Por
que estão tantas árvores muito antigas a ser cortadas em Lisboa?
POR O CORVO • 14
MAIO, 2015 •
A primavera lisboeta
viu o chilrear dos pássaros ser abafado pelo barulho das
motosserras. Em vários bairros, tem-se assistido a aparatosas
operações de poda e corte de árvores, algumas com décadas. As
juntas de freguesia, que ganharam competências nesta área mas
delegam os trabalhos em empresas, argumentam com a segurança
pública. Mas há cada vez mais vozes a criticar o que consideram ser
“um massacre”. Também são muitos os que acusam as juntas de
incompetência e digam que os interesses económicos suplantam a
possibilidade de curar as árvores doentes.
Texto: Samuel Alemão
(* com Fernanda Ribeiro)
Além da subida da
temperatura e da generalizada melhoria das condições
meteorológicas, a primavera trouxe também a muitas zonas da cidade
de Lisboa uma pouco usual actividade das motosserras. Em várias
ruas, avenidas e jardins da capital, tem-se assistido, nas últimas
semanas, a um frenesim de trabalhos de poda e corte de árvores.
Algumas de grande porte e com décadas de vida. Em vários casos, e
para surpresa de muitos elementos da comunidade, o cenário surgido
após tais intervenções é substancialmente diferente. O que tem
causado muita contestação e colocado as juntas de freguesia sob
forte censura popular.
Sobretudo da parte
dos mais velhos, têm-se feito ouvir protestos nos locais e na hora
onde decorrem as operações fitossanitárias levadas a cabo por
empresas, a mando das juntas de freguesia. Habituados à longa
presença das árvores agora desaparecidas ou fortemente desbastadas,
sob as quais descansavam e conviviam, eles são os mais evidentes
contestatários. Mas apenas uma parte dos descontentes. Têm-se
também começado a fazer ouvir, de forma cada vez mais evidente, as
vozes de protesto contra o que chamam de “massacre injustificado”
de árvores. O mote foi dado pelas intervenções feitas, nas duas
últimas semanas, no Jardim Cesário Verde, na Estefânia, freguesia
de Arroios, e na Avenida Guerra Junqueiro, freguesia do Areeiro.
Há grupos de
cidadãos a organizar protestos e a mobilizarem-se. O que levanta a
questão de se saber se essas intervenções, apresentadas pelas
juntas como “inevitáveis”, seriam mesmo necessárias. Há um
“abaixo-assinado contra a ‘poda selvagem’ de árvores na
Avenida Guerra Junqueiro” a correr na net, lançado pelo núcleo de
Lisboa da associação cívica Mais Democracia e tendo com
destinatária a Assembleia de Freguesia do Areeiro, visando denunciar
a operação desencadeada pela junta local. Lamentando o corte de 22
freixos, a petição diz que, “com esta “poda selvagem” e
radical, alterou-se completamente a imagem visual (com mais de 60
anos), e por muitos anos, de uma das mais comerciais avenidas
lisboetas”.
A mesma petição
lamenta que se tenha realizado o abate de “árvores saudáveis, com
o pretexto de assim se impedir a ‘queda de ramos’ sobre
transeuntes e veículos”. “O mesmo objectivo poderia ser
alcançado com uma poda menos radical”, acrescenta o texto da
iniciativa de protesto da Mais Democracia, onde se critica igualmente
a época escolhida para a operação. “Foi feita na altura errada
do ano e a sua radicalidade vai expor os freixos a doenças,
dificultar a cicatrização dos troncos e colocar em risco a
sobrevivência futura das restantes de árvores que a junta não
tencionava abater”, diz o texto.
A acção
desencadeada pela junta do Areeiro na Avenida Guerra Junqueiro foi
também muito criticada pelo grupo cívico Fórum Cidadania LX, que
no seu blogue teceu contundentes críticas: “Para quando o fim
deste amadorismo, ou melhor, desta leviandade de quem decide pelos
destinos nesta cidade? Uma intervenção deste tipo, noutros países,
levaria anos a fazer-se, porque as árvores seriam intervencionadas
paulatina e cirurgicamente, de forma a que não houvesse um
comprometimento do bem patrimonial”. E acrescenta: “É preciso
testemunhar como se faz lá fora para perceber o erro de quando se
intervém desta forma radical numa avenida onde um dos valores
patrimoniais principais é precisamente o ‘tecto verde’
luxuriante”.
