Editorial / Público / 3-5-2015
Ainda as eleições e a liberdade
de informar
Rejeitado o “monstro”, é preciso de qualquer modo rever a lei para que esta
se adeqúe aos dias de hoje
Logo após o recuo
da proposta de revisão do “regime jurídico da cobertura jornalística em período
eleitoral” (que tinha, mas logo deixou de ter, o “selo” dos três partidos do
chamado “arco da governação”, PSD, PS e CDS), o sociólogo António Barreto disse
na televisão qualquer coisa como isto: quando lhe perguntaram se achava que tal
proposta iria voltar, deu o exemplo da toupeira, que desaparece na terra mas
volta à superfície.
Antes que a toupeira
emerja convém, pois, deixar claras várias coisas. Foi o que fizeram os
directores de todos os órgãos de comunicação social portugueses (de imprensa,
rádio e televisão), numa louvável sintonia em princípios inabaláveis. O que diz
essa carta de princípios já foi, no essencial, difundido, mas é bom sublinhar
alguns pontos. Como, por exemplo, a absoluta desactualização da lei em vigor,
onde, para citar a carta dos directores, se “condiciona a liberdade de
informação e interfere na autonomia dos meios de comunicação social”, onde se
“confunde o trabalho editorial com iniciativas de propaganda
político-partidária” e “noticiários com tempos de antena”, e onde se “obriga a
que assuntos de natureza e importância diferente tenham a mesma cobertura
noticiosa, anulando os critérios editoriais e o valor notícia dos
acontecimentos.” Como se sabe, a proposta que, há cerca de uma semana, tanto
escândalo causou, mantinha no essencial tais intromissões, acrescentando-lhes a
bizarria de apresentar, a uma comissão de três elementos, um plano prévio
“identificando, nomeadamente, o modelo de cobertura das ações [ sic] de
campanha (...), a realização de entrevistas, de debates (...), de reportagens
alargadas, de emissões especiais ou de outros formatos informativos”. Esse
plano teria de ser ratificado, e a sua não apresentação ou incumprimento era
punida com multa.
Foi esta a
toupeira que desapareceu numa cova funda. Para que não volte, mesmo com
aparência melhorada, convém assentar as bases essenciais de uma lei futura. E
essas, como também sublinha a carta dos directores, deve respeitar “os
princípios de liberdade, independência e imparcialidade dos órgãos de
comunicação social e dos jornalistas face a todas as forças políticas e a todas
as candidaturas”, deve “separar de forma inequívoca a actividade jornalística,
da responsabilidade exclusiva dos meios de comunicação social, das iniciativas
de propaganda” e “deve ter presente a ponderação entre o princípio da não
discriminação de candidaturas e a autonomia e liberdade editorial e de
programação dos órgãos de comunicação social.” Isto, como facilmente se
percebe, é incompatível com a exigência de “planos prévios” ou disparates
semelhantes.
Os 41 anos da
nossa democracia, com dezenas de actos eleitorais realizados, são garantia bastante
de que não precisamos de leis “correctoras” (como se fôssemos crianças) nem os partidos
ou candidatos precisam de leis “piedosas” (como se fossem indefesos). Se houver
bom senso, haverá uma lei condigna, que servirá para hoje e para o futuro.
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