Escócia:
e contudo ela move-se
PAULO RANGEL
19/05/2015 - PÚBLICO
O
eleitorado escocês, que já tinha votado largamente no SNP para o
parlamento de Edimburgo, perdeu o medo de assumir a pretensão
“independentista”.
1. As eleições
britânicas continuam a ser bom pasto para reflexão. Um dos focos
mais relevantes vem a ser, por certo, o impressionante resultado do
Partido Nacional Escocês (SNP), que obteve 56 lugares dos 59
assentos parlamentares disponíveis no território respectivo. Esta
vitória em toda a linha saldou-se em contrapartida numa derrota
histórica dos trabalhistas do Labour, que tradicionalmente eram a
força maioritária nos círculos escoceses e de onde provieram os
dois últimos primeiros-ministros britânicos, respectivamente Tony
Blair e Gordon Brown.
Os comentadores de
esquerda mais aguerridos tendem a explicar o sucesso eleitoral do SNP
pelo programa marcadamente de esquerda, com uma forte retórica
antiausteridade e com um enorme entusiasmo pelo reforço do Estado
social. Tendem mesmo a dizer que este resultado só se percebe pelo
contraste que faria com o programa dos trabalhistas e de Ed Miliband,
que seria um programa frouxo, ainda muito refém da ressaca da
“terceira via” “blairiana”. É patente que se trata de uma má
explicação, pois é sabido que os trabalhistas de Ed Miliband,
muito embora estivessem à direita do SNP, produziram o manifesto
mais esquerdista de que há memória desde Neil Kinnock, procurando
dar uma resposta às políticas conservadoras de Cameron por uma via
realmente alternativa. Sem sucesso, porém.
A ideia de que o SNP
triunfou largamente pelo seu discurso de esquerda, muito
socializante, tem também apoiantes no lado direito do espectro
político britânico. Num seminário recente que organizei em
Bruxelas sobre as eleições inglesas, um deputado conservador
classificou o SNP como o “nosso Syriza”. Outros mais moderados,
mas no mesmo trilho de compreensão, diziam que o projecto do SNP,
que tanto agradava aos eleitores da velha Caledónia, era basicamente
um projecto de “escandinavização” da Escócia.
2. Devo confessar
que estou em completo desacordo com esta linha de análise. Não
custa naturalmente reconhecer que nunca há um factor único ou
unidimensional para explicar um resultado eleitoral. E é também
conhecido que a Escócia foi fortemente castigada com a progressiva
“financeirização” da economia britânica. E que se trata aí de
um processo longo, com raízes históricas na obsolescência da
economia industrial dos anos 50 e 60 e no enorme impacto que essa
degenerescência teve no tecido económico e social daquela nação
(designadamente, na outrora fervilhante região de Glasgow). O
processo é longo, mas as consequências assaz gravosas,
especialmente em sede de apoios sociais, fizeram-se sentir agudamente
nos primeiros anos da governação Cameron. O plano de cortes,
decididamente seguido pela dupla Cameron-Osborne, teve uma enorme
repercussão no já fragilizado tecido social escocês. Note-se,
aliás, que o plano de cortes é para continuar, tal como foi
abertamente explicado na campanha eleitoral pelo discurso dos
conservadores — circunstância que não se pode estranhar, se se
pensar que, mesmo depois desse esforço e com um crescimento
assinalável, o Reino Unido persiste com um défice público superior
a 5%. Em suma, o programa de esquerda do SNP e a sua crítica aos 5
anos de governo da coligação conservadora-liberal terão decerto
contribuído para o apuro final das contas eleitorais.
3. Trata-se, a meu
ver, todavia, de uma explicação insuficiente e que erra o
verdadeiro alvo. Os também impressionantes resultados do referendo
de Setembro dão-nos talvez um quadro de compreensão menos imediato,
mas mais apurado e mais afinado do processo político em curso nas
terras do monstro de Loch Ness. Um dos efeitos do referendo — em
que estava em jogo uma causa maior, a independência da Escócia —
foi a perda do receio de abraçar essa causa. O eleitorado escocês,
que já tinha votado largamente no SNP para o parlamento de
Edimburgo, num contexto puro de autonomia regional e simples
devolução de alguns poderes legislativos e executivos, perdeu o
medo de assumir a pretensão “independentista”. Uma coisa é
votar num partido regionalista para governar uma região; outra coisa
é votar num partido independentista para um parlamento nacional de
um Estado de que essa região faz parte. E outra coisa, ainda
diferente e mais além, é votar nesse partido independentista,
escassos meses depois de ele ter conduzido uma campanha, largamente
bem sucedida, pela independência num referendo organizado para o
efeito. Quem julgar que o voto no SNP é um puro voto ideológico e
não contém em si a aspiração de retomar, mais tarde ou mais cedo,
o processo de autodeterminação escocesa não terá percebido o
movimento que está em marcha. Se se tratasse de exprimir apenas uma
pulsão ideológica, o voto nos trabalhistas de Miliband seria
perfeitamente adequado. Como se disse, o seu manifesto era o programa
mais à esquerda dos últimos 25 anos e o líder trabalhista era o
único que estava em posição de eventualmente destronar o
diabolizado Cameron. Que sentido fazia penalizá-lo ou castigá-lo,
ainda por cima sabendo por antecipação que Miliband não faria
qualquer aliança com o SNP (justamente por causa da aspiração
secessionista)?
4. O que os
escoceses quiseram significar com o seu voto é que a questão da
autodeterminação não se esgotou no referendo de 2014;
provavelmente, como aliás sempre pensei, só aí começou. O tema
económico e aquela idealização de trazer para a Escócia o modelo
escandinavo não estão desligados da aspiração à independência.
Na verdade, alimenta-se da veleidade simplista de que uma Escócia
soberana seria a única beneficiária do petróleo do mar do Norte e
podia converter-se numa pequena Noruega.
Ninguém pense que
este facto passou despercebido em Barcelona ou em Vitória-Gasteiz.
Vai haver eleições na Catalunha em Setembro e eleições gerais na
Espanha em Novembro. Os processos não pararam. Portugal continua com
os seus dois principais aliados europeus, Reino Unido e Espanha, em
tensão geopolítica interna. Não podemos continuar inertes.
SIM e NÃO
SIM. Silva Peneda.
Acaba de sair da presidência do CES, é justíssimo reconhecer a
qualidade e imparcialidade da sua liderança: puro serviço público.
E agora estará em Bruxelas numa posição-chave para nós e para a
União.
NÃO. Ministério da
Educação. A obsessão dos ministros da 5 de Outubro com o acordo
ortográfico é incompreensível. Portugal avança compulsiva e
orgulhosamente só. Com desvantagens, sem vantagens.
Eurodeputado (PSD)
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