Um diletante
VASCO PULIDO
VALENTE 10/05/2015 - PÚBLICO
Não faria
mal a Passos Coelho levar a sua profissão a sério.
A política sempre
foi um subgénero do teatro e de literatura. O orador típico, como por exemplo
Churchill, escrevia primeiro os seus discursos, que depois decorava e só a
seguir “dizia” na Câmara dos Comuns. Mesmo quando se tratava de um “à parte”, a
ocasião e as palavras não eram deixadas à inspiração do momento; eram
ensaiadas, pensadas, muitas vezes combinadas.
No século XIX e
no princípio do século XX, o orador também precisava de qualidades físicas
particulares; devia ter “presença” (ser alto ajudava), uma voz versátil e uma
dicção impecável; e os gestos deviam acentuar a “mensagem” sem exagero, nem
preciosismo, mas com elegância e variedade. Um pouco de erudição ajudava, desde
que viesse a propósito e não servisse apenas de ornamento gratuito.
Não admira que, a
partir de 1850 (com a excepção de Herculano), um escritor se tornasse conhecido
e estimado, menos pelos seus livros do que pela sua oratória. Para os
contemporâneos, Garrett valia muito mais pelo “discurso do porto de Pireu” do
que pela poesia e pelos romances. No Verão, oradores célebres corriam as
“praias de banho” para exibir à noite no casino da terra as suas proezas. Muitos
velhos diziam que a grande experiência estética da sua vida fora ouvir José
Estêvão no parlamento, mas que ler o que tinham ouvido os não comovia. Os
sucessores — Mendes Leal e Rebelo da Silva — nunca chegaram aos píncaros do
mestre, apesar de um esforço regular e de um treino intenso. E, durante a
República, ninguém se chegou a distinguir, nem o berrador de comício e “ídolo
do povo”, António José de Almeida.
Hoje a política é
um espectáculo permanente. Com a omnipresença da televisão, cada frase, cada
movimento precisa de ser pesado e calculado com antecedência e minúcia. Um
elogio entusiástico à pessoa errada, uma “gaffe” em S. Bento, revelações
despropositadas numa pretensa biografia podem arruinar — e frequentemente
arruínam — a propaganda de meses. Como sucede então que o primeiro-ministro
Passos Coelho, com a sua já célebre teimosia, persista em não se preparar para
essa parte essencial do seu trabalho? Assessores não lhe faltam, nem lhe faltam
meios. Porquê a reincidência num amadorismo destrutivo e patético? Na
declaração improvisada, repetitiva e vácua? No comentário néscio? Numa
biografia (Santo Deus!) que envergonha as pedras? Não leu, ninguém lha mostrou?
Não faria mal a Passos Coelho levar a sua profissão a sério.
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