra e dois abstiveram-se.
O inquérito
destina-se a apurar se efectivamente ocorreram infracções no âmbito
disciplinar, sendo que só depois será aberto o respectivo processo disciplinar
para cada um dos procuradores visados. Já em 2013, o CSMP aprovou uma
deliberação onde lembrava aos procuradores que estão sujeitos ao dever de
reserva e apelava à "particular contenção" em "troca de opiniões
em redes sociais, ou na publicação de artigos em blogues e páginas de
Internet".
A
procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, que decidiu levar o tema a
esta reunião por considerar que “a forma de expressão em causa não respeitava
os princípios éticos e deontológicos que devem nortear os magistrados",
foi porém uma das pessoas que votou contra o inquérito.
A magistrada entende
que, “em face dos elementos disponíveis, dificilmente se pode configurar alguma
infracção disciplinar, em particular, em espaços onde coexiste a liberdade de
expressão”, lê-se no boletim. Além disso, Joana Marques Vidal recordou que, “no
âmbito do processo disciplinar, os meios de prova legalmente admissíveis em
ambiente digital prefiguram uma baixa expectativa de resolução do caso, em
especial no que respeita à determinação dos respectivos autores”.
O advogado de
José Sócrates, João Araújo, foi o primeiro a lamentar esta actuação dos
magistrados numa entrevista à RTP em Fevereiro deste ano. Referiu-se então a
esses grupos fechados do Facebook como a “coisa mais desbragada” que se “pode
imaginar” com “juízes e procuradores a dizerem as coisas mais absurdas, mais
disparatadas”. O advogado qualificou então tanto os procuradores como os juízes
que terão comentado o caso como “garotada que invadiu os tribunais e que se
entretém com estas parvoíces em vez de estar a despachar processos”.
Nessa entrevista,
João Araújo leu também os comentários deixados por alguns desses magistrados e
o caso foi depois noticiado. “Há dias perfeitos. Hihihihihi”, comentou um
magistrado no dia em que Sócrates foi detido, citado numa notícia da revista
VIP. E sobre o protesto posterior na cadeia de Évora, onde os reclusos
reclamaram um secador de roupa e melhor alimentação, a atitude foi logo
associada à chegada do ex-primeiro-ministro à cadeia: “Com toda a razão, afinal
ele estava habituado aos mais requintados restaurantes em Paris.”
Ao contrário do
CSMP, o plenário do Conselho Superior da Magistratura, órgão de disciplina e
gestão dos juízes, tomou uma posição sobre o assunto, mas apenas no sentido de
chamar os magistrados judiciais à atenção.
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