Privatização
da TAP: Governo aposta tudo em dois candidatos
RAQUEL ALMEIDA
CORREIA 15/05/2015 - PÚBLICO
A
poucas horas da entrega de ofertas, a única certeza é de que a
corrida não ficará deserta. Neeleman e Efromovich estão em Lisboa,
decididos a avançar, mas vão guardar o jogo até ao fim.
Entre uma a três
propostas de compra pela TAP. É esta a expectativa do Governo para
esta sexta-feira. Mas as fichas estão quase todas apostadas em dois
candidatos: David Neeleman, dono da brasileira Azul; e Gérman
Efromovich, que detém o grupo sul-americano Avianca e regressou após
a rejeição da oferta que fez em 2012. Porém, mesmo que o melhor
cenário se confirme, ainda há muita turbulência pelo caminho. É
praticamente impossível o negócio ficar fechado antes das eleições
e o PS continua decidido a travar a privatização da companhia.
Neeleman e
Efromovich, que deixaram de ter acesso a nova informação sobre a
empresa desde que fechou o processo de consulta, na segunda-feira,
estão em Lisboa. O primeiro foi recebido nesta quinta-feira pelo
Governo. O segundo fez-se representar pelos advogados num encontro do
mesmo tipo que decorreu no Ministério das Finanças, na passada
quarta-feira.
Não houve debate
sobre os detalhes das propostas que cada um tenciona apresentar nesta
sexta-feira, até às 17h, mas houve espaço para pedir
esclarecimentos sobre o caderno de encargos e aquelas que são as
grandes preocupações destes investidores: a posição dos
socialistas sobre a venda e a instabilidade laboral que a companhia
vive. O executivo acredita que desfez as maiores dúvidas, mas o
risco da operação ninguém poderá eliminar por completo.
Ainda na
quinta-feira, o secretário-geral do PS voltou a falar sobre a
privatização, acusando o Governo de “puro radicalismo ideológico”
e considerando que este ainda vai a tempo de “emendar a mão”.
Mas as declarações mais fortes, que causaram sérias preocupações
aos candidatos, foram feitas na semana passada, quando António Costa
veio garantir que, se chegar ao poder no Outono, “tudo fará”
para reverter a venda da transportadora aérea.
E se, em 2012, a
oposição do PS já se fez sentir, agora estas palavras ganham outra
força. Embora o Governo pretenda escolher o vencedor e assinar o
contrato até 30 de Junho, muito dificilmente a operação, que ainda
fica dependente da aprovação dos reguladores, estará concluída
até ao final da legislatura, o que deixará nas mãos dos
socialistas, se vencerem as eleições, a decisão de fechar ou não
o negócio. E o caderno de encargos prevê a possibilidade de a venda
ser suspensa até à transferência das acções para o comprador
privado.
Nas reuniões com os
dois candidatos, o Governo tentou passar a mensagem de que muito
dificilmente o PS vai passar à prática as ameaças que tem vindo a
fazer. Mas tanto Neeleman como Efromovich preferiam que aquela alínea
do caderno de encargos simplesmente não existisse. Ou que houvesse
um consenso político que lhes desse mais garantias sobre o desfecho
desta privatização.
No que toca à
segunda grande preocupação, os encontros no Ministério das
Finanças serviram para transmitir a ideia de que a recente greve de
dez dias convocada pelo sindicato dos pilotos, embora longa e
penalizadora para os cofres da TAP, não teve uma adesão muito
elevada. Com isso, o Governo quis tranquilizá-los sobre a eventual
contestação que possa surgir no seio da empresa relativamente à
passagem para as mãos de privados.
Se as mensagens
chegaram ao destino com o propósito esperado, não se sabe. Até
porque estes dois investidores estão a guardar o jogo até ao fim.
Sabendo que podem ficar sozinhos na corrida, não querem sequer
assumir que vão avançar, embora essa probabilidade seja muito
elevada. Se um deles desistisse, a proposta do outro seria
necessariamente muito menos apelativa para o Estado português, que
já espera um encaixe praticamente nulo com este negócio, fruto da
elevada dívida da empresa.
E, no meio deste
enredo, há ainda a possibilidade de surgir um terceiro candidato, já
que o empresário português Miguel Pais do Amaral continua a
ponderar se formaliza uma proposta. Há outro investidor nacional que
pode aparecer a jogo, embora integrado num consórcio: Humberto
Pedrosa, presidente do grupo Barraqueiro. E falta ainda confirmar o
afastamento da Gol e o alinhamento que será assumido pelas três
empresas de capital de risco (Apollo, Cerberus e Greybull) que também
pediram ao Governo para aceder a informação sobre a venda da TAP.