Também a
intervenção feita, há duas semanas, por uma empresa a mando da
Junta de Freguesia de Arroios, no Jardim Cesário Verde, na
Estefânia, mereceu fortes críticas por parte de elementos do Fórum
Cidadania LX. Um deles, Luís Marques da Silva, disse mesmo ao Corvo,
no momento em que decorria a acção, que “as árvores da cidade
estão a ser massacradas”. E lamentou que o corte e as podas
agressivas sejam o essencial da prática adoptada, “quando toda a
gente sabe que as árvores são tratáveis”. Este membro do grupo
cívico chegou mesmo a apelar, através do blogue, a uma mobilização
popular contra a operação em curso.
No caso do Jardim
Cesário Verde, o trabalho realizado pela empresa Sequóia Verde
levou ao corte de cinco dos 21 lódãos ali existentes e a podas
noutros. Uma acção justificada num comunicado publicado no sítio
da junta de Arroios, no qual se referem os dois princípios
fundamentais dessa e de outras operações realizadas na freguesia:
“incrementar a segurança pública e promover árvores saudáveis e
estáveis, aumentando a sua longevidade”. “A concretização
destes objetivos só é possível através da aplicação de práticas
de arboricultura urbana corretas que evitem a formação de defeitos
e promovam a saúde e estabilidade das nossas árvores”, assegura a
autarquia.
“É importante
referir que uma árvore embora mecanicamente instável e com um
potencial risco de ruptura elevado, apresenta na maioria das
situações copas frondosas e vigorosas”, diz o mesmo comunicado da
Junta de Freguesia de Arroios, depois de esclarecer que foi utilizado
um protocolo de inspeção de árvores e avaliação do seu potencial
risco de ruptura, denominado Protocolo VTA (Visual Tree Assessment).
No mesmo texto, a autarquia apresenta uma listagem dos cortes feitos
em seis arruamentos da Estefânia, entre os quais o Jardim Cesário
Verde. Ao todo, foram derrubadas 43 árvores num total de 452
existentes
A necessidade de
justificação, por parte das juntas, de tais acções é tão
recente quanto as suas responsabilidades nesta área. Com a reforma
administrativa da cidade de Lisboa – realizada após as eleições
autárquicas de Setembro de 2013 e que acarretou a redução do
número de freguesias de 53 para 24 –, concretizou-se a
descentralização de competências do município para as juntas. A
administração dos espaços verdes (incluindo o arvoredo) passou,
desde então, a ter um tratamento localizado. O que antes era por
inteiro da tutela camarária é agora sujeito a decisões de cada uma
das juntas.
Com as novas
competências das juntas de freguesia de Lisboa – que, na prática,
e em muitos aspectos, passaram a funcionar como “mini-câmaras
municipais” – veio também um maior orçamento para gerir. A isso
se junta o facto de, regra geral, e apesar de terem recebido parte do
efectivo de meios humanos e equipamentos da câmara, a generalidade
das juntas de freguesia continuar a não estar preparada para lidar
com algumas das tarefas. Como é o caso da arboricultura. Razão pela
qual as autarquias têm adjudicado tais trabalhos a empresas
especializadas. Tal sucedeu quer no Areeiro quer em Arroios.
A essa realidade faz
referência uma recomendação do Partido Ecologista “Os Verdes”
(PEV) aprovada por unanimidade, nesta terça-feira (12 de Maio), na
última sessão da Assembleia Municipal de Lisboa. Lembrando um
despacho camarário de Agosto de 2012 que instituiu um conjunto de
normas e procedimentos para a manutenção e remoção de árvores –
entre os quais estava o fazer “depender qualquer abate de árvores
da emissão dos respectivos parecer e autorização prévios, bem
como da obrigatoriedade de antecipadamente se informar os cidadãos,
tanto por meio da distribuição de folhetos, como pela afixação de
placas informativas junto a cada árvore a abater” -, o texto
critica a CML por não ter acautelado o cumprimento de tal despacho.
