Os navios ainda são uma das áreas cinzentas do controlo das emissões dos gases com efeito de estufa |
Novas medidas procuram limitar as
emissões de CO2 dos navios
Europa passa a exigir monitorização das emissões dos navios que utilizem
portos europeus. Ilhas Marshall propõem metas globais de redução das emissões
que são 14 vezes superiores às de Portugal
Ricardo Garcia /
3-5-2015 / PÚBLICO
Um novo
regulamento europeu e outras propostas a nível mundial estão a desafiar a
liberdade com que os navios lançam gases com efeito de estufa para o ar sem
prestarem contas a ninguém. O tema está na agenda de uma reunião da Organização
Marítima Internacional (OMI) que terá lugar este mês, em Londres, e foi
debatido e votado na terça-feira passada no Parlamento Europeu.
Os eurodeputados
deram a sua aprovação final a um regulamento segundo o qual os navios que
utilizem portos europeus terão de monitorizar as emissões de CO2 (dióxido de
carbono) das suas viagens a partir de 2018. Os dados serão verificados e
reportados à Comissão Europeia, que os divulgará publicamente.
O que a UE
pretende é que, com base nesses dados, as empresas transportadoras dêem
preferência a embarcações com menor pegada carbónica, já que menos emissões
resultam de um menor consumo de combustível. E isso poderá ainda ter um efeito
a montante. “É um incentivo para que os donos dos navios adoptem soluções mais
eficazes em termos energéticos”, afirma o eurodeputado português José Inácio
Faria, eleito pelo Movimento do Partido da Terra e relator do Parlamento
Europeu para a discussão desse regulamento.
As normas valem
para grandes navios, com mais de 5000 toneladas de peso bruto — representando
55% dos que transitam pela UE e 90% das emissões de CO2. Independentemente da
bandeira sob a qual navegam, se utilizarem portos europeus terão de ter um
certificado a provar que fazem a monitorização exigida. Se falharem, haverá
sanções, ainda por definir por cada Estado-membro.
A UE está a dar
um primeiro passo, e algo polémico, numa área difícil de regulamentar a nível
internacional. Tal como os aviões, os navios ainda são uma das áreas cinzentas
do controlo das emissões dos gases com efeito de estufa. A sua contribuição
para o problema não é negligenciável: 949 milhões de toneladas de CO2 em 2012,
segundo dados da Organização Marítima Internacional (OMI). São cerca de 3% das
emissões totais a nível mundial ou 14 vezes as de Portugal.
A maior parte
deste CO2 — cerca de 84% — é libertada quando as embarcações estão em alto mar,
fora da jurisdição de qualquer país. Daí que seja mais difícil a sua
regulamentação. A UE contornou esta limitação colocando a tónica no controlo
que é feito nos seus portos. Mas desta vez foi mais cautelosa do que quando
integrou a aviação no comércio europeu de licenças de emissões, em 2012. Na
altura, impôs um limite ao CO2 total dos voos de e para a Europa. As companhias
aéreas reagiram mal e Bruxelas acabou por recuar. Manteve apenas os voos
internos no mercado de carbono e deixou o resto nas mãos da Organização
Internacional para a Aviação Civil, onde uma solução global deve ser aprovada
em 2016.
Para os navios, a
OMI já adoptou um índice de eficiência energética, em vigor desde 2013 e que
obrigará a uma diminuição progressiva das emissões de CO2 por distância
percorrida e carga transportada. A meta é chegar a 30% de redução em 2025, em
relação à geração actual de navios.
O índice
aplica-se, porém, apenas aos navios novos. E o aumento da eficiência energética
pode ser anulado pelo maior trânsito nos oceanos previsto para as próximas
décadas. A própria OMI estima que, sem medidas adicionais, as emissões da
navegação marítima podem aumentar entre 50 e 250% até 2050.
Na próxima
reunião do Comité para a Protecção do Ambiente Marinho da OMI, de 11 a 15 de Maio em Londres, a
questão do CO2 dos navios vai estar sobre a mesa. As ilhas Marshall, sob cuja
bandeira de conveniência navegam cerca de 1600 navios, propõem que seja fixada
uma meta de redução de emissões e correspondente medidas.
A UE não quer
perturbar as negociações internacionais, mas pretendeu, com o seu regulamento,
“demonstrar que a Europa está a liderar neste tema”, diz José Inácio Faria.
Entre os
armadores, a iniciativa europeia foi recebida com críticas. “O primeiro aspecto
com o qual estamos em desacordo é o de que, estando esta questão a ser
discutida a nível mundial, a União Europeia introduza um regulamento com
aplicação a nível comunitário”, argumenta Joaquim Coelho, secretário-geral da
Associação de Armadores da Marinha de Comércio. “O problema é mundial, e não
europeu”, prossegue.
O que também
preocupa os armadores é a eventual divulgação de dados que possam ser segredos
comerciais e o estabelecimento de sanções ou metas obrigatórias. Muitos
proprietários, porém, preferem divulgar os dados sobre a eficiência energética
dos seus navios.
Há cinco anos, a
organização nãogovernamental Carbon War Room — de Richard Branson, fundador do
grupo Virgin — lançou uma plataforma voluntária de classificação de navios, de
Aa G, conforme a sua eficiência energética, tal como os electrodomésticos.
Hoje, a base de dados já tem 75.000 embarcações e é utilizada por empresas que
representam 23% do mercado de fretamento de navios. “A eficiência energética já
faz parte do seu processo de decisão”, afirma Victoria Stulgis, da Carbon War
Room. Dois bancos ligados à indústria marítima — o HSH Nordbank e o KfW
IPEX-Bank — também estão a recorrer ao sistema para fundamentar as suas
decisões de investimento.
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