Interesse público
para seguir com a venda
Há outras variáveis
nesta privatização que têm deixado os investidores apreensivos.
Especialmente a situação financeira da TAP, que acumula uma dívida
superior a 1000 milhões de euros e cujos capitais próprios são
negativos em mais de 500 milhões. As negociações com os credores
bancários serão fundamentais para garantir a desejada estabilidade
aos compradores.
Por outro lado, há
uma providência cautelar a correr no Supremo Tribunal
Administrativo, em conjunto com uma acção principal que visa
suspender a eficácia do caderno de encargos. O Governo procurou na
quinta-feira antecipar-se a uma decisão judicial e aprovou em
Conselho de Ministros uma deliberação que fez chegar de imediato
aos juízes, ainda antes de terminar o prazo para a entrega de
propostas de compra, em que invoca o interesse público para
prosseguir com a operação.
Era um passo
esperado e ao qual o executivo até já recorreu noutras ocasiões,
como aconteceu recentemente com a providência cautelar movida pela
Câmara Municipal de Lisboa para impugnar a concessão a privados da
Metro de Lisboa e da Carris. Mas ainda será necessário esperar pela
decisão do tribunal sobre os argumentos do Governo, já que nada
garante que não seja antes favorável à autora da acção – a
Associação Peço a Palavra, que está ligada ao movimento Não TAP
os Olhos.
Mas,
independentemente de todas estas variáveis, parece quase certo que,
ao contrário do que aconteceu em 2012, a companhia de aviação
chegará às 17h desta sexta-feira com mais do que uma oferta de
compra em cima da mesa. E, por isso, a probabilidade de uma das
propostas satisfazer o Governo aumentará significativamente, até
porque ainda haverá um momento para negociação com cada um dos
investidores antes da escolha do vencedor.
Neste processo, à
semelhança de privatizações anteriores e seguindo os preceitos
legais, não contará apenas a palavra do Governo na escolha do
vencedor. Também a administração da TAP terá de se pronunciar
sobre o projecto estratégico proposto e haverá igualmente pareceres
da Parpública e da comissão de acompanhamento da venda, liderada
pelo economista João Cantiga Esteves. Este último comité também é
responsável por divulgar um relatório sobre a operação, em que
avaliará nomeadamente o cumprimento das regras de transparência.
Uma corrida intensa
pela TAP
No entanto, esta
corrida não será nada pacífica. As últimas horas têm mostrado
que o executivo terá de ser muito cauteloso nas suas decisões. Há,
por exemplo, candidatos que admitem impugnar o negócio, se não
forem cumpridas todas as regras, nomeadamente as normas comunitárias
que impedem que investidores de fora da Europa controlem empresas da
União Europeia. Efromovich pediu a nacionalidade polaca desde que
tentou concorrer pela primeira vez à TAP, mas não se sabe ainda
como irá Neeleman ultrapassar esse obstáculo.
Por outro lado, o
dono da Avianca tem um óbice que o fundador da Azul não carrega. A
forma invulgar de agir de Efromovich deixou marcas no passado, tanto
que, volvidos dois anos sobre a primeira tentativa de privatização
da TAP, o empresário optou por ser muito mais discreto, recusando-se
inclusivamente a falar com jornalistas. E o facto de a sua proposta
ter sido rejeitada uma vez também não joga a seu favor, até pelo
motivo alegado na altura: a ausência das necessárias garantias
financeiras.
Tanto Neeleman como
Efromovich poderão ser benéficos à TAP. Não só porque a
companhia precisa com urgência do dinheiro fresco que estes têm
para lhe oferecer, mas sobretudo porque os seus negócios no sector
da aviação são complementares à transportadora aérea portuguesa.
É natural que, se ficarem com a companhia, queiram fazer ajustes à
operação, mas só o futuro dirá que consequências poderão advir
dessa estratégia.
De uma forma ou de
outra, com ou sem venda a privados, a companhia de aviação teria
sempre de passar por uma reestruturação algo profunda, que os
prejuízos de 85,1 milhões de euros em 2014 só vieram evidenciar.
Se o Estado decidisse pedir autorização à Comissão Europeia para
injectar dinheiro na empresa, seria obrigado a acompanhar essa
solicitação de um plano de cortes que afectaria rotas, frota e
número de trabalhadores.
Esse será
necessariamente o plano B do executivo, para o caso de a segunda
tentativa de venda da TAP fracassar. Mas um cenário deste género
seria altamente penalizador para uma companhia de aviação que já
se encontra muito fragilizada. Na quinta-feira, o ministro da
Economia deixou um último aviso aos candidatos: “Espero que seja
um processo competitivo e que, sendo um processo competitivo, se
assegurem as melhores condições para o desenvolvimento da TAP, para
a capitalização da TAP, para o desenvolvimento da TAP e também
para a valorização da empresa”. Com Maria Lopes
Quo
vadis, TAP?
