Passos:
o homem que teve duas vidas
O
primeiro-#ministro foi imprevisível na sua primeira vida. E
previsível na sua segunda. “Somos o que escolhemos ser”, diz a
sua biógrafa, um título pretensioso e manifestamente errado
Luís Osório
16/05/2015 / Jornal
i online
A entrevista de
Passos Coelho ao semanário “Sol” foi o acontecimento político
da semana e é um interessante objecto de análise sobre a figura, o
pensamento e a acção do primeiro-ministro. No final da manhã de
ontem, curiosamente, numa troca de impressões com José António
Saraiva, director do jornal e um dos entrevistadores, partilhei da
sua opinião em relação a um surpreendente paradoxo.
Existe um homem que,
no passado, era definido pelos seus mais próximos como alguém que
gostava de viver a vida. Cantava, apaixonava-se facilmente e era
imaturo – o que tanto preocupou Cavaco Silva no momento em que
Pedro conquistou o direito a ser primeiro-ministro. Voltou, se estão
recordados, a falar-se de moeda boa e má, e vários cépticos
concluíram que o jovem acabado de suceder a Sócrates era mais um
exemplo da degradação da classe política. Mais um que chegava ao
poder sem ter feito nada de substancial para isso (o que é
absolutamente verdade), mais um que chegava ao poder como bom
representante de um tempo de facilidades, facilitismos, inconstância.
Mais um que chegava ao poder vindo de uma juventude partidária e
habituado às pequenas traficâncias, pequenos golpes, pequenos
nadas. Pode ser manifestamente injusto, mas Passos Coelho tinha esta
imagem.
Ao fim de quase
cinco anos na liderança do governo, e tendo como parceiro de
coligação Paulo Portas, o primeiro-ministro revelou-se, em muitas
circunstâncias, o oposto do que tantos davam como certeza. Na
relação com os credores e com o Presidente da República, na forma
como segurou o governo após o “irrevogável” de Portas, na
maneira calma como se foi defendendo dos ataques no parlamento, na
teimosia com que lidou com determinados assuntos (incrível como Nuno
Crato vai mesmo conseguir terminar a legislatura), no modo como,
acintosamente, não faz cair amigos nem se parece importar com
sondagens e eleições (elogio a Dias Loureiro, relação com Miguel
Relvas, desabafos quando afirmou a dirigentes do PSD que se estava a
lixar para as eleições).
Passos Coelho
revelou-se um homem gélido. Metódico, teimoso nas suas convicções
e estável ao ponto de ser, no seu tom monocordicamente paciente,
aborrecido de morte. Para uns, os que dele não gostam, um sonso.
Para outros, um homem certinho e previsível, o que se pede numa
época de contenção. O primeiro-ministro foi imprevisível na sua
primeira vida. E previsível na sua segunda. “Somos o que
escolhemos ser”, diz a sua biógrafa, um título pretensioso e
manifestamente errado. Se tivesse escrito uma biografia de Pedro,
inclinar-me-ia para “O homem que teve duas vidas”. Seria muito
mais correcto.
Um homem capaz de
uma transformação tão grande, de uma mudança tão camaleónica,
não pode ser menosprezado. E esse é o principal desafio de António
Costa. Há uns anos, se o líder do PS pedisse opinião a um
especialista em conquista de poder, ele dir-#-lhe-ia certamente que
teria de o atacar nas suas fragilidades, na sua sensibilidade
excessiva para uma vida… como dizer… profana. E agora, o mesmo
especialista dir-#-lhe-ia o contrário, que teria de atacá-lo pela
forma espartana como vê a vida, pela insensibilidade social que
mostra, por tudo o que não parecia ser. É uma batalha difícil, um
osso duro de roer. Que a batalha comece e o país, ao menos, possa
ganhar com isso.
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