Erro dele
VASCO PULIDO
VALENTE 05/12/2014 / PÚBLICO
José Sócrates não
quer fazer o favor de “estar calado”, como anunciou logo ao segundo ou terceiro
dia da sua passagem pela cadeia de Évora. Já começou a falar e, numa carta ao
Diário de Notícias, diz (“sem rodeios”): “O ‘sistema’ (de justiça,
presumivelmente) vive da cobardia dos políticos, da cumplicidade de alguns
jornalistas; do cinismo das faculdades e dos professores de Direito e do
desprezo que as pessoas decentes têm por tudo isto”. Ou seja, Sócrates culpa
Portugal inteiro pelo que lhe sucedeu. O “animal feroz” ressuscitou e prepara
um julgamento popular e político simultâneo e paralelo ao julgamento judicial,
para ver se o consegue influenciar ou, pelo menos, para ganhar na praça pública
o que eventualmente perder nos tribunais. É uma velha táctica que falha sempre.
Mas talvez não
seja mau admitir, no meio desta algazarra, que a situação de Sócrates, quando
saiu de S. Bento, não se recomendava. A República Constitucional começou com a
morte de uma sucessão de primeiros-ministros – Nobre da Costa, Sá Carneiro,
Carlos Mota Pinto – e a queda de mais de meia dúzia de chefes da oposição. Felizmente
estas personagens podiam viver do seu trabalho ou acabaram por ser nomeadas
para cargos em Bruxelas, na ONU ou no BCE, onde puderam viver bem e prolongar
tranquilamente a sua importância. Sócrates, pelo contrário, caiu no chão. A
engenharia não era um caminho, Pedro Passos Coelho não o designaria, ou
deixaria que o designassem para coisa nenhuma. Cavaco até lhe recusou uma
condecoração tradicional e sem consequência. O PS não tinha meios para o
ajudar. Como resolver a coisa?
Sócrates resolveu
arranjar um exílio em Paris, enquanto as coisas por cá não se acalmavam. Só que
as coisas por cá não se acalmaram. No PS, Seguro não se mexia e, além disso,
não gostava particularmente dele. Para o Governo, em pé de guerra, ele
continuava a ser o bode expiatório das misérias da Pátria. Sócrates voltou. E,
fatalmente, para voltar à pompa de um primeiro-ministro, uma dignidade a que
ele se habituara e de que se achava ainda revestido. Uma casa (embora ridícula)
no centro de Lisboa, um Mercedes (prateado), um motorista, um programa na RTP e
a frequência dos “notáveis”, julgava ele que tarde ou cedo o iriam devolver ao
glorioso estatuto de 2011. Mesmo provavelmente à
Presidência da República. Erro dele.
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