SÓNIA CARVALHO
14/05/2015
É de conhecimento
público que a TAP tem enfrentado problemas de capitalização muito
graves que, perante as dificuldades impostas por Bruxelas ao auxílio
estatal, reclamam a intervenção dos privados.
É certo que não é
de um dia para o outro que uma companha aérea com a dimensão da TAP
atinge uma situação que, nos dias que correm, já não deve andar
muito distante da falência técnica. Foram, sem dúvida, vários os
erros de gestão, em que assume especial relevo o negócio de
manutenção no Brasil. Mas também são vários os factores que
acentuaram as dificuldades de tesouraria, como a pressão nos preços
resultante da concorrência, bem como, mais recentemente, a
desvalorização cambial.
Todavia, não são
apenas estas as razões para a situação financeira da TAP.
Progressivamente, a TAP tem vindo a perder para a concorrência, com
os seus aviões obsoletos, os constantes atrasos e cancelamentos e a
ausência de um diálogo eficaz com os clientes.
Julgo que todos nós
temos uma história ou conhecemos alguém que, tendo tido um voo TAP
cancelado ou com atraso, foi abandonado, indefinidamente, no
aeroporto, sem qualquer tipo de informação. No meu caso, recordo-me
que, no famigerado Verão passado, marcado por constantes avarias e
atrasos, os meus pais, com quase 70 anos, depois de um atraso no voo
Budapeste-Lisboa de mais de quatro horas, ficaram esquecidos no
aeroporto de Lisboa, entre as 4h da manhã e as 15h, a aguardar a
remarcação de voo para o Porto, cuja promessa vã de poder ocorrer
a qualquer momento e a pressa em chegar a tempo de um compromisso
profissional os manteve presos no aeroporto. Uma história familiar a
muitos, não é?
Esta degradação da
imagem da TAP, que, em termos operacionais, ainda granjeia níveis de
confiança elevados, tem vindo a ser escavacada pelas constantes
greves.
De acordo com dados
divulgados pela TAP, desde 2007 que os trabalhadores da TAP cumpriram
55 dias de greve, com um prejuízo na ordem dos 343 milhões, onde
não estão contabilizadas as perdas de 35 milhões que foram
provocadas pela greve de dez dias do SPAC.
Esta greve,
realizada por aqueles que dentro da TAP mais privilégios têm e que
com mais facilidade encontrarão posto de trabalho numa eventual
restruturação ou encerramento da TAP — ainda que, dificilmente,
voltem a beneficiar de um regime jus laboral tão protector —,
revela um egoísmo irresponsável, que só o poder negocial
resultante da especificidade da actividade profissional em causa
consegue justificar.
Tanto assim foi que,
para além de muitos pilotos terem rejeitado esta greve, mitigando o
impacto inicialmente previsto, esta greve foi condenada pelos
restantes trabalhadores da TAP cujo futuro, dada a existência de um
leque menos amplo de alternativas no mercado de trabalho, está
indissociavelmente dependente do sucesso da TAP.
Emprego a expressão
egoísmo irresponsável, de forma intencional, porque, para além do
efeito nefasto que esta greve teve na débil situação financeira da
TAP, que a breve trecho será privatizada por uma bagatela, dado o
elevado passivo acumulado e a perda de credibilidade, os reflexos
negativos desta greve estendem-se a outros sectores. O presidente da
Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo, conforme
noticiado, estimou entre 25 e 28 milhões de euros os prejuízos
sofridos com esta greve.
Em face deste
cenário, como solução, o SPAC ameaça com nova paralisação, num
braço de ferro que, sob pretexto da privatização, vai destruir a
TAP.
Assim tem sido
escavado o buraco financeiro de onde uma TAP obsoleta, autista e
desvalorizada aguarda, exangue, que um privado a resgate, devolvendo
à TAP, aos seus trabalhadores e a Portugal uma companhia aérea apta
a estabelecer um feixe de relações entre Portugal e o resto do
mundo, que, beneficiando a actividade empresarial, em especial o
turismo, contribua para o crescimento económico que a sociedade
portuguesa tanto merece.
Docente e
investigadora no Instituto Jurídico da Portucalense
Quem
quer a TAP como empresa pública, quer também o SPAC e as suas
greves
Rui
Ramos
13/5/2015,
OBSERVADOR
Temos
talvez direito à vaidade de uma companhia aérea com a bandeira na
asa e sede em Lisboa. Mas isso tem custos: por exemplo, esta
fidalguia sindical, e os prejuízos que representa para todos nós.