Por isso, o PEV
recomenda à câmara que “reconheça a importância ecológica das
árvores de alinhamento e da arborização dos arruamentos, jardins e
parques da cidade de Lisboa” e que “promova que só sejam
removidas árvores quando tal seja absolutamente indispensável e
após transparente divulgação de informação atempada aos
munícipes, através da afixação de aviso junto das árvores a
abater”. O texto solicita ainda que a câmara “crie um manual de
boas práticas sobre os procedimentos de manutenção, poda, abate e
substituição de árvores de grande porte na cidade de Lisboa, no
mais curto espaço de tempo”.
Outro dos pontos
contidos na recomendação aprovada pela assembleia municipal pede à
câmara que “consigne a necessidade de existir, previamente a estas
operações, um parecer de entidade com reconhecidas competências
fitossanitárias, com quem os diversos órgãos autárquicos
mantenham protocolos de cooperação”. Uma atitude sublinhada pelo
facto de, “nas cidades, mais importante que plantar novas árvores,
é fundamental preservar e saber cuidar das que foram plantadas pelos
nossos antepassados, ao mesmo tempo que vão construindo a memória
dos locais e das pessoas que os habitam”.
Uma linha de
pensamento que vai de encontro ao defendido por Paula Ramos,
professora no Instituto Superior de Agronomia (ISA), que lembra que
“as árvores são património e devem ser tratadas como tal, como
um bem público que é de todos nós”. Frisando não querer
comentar as mais recentes operações de poda e corte do arvoredo
levadas a cabo pelas juntas, a docente salienta que “existem sempre
soluções técnicas para as árvores doentes, permitindo que elas
vivam mais tempo”. “Cada caso tem de ser visto na sua
individualidade, mas há sempre a hipótese de ir intervindo sobre
uma árvore, prolongando-lhe o tempo de vida, até que fique apenas o
tronco”.
Paula Ramos faz
notar que isso, todavia, obriga a um “trabalho aturado de
monitorização” e “isso, como é óbvio, representa um custo
financeiro”. Mas a essa realidade contrapõe com a “uma outra
ordem de valores, que é de difícil quantificação, mesmo do ponto
de vista económico”. “As árvores em ambiente urbano são
absolutamente imprescindíveis, seja pela regulação e harmonização
das temperaturas do ar, seja pela retenção das partículas
poluentes, como os metais pesados, ou ainda pelo aspecto estético”.
“Temos que
ponderar muito bem os custos de operações como estas. O que
representa ter uma cidade sem espaços verdes é tremendo”,
considera a professora universitária. É por isso, diz, que tem de
um haver “uma política estruturante sobre a forma se gere o
arvoredo”. “Há critérios de arboricultura que devem ser
adoptados e são uma mais-valia. Por exemplo, quando existe um risco
de ruptura numa árvore, o proprietário da mesma, que no espaço
público são as autarquias, pode decidir fazer várias coisas,
correndo o risco e assumido os custos de a manter”, afirma.
Ou seja, importa
frisá-lo, pode-se sempre salvar uma árvore, mas isso custa
dinheiro. Tal como outras coisas. “A árvore tem de ser vista como
um bem que tem um custo, que leva décadas a cuidar. Quando se
derruba uma árvore, tal tem que ser equacionado. Não podemos estar
sempre a partir do zero”, considera Paula Ramos, que diz ter
assistido, nos últimos cinco a seis anos, a “uma degradação do
trabalho feito, no decurso da grande evolução já ocorrida em
Portugal a nível da arboricultura”. “Não sei se será por causa
da crise e da falta de recursos”, especula, lembrando que as
câmaras municipais, sobretudo a de Lisboa, têm técnicos com bons
conhecimentos, que podem ser usados pelas juntas.
O problema é que
“falta sensibilidade às juntas para tratar destes assuntos”,
considera João Pinto Soares, dirigente da Associação Lisboa Verde,
que manifestou o seu desagrado com o que foi feito no Jardim Cesário
Verde, mas também na Rua Tomás Ribeiro (freguesia das Avenidas
Novas). “Cada caso é um caso, mas é evidente que existe uma
tendência para a poda excessiva. Aliás, foram podas sucessivas que
causaram os problemas que agora se tenta remediar com estas novas
intervenções”, diz o activista, para quem tais acções
fitossanitárias deveriam ser “muito ponderadas e não tomadas de
ânimo leve”.