O líder do
Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil gabou-se, ao fim de dez de
greve na TAP, de ter “conseguido infligir um dano de 30 milhões de
euros na companhia”. Estava a ser modesto, porque conseguiu mais:
35 milhões, e sabe-se lá quanto à economia nacional. Perante isto,
até aqueles para quem nunca uma greve pode ser má abriram uma
excepção, e vieram zurzir o sindicato. Fizeram-no, como é óbvio,
para dar a entender que o único problema era este sindicato e esta
greve. Não é. O sindicato não fez mais do que outros sindicatos
nas empresas públicas de transporte, e esta greve não é
essencialmente diferente de outras greves. As contas é que podem ser
maiores.
Segundo a mitologia
do regime, as empresas do Estado e os seus empregados não fazem
parte do mundo do comércio, mas da abnegação solidária. Para as
empresas, não há a “lógica do lucro”, e para os empregados não
existem “interesses egoístas”. As empresas pensam apenas em
prestar o melhor serviço a todos, e os empregados, quando lhes
acontece protestar, não têm outro cuidado senão zelar pelo
carácter público desse serviço. Acontece que nada disto é
verdade.
As empresas do
Estado vivem, directa ou indirectamente, dos impostos e do crédito
público. Essa situação, mais os monopólios e posições
dominantes de que geralmente desfrutam, não as dispensa apenas da
chamada “lógica do lucro”. Também as tem dispensado das regras
de boa gestão e da necessidade de satisfazer clientes e utentes.
Durante anos, os governos usaram-nas para todos os fins, desde
empregar clientelas partidárias até fazer negócios politicamente
convenientes. Os empregados, com postos garantidos em empresas que
não podem falir a não ser por decisão do governo, estão por sua
vez à vontade para zelarem intransigentemente pelos seus próprios
interesses, confortos ou preferências partidárias. Sabem que os
governos hesitarão sempre em desafiá-los, sobretudo quando não há
“consenso político”, como nunca há. Não culpemos portanto este
ou aquele sindicato, ou este ou aquele dirigente sindical. A questão
é o sistema. O SPAC limitou-se a exercer o poder excepcional que lhe
dá o regime das empresas de Estado.
Não é por acaso
que devemos às empresas estatais de transporte uma parte da
austeridade que sofremos nos três anos da troika. As empresas e os
serviços ditos “públicos” são demasiadas vezes os mais
indiferentes ao interesse público e aos interesses do público. A
TAP está na posse dos seus sindicatos, que naturalmente se permitem
todas as ousadias para defender a presa. É ridículo, a esse
respeito, que o PS exija que o governo mantenha o “controle
público”, quando é notório que o único controlo que existe na
TAP é o que exercem os seus sindicatos. Para poder privatizar a TAP,
o governo deveria ter “nacionalizado” a TAP, pondo termo à
apropriação sindical da empresa. Mas perante sindicatos militantes,
prontos a usar o país como refém, qualquer governo hesita, cede e
deixa andar. Em Agosto de 1981, quando os controladores aéreos
tentaram paralisar a América, Ronald Reagan despediu-os em massa (11
000 de uma só vez), e acabou com a cultura de bullying sindical dos
anos 70. Ninguém tem hoje força para este género de saneamentos.
Mas também ninguém tem dinheiro para suportar as exigências dos
lordes sindicais.
A TAP começou em
1945, num tempo em que a modernização, em Portugal como no resto do
mundo, era concebida como um negócio de Estado. É hoje uma empresa
desesperada. No Estado, não há meios financeiros para a sustentar,
nem força moral para a reestruturar. Convinha, por isso, que nos
libertássemos de alguns preconceitos. Há interesses públicos que
talvez dependam da propriedade pública de empresas. Mas o serviço
público, no sentido de um serviço ao público, para benefício de
clientes e de utentes, é frequentemente melhor garantido por
mercados abertos e concorrenciais, que forcem os operadores a
competir entre si para satisfação daqueles a quem devem servir. O
mesmo se poderia dizer do interesse público, no sentido do bem
geral. As companhias aéreas ditas de “low cost” têm-no servido
muito melhor, com viagens baratas que encheram Portugal de novos
turistas.
Temos talvez direito
à vaidade de uma companhia área com a bandeira na asa e sede em
Lisboa. Mas não haja ilusões: isso tem custos: por exemplo, esta
fidalguia sindical, e os prejuízos e o mau serviço que representa
para todos nós. Quem quer a TAP como empresa pública, quer também
o SPAC e as suas greves de 35 milhões de euros. Porque uma coisa vai
com a outra.
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