Também João Pinto
Soares lembra que “as árvores podem ser sempre tratadas, pois são
seres vivos”. E quando há mesmo necessidade de as cortar, deveriam
logo ser plantadas outras no seu lugar – algo que nem sempre
acontece. O dirigente associativo salienta, porém, que as empresas a
quem são entregues estes trabalhos não se fazem muito rogadas na
hora de decidir se é necessário acabar com a vida de uma árvore e
substituí-la por outra. “Os viveiristas, que são quem toma a
opção, são economistas, têm um negócio e não espanta que
queiram ter lucro”, diz. Pinto Soares acha que, por ser
estruturante para a cidade, a mancha arbórea não deveria estar nas
mãos das juntas.
Mas as juntas de
freguesia argumentam que agem com base em pareceres técnicos e,
sublinham, tendo como interesse fundamental a segurança de pessoas e
património. No caso da intervenção na Avenida Guerra Junqueiro, O
Corvo teve oportunidade de ouvir no local o responsável técnico da
empresa Green Turtle, a quem a junta do Areeiro adjudicou o serviço.
“Um tronco que parece estar bom, muitas vezes, está cheio de
problemas. Há podridões internas que são como cáries”,
explicava Jorge Marcelo, junto a um monte de pernadas cortadas há
minutos. O engenheiro lembrava o potencial risco que essas árvores
representam para a segurança das pessoas e, no caso, dos carros
estacionados. Uns dias antes, um automóvel havia ficado seriamente
danificado por uma pernada.
Ainda recentemente,
e também tendo as viaturas como preocupação, a Junta de Freguesia
de Alvalade decidiu mandou remover três dezenas de nogueiras na
Avenida Rio de Janeiro. No caso da Guerra Junqueiro, o problema seria
já antigo e alvo da atenção da Câmara Municipal de Lisboa, que em
2012 encomendou um estudo técnico sobre a saúde daquela mancha
arbórea à Universidade do Minho. Foi com base no mesmo, garante
Jorge Marcelo, que a operação foi levada a cabo. Sobre o aumento da
frequência de podas e cortes, o técnico tem uma leitura: “Devido
à proximidade dos problemas, as juntas são naturalmente mais
interventivas que a câmara”.
Mau grado os
protestos e o desagrado generalizado de quem passa agora na Guerra
Junqueiro, o presidente da Junta de Freguesia do Areeiro diz ao Corvo
que prefere “ser criticado pela poda drástica que foi feita, do
que ser criticado por não fazer nada e pôr em risco a vida dos
cidadãos”. E, em seu entender, era o que podia acontecer, se não
agisse.
“A Câmara, que já
sabia desde 2012 da situação das árvores da Guerra Junqueiro, não
actuou. Entregou-nos o arvoredo sem nos comunicar nada. Só depois
viemos a saber e, nessa altura, pedimos uma reavaliação. Ela veio
confirmar que 27 árvores tinham problemas graves, estavam podres e
eram para abater, um número que, entretanto, já subiu para 33”,
afirma Braancamp.
“Só este ano,
caíram sete grandes ramos de árvores, que danificaram oito
viaturas. Sorte que, em nenhum caso, a queda dos ramos atingiu
pessoas. Eu tinha que agir. Sei que nem sequer é tempo de fazer as
podas. Deveria esperar pelos finais de Agosto, mas achei que não
devíamos esperar, porque isso era colocar em risco a vida das
pessoas”, disse o autarca ao Corvo.
Na reunião de
executivo camarário desta quarta-feira, realizada à porta fechada,
os vereadores do PCP questionaram “o abate indiscriminado de
árvores feito pelas juntas, sem obedecer a critérios e deixando de
fora o técnicos da CML especializados em arvoredo”. Os comunistas
prometem apresentar, numa das próximas reuniões, propostas
concretas sobre este assunto.
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